segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

A TRISTE PARTIDA

Dentre as muitas temáticas comuns à criação de Antônio Gonçalves da Silva - Patativa do Assaré - a seca caracteriza-se como uma das mais recorrentes em sua obra. O sertanejo nordestino, que teria na agricultura e pecuária a sua mais importante fonte de renda, encontra-se sempre numa constante luta contra a estiagem e, esperançoso, aguarda bons invernos para que seu trabalho possa "vingar". A seca assume contornos de tragédia, desespero e maldição para o nordestino e torna-se um drama inevitável em decorrência das secas periódicas que assola o Nordeste brasileiro.  

No universo sertanejo, a seca nem sempre figura como um problema que poderia ser resolvido por meio de esforços humanos. Nesta perspectiva, somente o sagrado, representado pelas figuras representativas da religiosidade popular, poderia solucionar o drama a que o homem, impotente ante a força da natureza e à mercê de políticos acríticos, estaria submetido. O aspecto místico-religioso figura como o subterfúgio do sertanejo ante a seca e sua devastação. A fé torna, aparentemente, o sertanejo capaz de suportar com resignação a tragédia climática que o acomete de tempos em tempos. 

A seca e a fé são temas basilares do poema "A triste partida". Este poema de Patativa do Assaré foi musicado por Luiz Gonzaga em 1964, em forma de toada, tornando-se um dos seus maiores sucessos. A seca e a fé surgem já nos primeiros versos:

Passou-se setembro
Cum oitubro e novembro
Já tamo em dezembro
Meu Deus, que é de nóis?
Assim fala o pobre
Do seco Nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz

O poema "A triste partida" apresenta 19 estrofes com oito versos compostos por cinco sílabas poéticas (redondilha menor). Nesta estrofe inicial, percebemos uma imagem poética que se constrói pela recorrência das consoantes fricativas /s/ e /f/ que poderiam sugerir a fluidez do vento - no caso, um vento trágico que parece capaz de arrastar folhas secas e esgalhar árvores. Nesta árida paisagem, o sertanejo nordestino, vitimado pela seca, constata a sua condição existencial e, como único subterfúgio, recorre à religiosidade.

A presença de

CONTINUA...

RESENHA DO ENSAIO: "A CONSAGRAÇÃO DA IMPERTINÊNCIA (MACHADO DE ASSIS, BORGES, GUIMARÃES ROSA E A TEORIA DO CONTO)", DO LIVRO "MACHADO DE ASSIS DESCE AOS INFERNOS"



GOUVEIA, Arturo. A consagração da impertinência (Machado de Assis, Borges, Guimarães Rosa e a teoria do conto). In: GOUVEIA, Arturo e SEVERO, Sulenita (Org.). Machado de Assis desce aos infernos. 2. ed. Coleção Ambiente 4. João Pessoa: Ideia, 2011. p. 11 - 80.


