terça-feira, 23 de julho de 2013

UM ENSAIO: "CHÃO DE GIZ", DE ZÉ RAMALHO


NA PRISÃO DO AMOR UM AMANTE CAI PELA TERCEIRA VEZ:  ANÁLISE DA MÚSICA CHÃO DE GIZ, DE ZÉ RAMALHO

Gravada originalmente em 1977, Chão de Giz é uma das músicas mais populares do paraibano Zé Ramalho e, além de uma melodia marcante, a letra apresenta ampla significação através de imagens melancólicas que margeiam o patético da desilusão amorosa. 
Constituída de três estrofes, essa canção inicia com a afirmação do eu lírico que diz: “Eu desço dessa solidão”. Essa afirmação nos remete a um conflito existencial que se mostra com intensa carga dramática. A solidão é vista, por muitos, como um estado deplorável ao ser humano que, em sua essência, estaria fadado ao convívio social. Quem, por algum motivo, se vê fora dessa possibilidade de comunicação tende a sentir-se vazio, incompleto e até, em alguns casos, marginalizado. Dizer que irá "descer" da solidão, além de ser uma expressão hiperbólica, é uma tentativa de mostrar a sensação de vazio existencial que o eu lírico vivencia. Ele, portanto, encontra-se num estado depressivo gritante, pintado com as cores dramáticas do que é irreversível.
Associamos as três estrofes dessa canção a uma metáfora que nos parece viável, se considerarmos o texto em seu todo. Cada estrofe representa uma queda, cada queda amplia, metaforicamente, a sensação de autodestruição do eu lírico que não consegue lidar com a possibilidade de viver sem estar ao lado do ser a quem devota seu amor.
 Nessa perspectiva, poderíamos dizer que a primeira queda acontece logo no verso inicial da primeira estrofe. Descer da solidão seria, nesse caso, uma das três quedas que o eu lírico vivenciará ao longo do texto. 
Quando o eu lírico espalha “coisas sobre um chão de giz”, a imagem se torna pouco nítida tendo em vista o termo “coisa” empregado, geralmente, para designar inúmeros tipos de objetos / seres não delimitados ou especificados. O chão de giz poderia sugerir a fugacidade dos acontecimentos – o giz é um objeto que, ao ser utilizado, desfaz-se deixando apenas seus resquícios. Essa imagem nos dimensiona a condição do eu lírico que parece estar, assim como o giz, fadado a fragmentar-se, desfigurar-se, perder-se.  
Em seguida, o eu lírico apresenta definitivamente o seu estado emocional: “Há meros devaneios tolos a me torturar”. Esse verso o desmascara: ante a necessidade que ele evidencia de não afirmar o seu estado mórbido de espírito, seu discurso o coloca numa excessiva exposição íntima, pois se o que sente são apenas “meros devaneios tolos”, por que ele se deixa torturar tanto por isso? Não são, como se pode supor, meros devaneios e sim um angustiante conflito de cunho amoroso que, inclusive, tritura seu íntimo e o torna desesperado a ponto de recortar “fotografias” repetidas vezes como se quisesse desfazer o sentimento resguardado em si. A cena reproduzida na fotografia, que anteriormente poderia representar a recordação de momentos felizes, agora está fragmentada, desfeita. Essa ação do eu lírico sugere-nos que ele tentava rasgar aquilo que era externo para desfazer, talvez, o que o triturava internamente: e seu gesto obviamente fracassou.  
O termo “amiúde” – que significa repetidas vezes – reforça a ideia de compulsão por libertar-se de algo que quanto mais é negado mais parece se firmar. As fotografias foram cortadas, destruídas. O objetivo não seria, portanto, destruir a si mesmo já que trazia dentro, e não fora de si, um amor não correspondido, conflitante e causador de sua angústia?  
A punição para o objeto amoroso ausente se dá através da seguinte ameaça proferida pelo eu lírico: o ser amado, representado pelas fotografias trituradas, será atirado num “pano de guardar confetes”. Cortadas as fotos, o destino delas – mais precisamente o destino do ser amado – será o de misturar-se aos confetes e nunca mais serem restituídas. Essa afirmação se repete de modo a enfatizar o rancor do eu lírico abandonado que, como consequência do preterimento, se apoia em chantagens emocionais.  
Na segunda estrofe, o eu lírico apresenta sua segunda queda. Ao dizer: “Espalho balas de canhão/ é inútil, pois existe um grão-vizir”, as balas de canhão remetem à ideia de guerra, conflito. Essa imagem sugere uma queda representada na imagem da bala de canhão atirada contra um adversário, e adversário que, nesse caso, é ele próprio. Mas ele afirma que é inútil atirar contra seu suposto adversário, pois existe o “grão-vizir” – ministro de guerra. Em si o conflito é tão intenso que ele cria duas imagens para si mesmo: ele é o grão-vizir e, ao mesmo tempo, é o adversário de guerra. Ele atira e sofre respectivamente o ataque. Irrompe, portanto, o intenso desequilíbrio emocional que o impele a uma luta interna que se manifesta entre: razão / emoção, real / irreal, sanidade / loucura.
No verso: “Há tantas violetas velhas sem um colibri”, encontramos, talvez, a imagem mais rica em poeticidade do texto. O eu lírico se imprime na imagem das violetas sem um colibri – sem o objeto do seu desejo –, e velhas – relegadas, nessa acepção, ao fim iminente –, com a intenção de hiperbolizar suas feridas existenciais: dentre as violetas sem colibri, ele é a mais deprimida. 
A associação do eu lírico com a flor sugere uma perda de identidade deste, tendo em vista que a imagem da flor é remetida, quase sempre, à figura feminina que, numa visão tradicionalista, está vinculada à condição passiva social e psicologicamente em detrimento do ativismo que o masculino representaria. Eis um eu lírico, na metáfora, submetido à condição frágil da flor, ou seja, é um sujeito passivo, permissivo, dependente que assume essa postura por estar numa condição passional irremediável.
