sexta-feira, 5 de outubro de 2012

ELEIÇÕES E ELEITORES (ou quando uma patada só não dá resultado)


Nada pode ser mais indigesto, para um ser humano pensante, do que Ano de Eleição. Algo que poderia ser o ápice da participação coletiva, em prol de melhores condições existenciais para uma nação, torna-se uma tortura de pungentes consequências. As ruas transformam-se em palco de obsoletas práticas enquanto a televisão exibe, sob amparo da lei 9405/97, grosseiras propagandas políticas desafiadoras do bom senso do telespectador. É, por vezes, insuportável!
Nas ruas, carros de som gritam paródias “horroríveis”; fotos são distribuídas, impositivamente, pelas portas; adesivos mudam as cores de automóveis; imagens de seres humanos dados, por vezes, ao mais baixo cinismo, irrompem nas telas das TVs; há uma generalizada poluição sonora e visual. E olhe que agora está bem melhor, porque houve época em que o desrespeito aos eleitores era mais gritante e, consequentemente, insuportável.
Vejo carreatas passando nas ruas de minha cidade e constato que seria melhor fugir para qualquer lugar em que não fosse necessário vislumbrar imagens tão patéticas. Pessoas riem nos carros encomendados pelos candidatos simpaticíssimos que, para ter o máximo de acompanhamento, pagam uma boa “rodada” de gasolina e, nas ruas, eleitores contemplam, com olhares de senso comum, a exibição desses obscenos candidatos, muito irreverentes, capazes de matar ou morrer por um voto. Quanto repúdio nos corrói a alma! E uma pergunta desfaz minha suposta paz: como as pessoas conseguem ser tão vulneráveis e idiotizadas, nesse período de campanha eleitoral, a ponto de evidenciar comportamento tão profundamente acrítico?
Um cenário me atormenta: em caminhões – que mais parecem carros de bois –, transportes indispensáveis em época de eleição, é comum aparecer um grupo de moças, mulheres e/ou rapazes que batucam um som insuportável ou tremulam bandeiras que alguns, sequer, sabem ler o que tem escrito. As cores dos políticos estão estampadas com veemência em todos os espaços. O candidato, num carro à frente de todos, ergue a mão e exibe uma mancha de suor na camisa comprada para a ocasião. E ri muito, como se tivesse esperado anos para liberar tanto riso represado.
Episódio de dar vergonha é o horário político nas TVs e rádios. Nomes esdrúxulos, “slogans” ridículos e pouco originais, vozes pedindo voto que nem a língua portuguesa sabem articular, tom decorativo que doa aspecto terrífico a certos candidatos, tudo isso e muitos outros absurdos podem ser conferidos. Uns não falam, correm, porque o tempo é curto devido ao pouco prestígio do partido. Outros falam muito e mentem com furor nos olhos, afinal o partido pode tudo. Outros criam “slogans” estúpidos e desconexos. Há um tom de desespero por parte de uns, e segurança excessiva por parte de outros. Partidos e partidos se digladiam em busca do maior número de votos de supostos alienados e/ou “burros” que aceitem suas propostas infundadas.
Nada mais crítico pode ocorrer, nesse período, que as paródias criadas para chamar atenção dos eleitores. Músicas populares cujas letras são, por vezes, vulgares,  transformam-se em chamadas "sérias" em prol das propostas de campanha de um candidato ilustre a um posto veementemente almejado. Tudo respira voto, direitos eleitorais, ficha "limpa", debates, coligações, apoios políticos, denúncias, mudança. A Justiça Eleitoral implora ao bom brasileiro, em propagandas insuportavelmente demonstrativas do que é ser eleitor num país pouco crítico, que não troquem votos por: materiais de construção, dentaduras, cestas básicas, dinheiro, maços de cigarro e promessas de emprego.
Não se pode dormir, não se pode conversar, não se pode deleitar a paz que o silêncio poderia proporcionar às ruas, pois mal um carro propagandístico passa, logo vem outro triturar os tímpanos do cidadão brasileiro. E os candidatos se desesperam. Imploram por um voto e outro, fazem promessas aqui e ali, fingem ser parte do povo, fazem encontros em que apresentam propostas inviáveis. O discurso de alguns margeia o indecifrável. E tudo é patrocinado pela capacidade de burrificação que a população adquiriu com sofreguidão durante anos de comodismo, submissão, deseducação, obscurantismo comportamental, masoquismo galopante e palavras mais que o espaço não me permite expressar.
E, com base nos desabafos acima expostos, pergunto: o que é a política? Como deve se comportar o povo diante da farsante política feita no Brasil? Até que ponto o povo realiza, efetivamente, suas ações de caráter político? Como esse povo participa das ações governamentais empreendidas por seus representantes? Um povo que nem consegue estudar como deveria pode pensar em realizações de caráter político? Nunca! Segundo Marilena Chauí: “A política foi inventada pelos humanos como modo pelo qual a sociedade, internamente dividida, discute, delibera e decide em comum para aprovar ou reiterar ações que dizem respeito a todos os seus membros.”
Com base nesse conceito, acredito que a política é pautada em princípios definitivamente coletivistas. O bem-estar coletivo, a solução para problemas de uma sociedade, o favorecimento do “todo”, a participação do cidadão no que diz respeito às melhores decisões a serem tomadas em prol da cidadania, eis o fazer político. Mas até que ponto o Brasil, esta terra em que predominam a impunidade e os desmandos políticos e misérias sociais, pode dizer que há ação política realizada concretamente?
É lamentável que as pessoas não tenham noção do que podem representar para a renovação do cenário político, afinal de contas, os políticos pagam caro para manter as pessoas cada vez mais distantes da libertação intelectual possível de ser proporcionada pela educação. Nada pode ser mais triste, para um povo, do que ser triturado por seres biltres que fingem realizar atos governamentais. Ainda mais um povo que sequer sabe se defender diante de tantas improbidades!
           Se eu pudesse, como ser humano brasileiro que sou, esconderia meu rosto para não ser condescendente com a depreciação da inteligência humana realizada em Ano Eleitoral. E, para retornar à minha vida, certo de que expus o que a "democracia" me possibilita, vejo a população como se esta fosse vítima de uma besta feroz que a ataca desferindo-lhe violenta patada e que essa população, não satisfeita, deixa que a besta feroz desfira nova patada. E, com instinto cada vez mais masoquista, essa população se ergue para levar mil patadas, caso necessário. O problema é que, enquanto o povo é masoquista, os candidatos são todos uns sádicos. Isso é triste porque, para o povo, uma “patada” só parece que não basta.

OBS.: Não sou de partido político algum, não me orgulho de ser eleitor, faço questão de me manter livre para criar as ideias que eu quiser sobre o assunto. 

                                              (ÉMERSON CARDOSO)