Resultante de pesquisas realizadas no Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade Federal da Paraíba, a obra "Machado de Assis desce aos infernos" reúne ensaios que se remetem à contística deste que é considerado um dos maiores expoentes da Literatura Brasileira. Dentre os ensaios que compõem esta obra, tratarei, brevemente, sobre o primeiro deles: "A consagração da impertinência (Machado de Assis, Borges, Guimarães Rosa e a teoria do conto)", do Prof. Dr. Arturo Gouveia.
Neste texto, o ensaísta discorre sobre o fato de que alguns estudiosos, ao tentar teorizar o conto, restringem-se a construir concepções por vezes generalizantes e inadequadas sobre o assunto. Com as variantes que o gênero comporta, determinar as diretrizes que devem nortear a análise do conto pode se caracterizar como um problema. 
Inicialmente, o ensaísta apresenta as incursões teóricas sobre o conto apontadas por Julio Cortázar. Para Cortázar – que sequer concebe seu texto como teoria, uma vez que seu texto trata-se de uma conferência proferida em Cuba com acentuado teor político – sua discussão sobre o tema caracteriza-se apenas como uma tentativa de apontar os aspectos mais recorrentes do gênero conto, e centra-se, nesta perspectiva, muito mais numa abordagem que critica o (p. 14) "realismo ingênuo e de compreensão imediata, instrumentalizado pela revolução".
Após apontar incongruências no discurso de Cortázar, sobretudo no que concerne ao perceptível lirismo com que este trata o tema, o ensaísta afirma que as inferências deste escritor, assim como as de Edgar Allan Poe, "chegaram a constituir escola" e pouco, ou o que é pior, "nada de substancial" acrescentaram à teoria literária.
O autor do ensaio ataca, também, a visão de Anderson Imbert que parte do existencialismo para estipular as concepções que, do ponto de vista deste estudioso, seriam imprescindíveis para a compreensão do conto. Essas concepções seriam "inconvincentes", além de coadunarem com as já repetidas pelos demais teóricos.
As concepções de Massaud Moisés são também discutidas pelo ensaísta que admite considerar válidas algumas delas. Este teórico teria, ao referir-se à estrutura do conto a partir de unidades, utilizado apenas exemplos cabíveis às suas explanações, mas teria deixado de lado outros exemplos que contrariariam suas ideias. Uma das falhas cometidas por esse teórico, segundo o autor deste ensaio, diz respeito ao fato de que sua visão se adéqua à tendência tão comum de alguns teóricos que costumam universalizar "deduções particulares" criando "dogmas" que pouco podem contribuir para a ampliação do conhecimento científico.
Ao longo da discussão, são explanados conceitos como: significação, intensidade e tensão. O autor do ensaio tece críticas a Cortázar desta feita por ele discutir estes conceitos de modo "superficial e insuficiente". Em seguida, o ensaísta elabora uma explanação sobre contos que seriam denominados "atípicos", ou seja, contos que transgridem ao aspecto tradicional das (p. 45) "unidades de tempo, espaço, ação e tom." Neste caso, ele aponta as ideias propostas por Massaud Moisés que enfatiza as unidades em suas incursões sobre a estrutura do gênero.
Contos de autores como Jorge Luís Borges, João Guimarães Rosa e Machado de Assis são utilizados pelo ensaísta como exemplos profícuos na tentativa de refutar os paradigmas estipulados por esses teóricos muitas vezes equivocados em suas afirmações. Inúmeras dessas concepções perderiam a utilidade se fossem utilizadas para analisar, conforme muito bem aponta o ensaísta, para ficarmos apenas com um exemplo, textos cuja narrativa se estabeleceria por meio do fluxo de consciência.
O autor conclui seu texto afirmando que (p. 80) "ou a teoria do conto parte para uma maior operacionalidade de seus princípios, o que requer revisão categórica de suas concepções fechadas, ou corre o risco de tornar-se obsoleta e improdutiva."
O Prof. Dr. Arturo Gouveia realizou, portanto, um trabalho imprescindível para quem pretende compreender como têm se estabelecido na atualidade as tentativas de teorização do conto. Ao longo de suas sessenta e nove páginas, este ensaio traça uma valiosa contribuição sobre o gênero com uma linguagem objetiva, uma acuidade analítica incontestável e uma coerente, e substancial, discussão teórica que poderá redimensionar as discussões sobre o gênero no país.
Arturo Gouveia é Doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP, Professor Adjunto da Universidade Federal da Paraíba, poeta, romancista e ensaísta. Escreveu, dentre outras obras, "O Evangelho segundo Lúcifer" e "Santíssimas Trevas".


Texto de: Émerson Cardoso

domingo, 29 de dezembro de 2013

RESUMO: COMO FAZER UM?



Resumo: consiste em um gênero textual que visa sintetizar principais ideias explanadas por um autor. É essencialmente um texto que deriva de outro texto e tem como objetivo realizar uma exposição sintética e seletiva de um texto específico. 