Ao dizer que “Queria usar [...] uma camisa de forças” – recurso utilizado para imobilização de pessoas em crise em decorrência de problemas de saúde mental – mostra seu furor passional e mais uma chantagem emocional: se o ser amado não retribuir a devoção ele ficará louco.
Mas a conjunção “ou” dá outra alternativa:  poderia usar também uma camisa “de Vênus”. Desta feita: ou o amor é realizado, ou o eu lírico enlouquecerá. Loucura versus satisfação amorosa, e no auge desse conflito o indivíduo afirma que não aceitará satisfazer esse amor se não for de modo concreto – a camisa de Vênus é um dos termos utilizados para designar o preservativo masculino.
O eu lírico se refere, também, a ação de fumar. Fumar remete-nos à satisfação imediatista de um desejo, à tentativa de libertar-se de uma suposta angústia e à fugacidade do prazer experimentado em tragos que não reduzem a sensação de ansiedade. Como resultado do cigarro consumido – imagem que remete ao giz na primeira estrofe – restam apenas cinzas. E o eu lírico afirma que esse não é o seu desejo. Amenizar a ansiedade, com o gozo do cigarro, não suprirá seus anseios. Posteriormente, um verso sugere a perda de identidade do indivíduo: “Não vou lhe beijar gastando assim o meu batom”. Como o batom é um adereço arquetípico do sujeito feminino, o eu lírico parece perder as delimitações da sua condição masculina dando-se às práticas habituais do universo identitário supostamente feminino. Mas a alusão ao carnaval ameniza essa ideia, afinal: as delimitações comportamentais de cunho sexista deixam de ser consideradas em tempos de carnaval.
Na terceira estrofe percebemos a terceira queda: “Agora pego um caminhão/ na lona vou a nocaute outra vez”. A ideia de que pegou um caminhão traduz a necessidade de fuga empreendida por um ser em desespero. Ao fugir, surge a metáfora da lona em que foi nocauteado – nessa imagem encontramos a terceira queda.
A ideia de que o sentimento amoroso conduziu o indivíduo às últimas consequências do desespero se confirma nos versos: “Para sempre fui acorrentado no seu calcanhar”. A vassalagem amorosa presente nesse verso remete-nos à imagem presente nas Cantigas de Amor trovadorescas, em que o eu lírico se mostrava totalmente submisso ante sua amada senhora – esta que sempre o desprezava ou que sequer o conhecia. Nesse verso encontramos a confirmação da terceira queda já prenunciada nos primeiros versos dessa terceira estrofe.
Nos versos: “Meus vinte anos de boy/ That’s over baby/ Freud explica”, há fortes indícios de uma sensação de desespero caracterizada pela visão conformista assumida pelo eu lírico e, ao mesmo tempo, autodestrutiva. A juventude – ele se diz com vinte anos – não representa a possibilidade de início da vida, antes vem a terrível constatação de uma vida perdida definitivamente confirmada pela expressão estrangeira: “That’s over”, ou seja, “isto é o fim”, “eis o fim”. Depois ele afirma: “Freud explica”. Essa expressão lugar-comum utilizada pelo eu lírico – expressão reducionista que atribui a Freud a explicação para todas as problemáticas de caráter sexual do indivíduo – sugere uma tentativa deste de justificar a devoção ao seu objeto afetivo e a atração sexual que sente por sua amada.  
Logo após, são repetidos termos de estrofes anteriores e é utilizada uma expressão significativa para o contexto, nos versos: “Quanto ao pano dos confetes/ Já passou meu carnaval/ E isso explica porque o sexo é assunto popular”. Há uma revolta expressa nesses versos e indicam que o carnaval – imagem que nos remete à vivência de encontros afetivos casuais e a festividades – se foi e nada mais representa, além disso, o pano dos confetes já não tem mais utilidade. Nada mais parece adiantar para aquele que está decidido a fugir, por ter sido preterido, da sensação avassaladora causada por seu amor.  
Os últimos versos, seguidos de reticências, apresentam um último apelo, ou mesmo chantagem emocional: “No mais, estou indo embora/ No mais, estou indo embora/ No mais...”. E antes que o verso último seja pronunciado, o eu lírico, nas entrelinhas indicadas pelas reticências, parece deixar de vivenciar esse sentimento amoroso despedindo-se da vida, o que poderia remeter a várias possibilidades interpretativas mas que, após as pistas desvendadas, poderíamos dizer: por não suportar os conflitos causados por um amor sem consolidação o eu lírico despede-se da vida – comete suicídio? O sentimento depressivo conduz o indivíduo perdido de amor à fuga radical – a alma se liberta finalmente do amor corrosivo, na simbologia da morte.
Em suma, Chão de Giz é uma canção amarga, deprimente e, antes de tudo, romântica no sentido mais amplo do termo. Apresenta três estrofes e encerra com três versos sendo que o último está incompleto – e nessa incompletude do verso poderia estar a urgência de morrer do eu lírico. O último verso é concluído com reticências – que remetem à ideia de continuidade do discurso ou supressão de termos, além de trazer a simbologia do número três significativo para o texto se considerada a hipótese das três quedas representadas nas três estrofes.  
Enfim, o amor na música Chão de Giz conduz o amante às consequências mais drásticas da passionalidade amorosa: o autoaniquilamento, a autodestruição e a morte.