Segundo Xavier¹ (2012, p. 88), o resumo é "um texto-derivado, só existe em função de um texto-fonte, que tem como finalidade fazer uma exposição seletiva e sintética da proposta central contida em um texto-fonte.

O resumo, para fins acadêmicos, segundo Xavier (ibidem, p. 88 - 89), apresenta sempre a seguinte estrutura: 
  • Objetivos do trabalho;
  • Metodologia utilizada;
  • Teorias que fundamentaram as análises e
  • Resultados alcançados pela pesquisa;
  • Dados quantitativos e/ou qualitativos do texto-fonte.
O resumo, quando realizado acerca de uma obra específica, deve atender a alguns aspectos:
  • A obra deverá ser lida ao menos duas vezes;
  • Na primeira leitura, deverá ser realizado um esboço do texto a ser resumido e deverá ser analisada a estrutura do seu desenvolvimento;
  • Procurar respostas às perguntas: 1 - De que se trata o texto? 2 - O que o autor pretendeu fazer no texto: defender, demonstrar, provar?
  • Na segunda leitura, faz-se necessário observar os seguintes aspectos: 1 - Os argumentos principais, explicações e exemplos usados que dão suporte ao que o autor deseja explanar; 2 - Identificar o estilo de escrita do autor de maneira que seja possível redizer, com seu estilo e palavras, os conteúdos importantes da obra.
¹XAVIER, Antônio Carlos. Como fazer e apresentar trabalhos científicos em eventos acadêmicos. Recife: Editora Rêspel, 2012.


RESUMO DE OBRA LITERÁRIA



AMOR DE PERDIÇÃO, 
DE CAMILO CASTELO BRANCO


As famílias dos namorados Simão Botelho e Teresa de Albuquerque estão, há muito tempo, brigadas e fazem de tudo para separá-los. Simão é mandado para Coimbra. Teresa, para não aceitar a alternativa odiosa de casar-se com o primo Baltazar Coutinho, ingressa num convento.
         A parte trágica deste romance começa quando Simão vai procurar a amada no convento e fere mortalmente o seu rival. Condenado, Simão tem de rumar para o exílio. Quando o navio começa a largar, Simão ainda avista a amada de longe, e a cena em que Teresa lhe acena com o lencinho, do convento de Monchique, é uma das mais permanentes em toda história da novela amorosa.
         Trata-se de um romance de explosão passional, em que a razão se mostra frágil e incapaz de relativizar os eventos ou amenizá-los. Este caráter passional da intriga camiliana não deixa de lado nem mesmo Mariana, que depositara em Simão um terno e resignado amor. Pois na hora em que o corpo do herói é jogado no mar, Mariana opta por morrer junto do amado, agarrando-se ao cadáver de Simão.
           A ação da obra gira em torno da invencibilidade da paixão de Simão e Teresa. O tempo da narrativa é cronológico, ou seja, há uma sucessão de eventos que ocorrem em datas específicas. A forma é linear, pois o autor escrevia em 1861 um drama vivido em 1801. A narrativa situa-se no início do século XIX, quando houve o início da consolidação da sociedade romântico-liberal. O tempo passado lhe dá maior liberdade no discurso. O espaço é caracterizado pelo ambiente social (sociedade provinciana que viveu na região da Beira-alta) e age na narrativa, intensificando os obstáculos que se levantam contra o amor de Simão e Teresa. Referindo-se aos personagens, podemos dividi-los em: fidalgos jovens, (nobreza de caráter), fidalgos adultos e religiosos (arrogantes, soberbos) e plebeus jovens ou adultos (nobreza de caráter, bondade). O aprofundamento psicológico é ausente nas personagens, pois o objetivo principal do autor é colocar em evidência apenas as ações, por vezes viscerais, destas.
           Dentre as personagens, destacam-se: Simão Antônio Botelho, herói romântico e de extremismos emocionais (tentativa de rapto, que gera mortes e, consequentemente, seu fim trágico); Teresa, a heroína romântica; Mariana, a amante silenciosa e resignada (ideal romântico); João da Cruz, o camponês rústico, protetor de Simão; Baltasar Coutinho, o burguês interesseiro, sem moral; Tadeu de Albuquerque, o pai autoritário, que, por uma rivalidade particular, impede a felicidade da filha com Simão.