TEXTO DE: ÉMERSON CARDOSO

segunda-feira, 22 de julho de 2013

RESENHA DO LIVRO "CARTAS PORTUGUESAS" - BARROCO (PARTE II)


ALCOFORADO, Mariana. Cartas portuguesas. Porto Alegre: L&PM, 2007.
Considerada uma obra de profundidade indiscutível, somente no início do século XIX, mais precisamente em 1810, sua autoria foi confirmada: a religiosa portuguesa Mariana Alcoforado era, de fato, a autora. Essa obra corresponde a cinco cartas, escritas originalmente em Língua Francesa, direcionadas a um oficial do exército francês que estivera em serviço em Portugal e que se chamava Noel Bouton de Chamilly – ou apenas De Chamilly.
As cinco cartas, todas com conteúdo não muito extenso, discorrem sobre uma amante que devota palavras desesperadas de amor para seu amado. A linguagem evoca os conflitos típicos do indivíduo que se encontrava indeciso entre as concepções teístas, propagadas pelo medievalismo, e as concepções humanistas, propagadas pela modernidade em ascensão – posteriormente às conquistas do Humanismo, surgem o Renascentismo e o Classicismo que se chocavam com o Barroco. Isso é perceptível se considerarmos que a autora das cartas era uma religiosa e que, provavelmente, se debatia em lancinantes conflitos em decorrência do dilema: abraçar a vida religiosa e vivenciar a castidade, abraçar a vida carnal e entregar-se sem hesitações aos ardores da paixão. 
Desde a primeira carta percebemos o teor passional com que a autora trata a história de amor que vivencia (p. 16): "Mil vezes ao dia dirijo para ti os meus suspiros". Ainda nessa carta, a remetente lamenta que o seu amante instigara esperanças e ela, que tanto idealizara projetos em que se via sempre ao seu lado, naquele momento deleitava somente a solidão em decorrência da ausência do amado. A passionalidade amorosa; a chantagem emocional que tentava consumir de culpas o ser que se distanciou para, em seguida, exonerar de qualquer culpas esse ser a quem ela procura justificar porque não suportaria a ideia de ver arrefecida a chama do amor que, por ela, ele confessara; a profunda saudade; a violência das palavras embebidas de sentimentalidades; o arrebatamento de amor expresso por meio de palavras ardorosas, surgem aos arroubos ainda na primeira carta. 
Na segunda carta, não menos repleta de arroubos sentimentais, encontramos a seguinte lamentação de amor (p. 24): "As minhas dores já não podem ter consolo e a lembrança das alegrias passadas enche-me de desespero."
Chamam atenção, na terceira carta, a que ponto chega a violência com que a religiosa vivencia o amor (p. 35): "Eu não sei nem o que sou, nem o que faço, nem o que desejo: encontro-me dilacerada por mil movimentos contrários. Poder-se-á imaginar estado tão deplorável?" 
Na penúltima carta, a autora inicia sua escrita colocando em destaque a angústia que sente por saber que o amado passou por uma tempestade que o fez aportar em Algarve e aproveita para dizer (p. 43): "Receio que tenhas sofrido muito no mar, e esta apreensão de tal modo ocupou o meu espírito que não pensei mais nos meus próprios males."
Na última carta – certamente a mais pungente, emocionada e desiludida –, a autora, aludindo ao fato de que o destinatário havia lido suas cartas, mas não as correspondia com o mesmo arrebatamento e amor, decide dar fim às correspondências. O trecho mais cruciante da carta parece-nos o seguinte (p. 61): "Sofri os seus desprezos, e teria suportado o seu ódio e todo ciúme que poderia nascer em mim de uma ligação sua com outra mulher qualquer, mas, pelo menos, teria uma paixão para combater. É sua indiferença que não suporto." E, em seguida, reforçando a indignação ante a suposta indiferença do seu amado ela afirma (p. 61): "Os seus impertinentes protestos de amizade e as delicadezas ridículas da sua última carta mostraram-me que recebera todas as que lhe escrevi e que elas não provocavam no seu coração nenhuma emoção, apesar de as ter lido. Ingrato!" Fica claro que, ao sentir-se preterida, ela se transtorna, no entanto ela expressa que preferiria viver enganada se, ao menos, pudesse viver a paixão ardente que a tornava viva (p. 62): "Detesto a sua sinceridade! Acaso lhe tinha pedido que me dissesse sinceramente a verdade? Por que não me deixou a minha paixão? Tudo o que tinha a fazer era não me escrever: eu não procurava ser esclarecida."
Já no final, a religiosa, preenchida de autocomiseração e despeito, decide atirar contra seu interlocutor palavras fortes com a intenção de causar nele alguma sensação de culpa (p. 68): "Amei-o como louca! [...] O seu procedimento não é de um homem honesto. É preciso que experimentasse por mim uma autêntica aversão natural para não me ter amado perdidamente." Logo após, ainda em fúria, ela questiona as qualidades do amado com a intenção de atingi-lo em seu brio e atira sobre ele inúmeras falhas por ele cometidas (p. 68): "Deixei-me seduzir por qualidades bem medíocres! Que fez, afinal, que me pudesse agradar? Que é que me sacrificou? Não procurou antes mil prazeres?" 
Podemos considerar essa obra uma perfeita representação das inquietações típicas do Barroco. Nela percebemos claramente os jogos de oposição que dicotomizavam o ser nesse período: corpo / alma; amor carnal / amor espiritual; mundanismo / espiritualismo; amor erótico / amor divinal. Inseridas no rol das mais belas epístolas realizadas no mundo ocidental, essas cartas exprimem algo mais que moderno se considerarmos a temática que aborda: o amor. Tramas periculosas, desencontros, preterimentos, ilusões e, mais frequentemente, desilusões constroem a ideia do amor conforme a cultura ocidental a concebe. A obra de Mariana Alcoforado exprime essas mesmas condições arquetípicas do amor e figura como uma das mais importantes pela beleza com que expõe as tumultuárias relações humanas.
Mariana Alcoforado nasceu em Beja, Portugal, em 22 de abril de 1640. Entrou para o convento de Nossa Senhora da Conceição, da austera Ordem de Santa Clara, aos 12 anos, por imposição da família – que era uma família de prestígio em Portugal. Permaneceu na clausura até a morte, ocorrida em 28 de julho de 1723, tendo realizado as funções de vigária e escrivã. Conheceu em 1663 o oficial De Chamilly por ocasião da Guerra da Restauração e com ele trocou correspondências amorosas por algum tempo. As Lettres Portugaises (foram publicadas originalmente em francês) foram publicadas em 1669 causando curiosidade entre personalidades literárias que desconfiavam de que essas cartas não tinham sido escritas pela religiosa – o que ficou comprovado pelo escritor francês Boissonade, em 1810.