OLIVEIRA, Lídia Maria de. Literatura Portuguesa. In: Módulo do ensino integrado. São Paulo: DCL, 2002. p. 85 - 86.


RESUMO DE ARTIGO CIENTÍFICO:


QUANDO UM ABISMO SE ABRE OU UM GRITO NA QUEDA: 
ANÁLISE DO CONTO A CONFISSÃO DE LEONTINA, DE LYGIA FAGUNDES TELLES

                                               CÍCERO ÉMERSON DO NASCIMENTO CARDOSO

RESUMO:

Este trabalho discorre sobre as possibilidades interpretativas do conto A confissão de Leontina, de Lygia Fagundes Telles. Com foco narrativo em primeira pessoa, este conto apresenta o discurso desesperado de uma prisioneira acusada de assassinato e que decide expor os fatos que a conduziram à prisão. Por ser narrado com forte fluxo de consciência da personagem narradora, este tipo de conto nem sempre se enquadra nas definições mais tradicionais expressas por certos teóricos. Este trabalho, portanto, além de colocar em pauta uma abordagem sobre o sujeito feminino, discorre também sobre discussões de caráter conceitual acerca do conto cujas abordagens teóricas têm se mostrado ainda não definitivas.


PALAVRAS-CHAVE: Lygia Fagundes Telles; Conto; Sujeito Feminino.

sábado, 28 de dezembro de 2013

ROMANTISMO EM PORTUGAL - UM RESUMO

"Zé Povinho", de Rafael Bordalo Pinheiro

MOMENTO SOCIOCULTURAL:

  • Revolução Industrial;
  • Revolução Francesa (1789);
  • Ascensão da burguesia ao poder, liberalismo, individualismo, nacionalismo;
  • Consolidação do sistema capitalista.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS:

  • A literatura procura a libertação das formas clássicas e a explosão da subjetividade: predomínio da emoção sobre a razão, ênfase na imaginação criadora, espírito libertário, nacionalismo, religiosidade;
  • O artista como criador, um "gênio inspirado" (valorização da imaginação);
  • O fim da proteção oficial às artes (mecenato) e a transformação da arte em mercadoria: necessidade de formar e conquistar um público-leitor, surgimento do romance (folhetim).

AUTORES E OBRAS:

  • Almeida Garrett (associa elementos românticos e neoclássicos): "Camões" (poesia), "Frei Luís de Sousa" (teatro), "Viagens na Minha Terra" (romance);
  • Alexandre Herculano (romances históricos): "Eurico, o Presbítero" e "Lendas e Narrativas";
  • Camilo Castelo Branco (técnica de folhetim, transição para o Realismo): "Amor de perdição", "Amor de Salvação" e "Coração, cabeça e estômago" (obra satírica);
  • Julio Diniz (afasta-se do ultrarromantismo e aproxima-se do Realismo): "As Pupilas do Senhor Reitor.

NOTAS SOBRE O ROMANTISMO EM PORTUGAL:

O Romantismo foi um movimento artístico que teve seu início em meados do século XVIII, estendendo-se até metade do século XIX. O tema central dessa estética foi a liberdade do indivíduo em relação ao poder dominante da aristocracia. Com isso, externa-se a emoção e o sentimentalismo. Os românticos buscam uma arte individualista, em que o "eu" torna-se o centro de tudo. 

O nacionalismo, o sentimentalismo, o subjetivismo e o irracionalismo são características marcantes do Romantismo inicial. O Romantismo busca explicar o nacionalismo e a valorização do passado, voltando-se ao amor medieval, que passa a ser o tema de grandes romances e poemas. 

Em Portugal, Almeida Garret inaugurou o movimento com o poema "Camões", em 1825. Os primeiros anos do Romantismo em Portugal coincidem com as lutas civis entre liberais e conservadores, acirradas por uma guerra que durou dois anos. 

O Romantismo português é dividido em três categorias:
  • Primeira Geração: permanecem alguns valores neoclássicos.
  • Segunda Geração: é o chamado ultrarromantismo, em que as características românticas são levadas ao exagero.
  • Terceira Geração: é a transição para o Realismo.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

RESENHA CRÍTICA: "JANELAS DO BRASIL", DE AMELINHA


Misture uma voz inexcedível a composições de grandes nomes da Música Popular Brasileira e o resultado não poderá ser outro: "Janelas do Brasil", da cantora Amelinha. Posso afirmar, sem medo de cometer exageros, que este foi um dos mais singelos, reconfortantes e maduros trabalhos que a cantora realizou em sua extensa carreira.  
         Produzido pela gravadora "Joia Moderna", em 2011, este cd apresenta doze canções que Amelinha interpreta com intensidade, introspecção e enternecimento. Com esta obra, elogiada pela crítica e pelo público, Amelinha mostrou o quanto sua voz continua comovente e expressiva. Marcam este trabalho: seu timbre forte/sutil, que se mostra saudosista ao retomar canções dos seus companheiros cearenses Belchior, Fagner e Ednardo; o tom intimista advindo de canções como as concebidas por Zeca Baleiro, Marília Medalha, Vinicius de Moraes e a ressignificação da canção de Marcelo Jeneci e Chico César.
         A primeira faixa já dá demonstrações de que o repertório foi bem escolhido: "Galos, noites e quintais", de Belchior. Em seguida, "O silêncio", de Zeca Baleiro - sem dúvidas é uma das mais belas canções que compõem este trabalho. Seguem outras canções impecáveis: "Asa partida", de Fagner e Abel Silva, "Felicidade", de Marcelo Jeneci e Chico César, "Terral" (canção-símbolo do lirismo das terras cearenses), de Ednardo, "Planície de prata", de Almir Sater e Paulo Simões, "Quando fugias de mim", de Alceu Valença e Emmanoel Cavalcanti, "Algum lugar", Vinicius de Moraes e Marília Medalha, "É necessário", de Geraldo Espíndola, "Ponta do Seixas", de Cátia de França, "Olhos profundos", de Renato Teixeira, e "Pra seguir um violeiro", de Amaro Penna. 
       A voz de Amelinha encanta, comove, cria espirais e adentra os recônditos da alma de quem a contempla em sua beleza e intensidade. A sensação que se tem ao ouvi-la é a de que a arte, em todo o seu esplendor, alcança grandezas indescritíveis porque nela se materializa, se concretiza, se personifica. 
          Com a repercussão deste cd, Amelinha, com uma produção que soube valorizar seu talento, produziu um dvd - o primeiro de sua carreira - em que, além das canções presentes em seu cd, ela acrescentou canções marcantes de seus discos anteriores e outras canções já consagradas no cancioneiro nacional.
          Nascida em Fortaleza - CE, em 21 de julho de 1950, Amélia Cláudia Garcia Collares, nossa eterna Amelinha, é uma das mais importantes cantoras do país e possui um timbre que a torna peculiar em nossa Música Popular Brasileira. Representante maior do Ceará, Amelinha representa bem mais do que o nome que ela conseguiu firmar com seu indescritível talento, ela representa a simplicidade, a grandeza de espírito e a força interior que o Nordeste costuma espargir como dádiva ao Brasil que, por suas imensas obscuridades sociopolíticas e socioeconômicas, torna seu povo desejoso de arte para que, assim, haja ânimo para a resistência e para as lutas diárias.   
         A janela que Amelinha abre, por meio de seu talento, dá-nos uma sensação de leveza e esperança: que muitas canções esta mulher espiritualizada atire sobre nós, seus eternos admiradores.