TEXTO DE: ÉMERSON CARDOSO

Convento onde viveu Mariana Alcoforado - Hoje é um Museu
Réplica da janela através da qual
Mariana falou pela primeira vez com o francês

quarta-feira, 17 de julho de 2013

GÊNEROS DISCURSIVOS MAIS FREQUENTES DO JORNAL


JORNAL 

"Também denominado de periódico ou gazeta, é um meio de comunicação impresso, geralmente um produto derivado do conjunto de atividades denominado jornalismo. As características principais do jornal são: o uso de papel de imprensa, a utilização de uma linguagem própria e a veiculação de notícias, ou seja, se constitui como um meio de comunicação que atende a necessidade da população em grande escala."



Os textos podem ser agrupados em diferentes categorias ou gêneros discursivos, considerados pelo linguista e filósofo russo Mikhail Bakhtin, como "formas relativamente estáveis de enunciados". Os gêneros discursivos mais frequentes em jornais são:

EDITORIAL 

É um texto que expressa a opinião do jornal sobre um assunto atual e/ou polêmico. Em geral, é publicado na segunda página do jornal. 

MANCHETE 

É o título daquilo que o jornal considera a principal notícia do dia. Aparece em letras maiores e em destaque no alto da primeira página. 

ANÚNCIO CLASSIFICADO

É de responsabilidade do leitor ou anunciante, que produz um pequeno texto para anunciar a venda, compra, troca ou contratação dos mais diversos produtos ou serviços. Para dar o máximo de informação em pequenos espaços, os anúncios classificados, em geral, se utilizam de linguagem abreviada. 

CHARGE 

Desenho caricatural em que se satiriza um fato específico, em geral de caráter político e que é do conhecimento público.



CHAMADA 

Texto curto da primeira página que resume as informações publicadas pelo jornal a respeito de um assunto. Remete o leitor para as páginas que trazem a cobertura extensiva. 

LEGENDA 

Acompanha e complementa as informações que a foto, por si só, fornece ao leitor. Os manuais de redação dos jornais costumam orientar seus jornalistas a não se limitarem a descrever a foto, atitude que configuraria uma redundância. 

NOTÍCIA 

Registro dos fatos, sem opinião. Escrito com exatidão, procura responder às perguntas-chave: o que, quem, onde, quando, como, porquê.

ENTREVISTA 

Publicada na forma de perguntas e respostas. O texto introdutório contém breve perfil do entrevistado, resumo do assunto abordado e informações como local, data e duração da entrevista. 

TABELA

Sua função é apresentar informações de maneira clara e de rápida leitura. Deve ser visualmente atraente e conter informações redigidas de forma concisa. 

CRÍTICA 

Gênero jornalístico opinativo que analisa e avalia o trabalho intelectual ou desempenho: artes, espetáculos, livros, cinema, competição esportiva, discurso político... 

RESENHA

Texto, em geral escrito por especialistas, sobre livros, obras artísticas, espetáculos, filmes, etc. Em uma resenha, entrecruzam-se duas finalidades: informação e opinião. Assim, em uma resenha, dá-se ao leitor uma ideia sobre o conteúdo da obra ou espetáculo e emite-se uma opinião sobre a qualidade do que está sendo resenhado. A diferença entre a crítica e resenha parece residir no fato de que esta última contém uma análise mais complexa e mais extensa, além de ter um caráter menos avaliativo. 

CARTA DO LEITOR

Textos em que os leitores expressam seus pontos de vista sobre o jornal ou sobre assuntos abordados. Em geral a seção de cartas de leitores seleciona, para publicação, trechos de cartas com diferentes tendências de opinião. Os jornais podem ou não responder a seus leitores.

GRÁFICO

A função do gráfico é transpor informações numéricas para a linguagem visual, de modo a permitir leitura instantânea por parte do leitor. Os três tipos de gráficos mais usados são as linhas, barras e círculos. 

ANÚNCIO PUBLICITÁRIO

Em geral, os anúncios publicitários combinam a linguagem verbal e a visual. São criados por agências de publicidade, que procuram adequar o anúncio ao público-alvo do jornal e ao espaço reservado para publicidade.


ARTIGO

Gênero jornalístico, assinado, que traz a interpretação, análise ou opinião do articulista sobre um fato, assunto ou tema de relevância.

CRÔNICA

Gênero que fica entre o jornalismo e a literatura. Sempre assinado, é redigido de maneira livre e pessoal. Pode constituir um pequeno conto. 

TIRA

Pequena história em quadrinhos de caráter humorístico, em geral, composta por três ou quatro quadros no sentido horizontal.



REPORTAGEM

É o produto principal da atividade jornalística. Pode ser de dois tipos: 

1 - Relato de acontecimentos feito por jornalista que tenha estado no local em que o fato ocorreu ou que tenha apurado as informações relativas. Contém a descrição fiel dos fatos e as versões das partes envolvidas. 

2 - Abordagem exaustiva de um tema que não tem propriamente ligação com o dia. 

Em ambos, prevalece a função esclarecedora e pode aparecer a opinião de especialistas.

TEXTO RETIRADO DE:

TAKAZAKI, Heloisa Harue. Língua Portuguesa: ensino médio - volume único. São Paulo: IBEP, 2004. (Coleção Vitória Régia).



segunda-feira, 8 de julho de 2013

(RE) ENCONTRANDO FRIDA KAHLO



FRIDA KAHLO 

“Sua obra é ácida e frágil. Dura como aço e fina como a asa de uma borboleta. Cativante como um sorriso e cruel como as agruras da vida. Creio que jamais, até hoje, uma mulher depositou tanta agonia e poesia nas telas.”
             (Diego Rivera)