Texto de: Émerson Cardoso

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

EXERCÍCIO DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL: SONETO "FRIEZA", DE FLORBELA ESPANCA

Florbela Espanca

Florbela aniversariou no último dia 08 de dezembro. Então, ainda como forma de homenageá-la por ocasião do seu aniversário, abaixo apresento um dos seus mais lindos sonetos. Este soneto foi musicado pelo cantor e compositor Fagner e a cantora Amelinha, com sua voz majestosa, a interpretou.  
Em seguida, apresentarei uma dica para quem pretende realizar, em sala de aula, uma análise não muito ampla deste soneto que, do meu ponto de vista, pode ser tranquilamente utilizado numa aula de interpretação textual, de turmas de Ensino Médio.  
Portanto, com a preocupação - enfatize-se - de ser objetivo ao analisar textos literários, eu costumo pedir que os alunos atentem para tópicos em que estes poderão apontar alguns elementos que constam no texto em análise. A intenção não é restringir o texto literário criando uma "fórmula" para a analisá-lo - o que seria patético e restritivo -, a intenção, em verdade, é motivar o aluno a desenvolver, a partir de leituras inicialmente simplórias, leituras mais amplas à medida que a familiaridade se estabeleça com relação ao texto e suas estruturas. Desenvolvo, portanto, o seguinte método de análise: 
                                       

Frieza

Os teus olhos são frios como as espadas,
E claros como os trágicos punhais;
Têm brilhos cortantes de metais
E fulgores de lâminas geladas

Vejo neles imagens retratadas
De abandonos cruéis e desleais,
Fantásticos desejos irreais,
E todo ouro e o sol das madrugadas!

Mas não te invejo, amor, essa indiferença,
Que viver neste mundo sem amar
É pior que ser cego de nascença!

E tu invejas a dor que vive em mim!
E quanta vez dirás a soluçar:
“Ah! Quem me dera, Irmã, amar assim!...”

(Florbela Espanca)

1 - Autor: Nascida em 08 de dezembro de 1894, Florbela de Alma da Conceição Espanca foi um dos principais nomes do Modernismo em Portugal. Embora não tenha participado da Revista Orpheu, marco maior da Literatura Modernista neste país, Florbela Espanca se enquadra como um nome importante surgido no início das visões modernas que perpassavam a Literatura Portuguesa do início do século XX. Tendo uma vida agitada, do ponto de vista dos conflitos amorosos que viveu, deparou-se desde cedo com inúmeros percalços existenciais que foram transpostos para sua produção literária. Dentre as características de sua obra, podemos apontar: o intenso lirismo, o desespero mediante amores não consolidados, a busca por um amor que torna o eu lírico um ser em conflito com a realidade prática, imagens metafóricas de excessiva beleza, construções clássicas – é uma sonetista vigorosa – e erotismo e sensualidade em inúmeros textos, além de uma sensação dolorosa da existência que causa várias especulações acerca da própria condição do ser.
  
2 - Relação entre Título & Texto: O título Frieza traz componentes semânticos que muito nos auxiliariam para melhor compreendê-lo: remete-nos, literalmente, ao fato de que o ser humano, de acordo com sua condição térmica (já que é um animal que conserva sua temperatura independente do âmbito em que esteja inserido), sofre com a diminuição da temperatura, sente a sensação de frio em decorrência da ausência de calor; por outro lado, e este elemento nos parece mais importante para nossa análise, o vocábulo Frieza, fora do seu sentido comum, se remete à ideia de indiferença, descaso, irrelevância que um indivíduo, por algum motivo, procura atribuir a outrem. Desse modo, o título está direta e indiretamente vinculado à estrutura do texto, pois este apresenta um eu lírico que acusa o seu interlocutor de ser indiferente, de agir com frieza, com descaso, desprezo sem considerar sua demonstração de amor. O eu lírico parece olhar para o ser a quem devota seus sentimentos e afirma: “Seus olhos são frios como as espadas”. Em seguida, como para não se sentir subjugado de todo, ele atira sobre o ser amado uma tentativa de altivez, desprezo e suposta arrogância que, em verdade, reforça sua sensação de submissão amorosa: “Mas não te invejo, Amor, essa indiferença / Que viver neste mundo sem amar / É pior que ser cego de nascença”.