Passei a buscar, de uma hora para outra, tudo que me desse um pouco mais sobre Frida Kahlo. Não recordo em que lugar, especificamente, a vi pela primeira vez – isso só me dá cada vez mais a sensação de que já a conhecia desde sempre.
Numa noite de domingo, quando a tarde já destruíra minhas expectativas com o seu tédio natural, vi, por acaso, o filme Frida, de Julie Taymor. Esqueci o tédio e mergulhei no enredo: Frida Kahlo vivida por Salma Hayek – e nunca mais consegui me esquecer de que no México existiu uma mulher cuja dor se transformara na mais bela manifestação da arte pictórica.
Fazer considerações sobre a importância artística, política e social dessa mexicana é um lugar-comum, mas como não olhá-la senão por meio de todas essas vertentes em que sua personalidade forte deixou impressões? Mas e se eu decidisse agir pela intuição e apresentasse minhas impressões próprias sobre a obra dessa pintora que, em sendo do México, é do mundo inteiro por ter construído obras de caráter universal?
Num dia de finados, encontrei a obra “O Segredo de Frida Kahlo”, de Francisco Haghenbeck, e a li com voracidade. Cada página me proporcionava uma intensa sensação de bem-estar: era o encontro. Abria-se a porta da Casa Azul, em Coyoacan, e eu sentia o odor de especiarias exóticas. A luz era melancólica, as paredes se erguiam numa singela acolhida. Em poucos passos caminhados, de repente a vi. Deitada, imóvel, com os olhos caídos no mesmo ângulo da mão que repousava sobre as cobertas da cama ela olhava para o nada. Ao erguer seus olhos e fitar meu rosto, senti um frisson perpassar meu corpo inteiro: um encontro de almas se deu.
Quando a encontrei novamente, na obra “Frida: a biografia”, de Hayden Herrera, tomei-a nas mãos e não a deixei mais sozinha – ela me esperava, por entre livros, numa obra cuja espessura me daria dias e dias de sua expressiva presença. Passei dias sem sequer conseguir tocá-la, porque abrir aquela obra seria tatear a alma de Frida e, em algum momento, concluí-la  quando eu a queria sempre e mais. Tirei, mesmo que receoso, seu manto, deitei-a num leito suspenso, passeei meus lábios em seus cômodos e tornei-me um só com ela. Duas almas absortas no desespero de se contemplarem, desnudas, num espelho indiscreto: meu amor por Frida!
Em cada encontro ela me fragmenta por inteiro. Em cada gesto seu, meu ser se acopla ao seu em sussurrante deslizar. Suas tramas de tinta me envolvem, suas cores vibrantes me constrangem – constrangido, me entrego. Deitamos num jardim surrealistaexpressionista   melancolia e dor e estranhamento. O barulho da chuva me entristece e me dá prazer: Frida tateia meu corpo e percorre minha alma. Encontrá-la é um momento de extremo ardor – sinto medo de me perder: seus lábios espargem tequila, seus seios são uma taça convidativa, sua boca tem o perfume de mil mulheres...
Olho para a imagem que numa das paredes de meu exílio coloquei: “A Coluna Partida”. Quem poderia me dar o olhar doloroso que encontrei nesta imagem? Sou eu ou ela, preso pelas amarras de um colete? Seu corpo perfurado, sua pele morena, suas lágrimas, a cratera que a traduzia e o deserto em que pisava: quem diria tanto numa pintura? Quem?
Sei sobre ela que seu nome era Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón. E ela era uma mexicana nascida na cidade de Coyoacan – hoje distrito da Cidade do México – em 06 de julho de 1907.  Sobre sua morte, dizem que se foi em 13 de julho de 1954. Sua existência lhe outorgou inúmeros acontecimentos trágicos: na infância, enfrentou a poliomielite que a deixou com sequelas durante a vida inteira; na adolescência, aos 18 anos, sofreu um acidente em que teve seu corpo perfurado por uma barra de ferro e que lhe forçou a fazer várias cirurgias; durante muito tempo precisou usar coletes de gesso que dessem sustentação à sua coluna; casou-se com Diego Rivera – um homem de ideias libertárias e incapaz de manter-se fiel a uma mulher.
Sei, também, que além de ter casado por duas vezes com o famoso pintor e ativista político Diego Rivera, sofreu abortos involuntários. Manteve uma vida descomprometida com as regras sociais, tendo mantido relações com homens e mulheres, como se isso, talvez, compensasse as constantes traições do marido. Sofreu as dores de perder a mãe; viu seu marido se relacionar com sua própria irmã – fato que a fez separar-se dele pela primeira vez –; manteve caso amoroso com Leon Trotsky, o que lhe causou problemas quando este foi assassinado; foi presa; perdeu uma perna em decorrência de uma gangrena; sentia muitas dores por causa da coluna e morreu, de modo controverso – suicídio, assassinato, problemas pulmonares? –, aos 47 anos. Mas, talvez para amenizar as agruras a que fora submetida, ainda em vida teve reconhecimento pela obra que produziu: os triunfos do talento!
Todas essas experiências traumáticas teriam sido responsáveis pelos temas de suas pinturas. Frida transformou sua obra num meio através do qual sublimava suas feridas existenciais. E seu tema principal era a dor experimentada por si mesma, o que torna inevitável o estabelecimento de uma ligação direta entre sua vida e obra. Digo, comovido e curioso, que suas telas eram diários imagéticos por meio das quais a pintora sublimava, artisticamente, os acontecimentos dramáticos da vida.
      Alguns estudiosos consideram-na uma representante grandiosa do Surrealismo, também do Expressionismo. Essas duas correntes artísticas, proeminentes no início do século XX, com suas respectivas características, parecem ter sido internalizadas por Frida – consciente ou inconscientemente – e servido de base para que ela produzisse muitas de suas obras, porém ela não aceitava rótulos.
Frida atira em suas telas um sonho ou, em verdade, um pesadelo. Suas pinturas abrem-se, amiúde, à renovação estética, captam materiais oníricos e traduzem um pertinente encontro com a realidade, por vezes cruel, da vida. Para isso, Frida aproveita-se da sua própria imagem, num perceptível tom confessional, para mostrar a que patamares de dor a alma humana pode ser submetida.
Olho para Frida Kahlo agora: ela chora pesadas lágrimas na pintura que, do meu ponto de vista mais que apaixonado, é o mais belo trabalho em Artes Plásticas que a humanidade já conheceu: salve a “A Coluna Partida!” Trata-se da obra a que dedico minha mais fiel contemplação. Olhamo-nos em silêncio. Todos os dias nos encontramos e, por meio de uma identificação completa, toleramos essa dor inevitável que nos motiva a sublimar, artisticamente, nossas desilusões e desesperos. Quero aprender a viver como Frida que, sem qualquer preocupação com as coerções sociais de sua época, se entregou, de corpo e alma, ao insondável grito que a Arte possibilita.
Como não amar Frida!

TEXTO: ÉMERSON CARDOSO


RETRATOS E AUTORRETRATOS DE FRIDA KAHLO















A MINHA PINTURA PREFERIDA ENTRE AS PREFERIDAS



PARA QUEM SE INTERESSAR POR FRIDA KAHLO, OU POR ESTA OBRA ESPECIFICAMENTE, RECOMENDO O MEU ARTIGO "AUTORRETRATOS DA DOR EM PROFUSÃO: DIÁLOGO ENTRE O SONETO EU..., DE FLORBELA ESPANCA, E A PINTURA A COLUNA PARTIDA, DE FRIDA KAHLO", PUBLICADO NA "MIGUILIM - REVISTA ELETRÔNICA DO NETLLI: 












quarta-feira, 3 de julho de 2013

BARROCO - UM RESUMO (PARTE I)

ÊXTASE DE SANTA TERESA, DE GIAN LORENZO BERNINI

MOMENTO SOCIOCULTURAL:

  • CONTRARREFORMA: REAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA.
  • OS NOVOS VALORES HUMANISTAS, DEFENDIDOS PELA BURGUESIA, CHOCAM-SE COM OS VALORES TEOCÊNTRICOS, REPRESENTADOS PELO CLERO. 
  • COMEÇA EM PORTUGAL O DOMÍNIO ESPANHOL, QUE DURA DE 1580 A 1640. 

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS:

  • ANTÍTESE, DUALIDADE, CONTRADIÇÃO, DICOTOMIA: O SAGRADO E O PROFANO, A RAZÃO E A EMOÇÃO, O ESPIRITUAL E O CARNAL, VIDA E MORTE, MEDIEVALISMO E RENASCENTISMO.
  • LITERATURA BASEADA EM ANTÍTESES, PARADOXOS, INVERSÕES SINTÁTICAS (HIPÉRBATOS) E EXAGEROS (HIPÉRBOLES) QUE EXPRESSAM A ANGÚSTIA EXISTENCIAL BARROCA.
  • PREDOMINÂNCIA DE DUAS TENDÊNCIAS, QUE SE INTERPENETRAM: CULTISMO (REBUSCAMENTO FORMAL, JOGO SENSORIAL DE PALAVRAS) E CONCEPTISMO (SOFISTICAÇÃO NO PLANO DAS IDEIAS E ARGUMENTAÇÕES PARADOXAIS).

A INCREDULIDADE DE SÃO TOMÉ, CARAVAGGIO

AUTORES E OBRAS:

  • PADRE ANTÔNIO VIEIRA: MAIOR ORADOR SACRO DA LÍNGUA PORTUGUESA, ESCREVEU, DENTRE OUTRAS OBRAS, "SERMÕES" (15 VOLUMES, ENTRE 1679 - 1718) E "HISTÓRIA DO FUTURO" (1718).
  • FRANCISCO MANUEL DE MELO: ERA VOLTADO PARA A POESIA LÍRICA, A HISTORIOGRAFIA, O TEATRO E A PROSA FILOSÓFICA E MORALIZANTE. ESCREVEU "CARTA DE GUIA AOS CASADOS" (1651), CARTAS FAMILIARES (1664), "OBRAS MÉTRICAS" (1665).
  • PADRE MANUEL BERNARDES: PRODUZIU OBRAS DE CUNHO MÍSTICO E MORALISTA (DIDÁTICO) COM UMA LINGUAGEM SIMPLES E ESPONTÂNEA. ESCREVEU "NOVA FLORESTA" (5 VOLUMES, 1706 - 1728) E "LUZ E CALOR" (1696).
  • SÓROR MARIANA ALCOFORADO: ESCREVEU "CARTAS PORTUGUESAS" (1669) ATRIBUÍDAS A UM AMOR PROIBIDO, UMA PAIXÃO VIOLENTA, INCONTROLADA E NÃO CORRESPONDIDA POR UM MILITAR, O CAPITÃO CHAMILLY. NESSAS CINCO CARTAS, A CONSCIÊNCIA MORAL É SUPLANTADA PELO SENTIMENTO AMOROSO E PELA ÂNSIA DE ESQUECER UMA RELAÇÃO PECAMINOSA, MAS AINDA ASSIM ARDENTEMENTE DESEJADA. 
  • SÓROR VIOLANTE DO CÉU: PRODUZIU POEMAS MARCADOS PELO SENTIDO PASSIONAL, PELAS IMAGENS SUTIS E PELA VEEMÊNCIA. DEPOIS DE ENTRAR PARA O CONVENTO, IMPREGNOU SUAS POESIAS DE RELIGIOSIDADE. ESCREVEU, DENTRE OUTRAS OBRAS, "RIMAS VÁRIAS" (1646) E "ROMANCE A CHRISTO CRUCIFICADO" (1659).
  • FRANCISCO RODRIGUES LOBO: POETA BUCÓLICO E DE INFLUÊNCIA CAMONIANA, ESCREVEU, DENTRE OUTRAS OBRAS, "O PASTOR PEREGRINO" (1608). 