3 - Gênero Textual: O texto apresentado faz parte do gênero lírico, é exemplo de um soneto, texto poético formado por dois quartetos e dois tercetos. Neste caso, os versos são formados por dez sílabas poéticas (decassílabos).

4 - Estrutura superficial do texto: É possível perceber o tipo de rima que o texto apresenta: rimas interpoladas nas duas primeiras estrofes /ABBA/. Nas duas estrofes introdutórias, percebe-se a recorrência da consoante /s/ que sugere a fluidez de facas afiadas sibilando enquanto cortam o ar e, ao mesmo tempo, cortando a alma de um eu lírico indignado por sentir-se preterido. Percebe-se, ainda, a recorrência de sons nasais sugestivos do tom melancólico constante no poema. Outro ponto que não pode passar despercebido é o uso exaustivo de adjetivos no texto, com isso o poema adquire cunho descritivo apresentado por um ângulo de visão atribuidor de valores e que explora a expressividade das sensações que experimenta. Há, ainda, inúmeras conjunções aditivas que podem sugerir a necessidade de afirmar com veemência o discurso apresentado adicionando um argumento ao outro na urgência de expressar o que sente – como se dissesse, num fôlego só, o que tem para dizer, de modo irascível.   

5 - Temática abordada: O poema Frieza apresenta o resultado de uma declaração de amor proferida por um eu lírico inconformado.
Este eu lírico feminino – trata-se de um eu lírico feminino porque o texto nos dá pistas para que façamos esta afirmação – declara seu amor por um homem e, como resposta para a exposição de seus sentimentos, depara-se com a indiferença do ser amado que parece não saber – ou querer – amar este eu lírico com a mesma intensidade com que ele o ama.
O eu lírico passa a estabelecer comparações entre o modo de olhar do interlocutor e a frieza e violência de metais cortantes. Após externar seu rancor, o eu lírico passa a expressar um mecanismo de fuga caracterizado como projeção, ou seja, ele atribui ao interlocutor as sensações que ele mesmo vivencia, numa empatia às avessas.
Ao ser preterido, o eu lírico tenta manter-se em sua altivez e afirma que “viver neste mundo sem amar / é pior que ser cego de nascença”. Logo em seguida, ainda projetando no ser amado aquilo que ele vivencia, o eu lírico afirma, numa tentativa de sentir-se superior quando, em verdade, sentia-se inferiorizado ante o preterimento, que seu amado “inveja a dor” que nele “vive”. Com o rancor típico dos que se sentem humilhados e inferiorizados, o eu lírico roga contra seu interlocutor uma espécie de praga: “Quanta vez dirás a soluçar / Ah! Quem me dera, Irmã, amar assim.”
O eu lírico passa por vários processos na expressão dos seus sentimentos: ele ama e confessa seu amor; sente-se enganado, preterido e, para não se sentir subjugado ante os sentimentos que experimenta, atribui falhas ao ser amado que, por ser acusado de não saber amar, assim como ele o faz, sequer mereceria qualquer demonstração de afeto.
Dentre as temáticas encontradas no texto, podemos destacar: o amor não correspondido, a frieza das relações afetivas, a dificuldade vivida por algumas pessoas que não conseguem estabelecer relacionamentos afetivos verdadeiros e sem conflitos, o orgulho ferido, a sensação de inferioridade que o preterimento pode causar num indivíduo.


Émerson Cardoso