UM POUCO MAIS SOBRE O ASSUNTO:

A estética barroca opõe-se à estética clássica: superfície versus profundidade, forma fechada versus forma aberta, multiplicidade versus unidade. O homem barroco foge das coisas e sentimentos contraditórios que envolvem a natureza humana, exaltando os valores cristãos - o homem volta-se para Deus. Podemos encontrar dois tipos de estética barroca: 

1 - Estética Gongórica: O termo faz alusão ao poeta espanhol Luis de Gôngora y Archote. Essa estética utiliza-se de forte descritivismo. É frequente o uso de Figuras de Linguagem, como a antítese, a metonímia, o paradoxo, o assíndeto, a metáfora, a sinestesia, a hipérbole e a catacrese, além do uso de neologismos. Utiliza-se, também, de uma linguagem trabalhada. 

2 - Estética Conceptista: Também conhecido como Quevedismo, termo que faz alusão ao escritor espanhol Francisco Quevedo y Villegas. Preocupa-se em conhecer a essência das coisas, em vez de descrevê-las (teocentrismo). Utiliza-se mais da razão do que da emoção. Há o uso de antíteses e paradoxos, tornando o raciocínio mais ambíguo em busca da satisfação da inteligência.


CONTEXTUALIZANDO: 

IRMÃ KELLY PATRÍCIA

A Irmã Kelly Patrícia, que fora vinculada à Ordem Carmelita de 1990 até 1992, resolveu realizar trabalhos de evangelização por meio da música cristã e, ao lado da Irmã Jane Madelaine, fundou o Instituto Hesed. Essa religiosa é cantora e compositora e produz o que podemos considerar música erudita cristã, uma vez que transforma poemas de santos carmelitas doutores da igreja, como Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz e Santa Teresinha, em música de alta qualidade. Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz, considerados representantes grandiosos da poesia barroca espanhola, produziram poemas de forte misticismo e de uma beleza poética indescritível. Para ilustrar, apresentarei algumas das obras desses santos que a Irmã Kelly Patrícia, com poucas adaptações,  musicou.



SANTA TERESA D'ÁVILA 

DOCE CAÇADOR
Entreguei-me toda e assim
Os corações se hão trocado,
Meu Amado é para mim
E eu sou para o meu Amado
Quando o doce caçador
Me atingiu com sua seta,
Nos meigos braços do amor
Minh'alma aninhou-se,
Aninhou-se quieta.
E a vida em outra, seleta
Totalmente se há trocado.
Meu amado é para mim
E eu sou para o meu Amado.
Era aquela seta eleita
Ervada em sulcos de amor.
E minh'alma ficou feita
Uma com seu Criador,
Com seu Criador.
Já não quero eu outro amor,
Que a Deus me tenho entregado,
Meu Amado é para mim
E eu sou para o meu Amado.

BUSCA-TE  EM MIM

Alma, buscar-te-ás em mim
E a mim, buscar-me-ás em ti. 
De tal sorte pôde o amor, alma, em mim te retratar 
Que nenhum sábio pintor soubera, 
Com tal primor, tua imagem estampar.

Foste por amor criada, bonita, formosa e, assim, 
em meu coração pintada, se te perderes, amada alma, 
Buscar-te-ás em mim, buscar-me-ás em ti. 
Porque sei que te acharás em meu peito retratada, 
Tão ao vivo desenhada, que, em te olhando, folgarás 
Vendo-te tão bem pintada.

E se acaso não souberes em que lugar me escondi 
Não busques aqui e ali, mas se me encontrar quiseres 
A mim, buscar-me-ás em ti, buscar-te-ás em mim. 
Sim, porque és meu aposento, és minha casa e morada

E assim chamo no momento em que de teu pensamento 
Encontro a porta cerrada 
Busca-me em ti, não por fora para me achares ali 
Chama-me, que a qualquer hora a ti virei sem demora 
E a mim, buscar-me-ás em ti, buscar-te-ás em mim.


SÃO JOÃO DA CRUZ


NOITE ESCURA I 

Em um noite escura,
De amor em vivas
Ânsias inflamada,
Oh! Ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já estando minha casa sossegada.
Em uma noite escura,
De amor em vivas
Ânsias inflamada,
Oh! Ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já estando minha casa sossegada.


Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh! Ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já estando minha casa sossegada.


Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa,
Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.


Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio dia
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia
Em sítio onde ninguém aparecia.

NOITE ESCURA II

Oh! Noite que me guiaste,
Oh! Noite mais amável
Que a alvorada:
Oh! Noite que juntaste;
Oh! Noite que juntaste:
Amado com amada. 


Amada já no Amado transformada!
Em meu peito florido
Que, inteiro,
Para ele só guardava.


Quedou-se adormecido,
E eu, terna, o regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.


Da meia a brisa amena.
Quando eu os seus cabelos afagava,
Com sua mão serena,
Com sua mão serena,
Em meu colo soprava.


E meus sentidos todos transportava. 
Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado; 
Tudo cessou. Deixei-me.


Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.