quinta-feira, 26 de setembro de 2013

ENTREVISTANDO ÉMERSON CARDOSO (PARTE III):

  

1 – Perceber que o tempo passa, e que você envelhecerá, o incomoda?

Profundamente. Se morrer não fosse tão amedrontador, preferiria sair do mundo antes que isto acontecesse. E digo isto não porque lamento a velhice, pois se há seres humanos que merecem respeito, admiração, afeto e proteção, sem dúvidas, são os que conseguiram sobreviver ao caos que é a vida e podem dizer, finalmente, que são idosos. Digo isso porque viver, em si, é um tormento - eu vivo porque é o jeito e porque, quando penso em morrer, lembro-me também de que tenho obras literárias que ainda preciso publicar e muitos livros que ainda preciso ler...

2 – Como você acha que vai morrer?

Não sei, mas se fosse possível optar: queria morrer de modo que fosse possível driblar a dor, a solidão e o medo que, com certeza, são comuns no momento da passagem.

3 – O que você acha que vai encontrar quando você morrer?  Com quem você, se pudesse, desejaria se encontrar?

Entre dúvidas e certezas, creio que pode haver uma vida espiritual – eu me apoio nisto para não morrer! Se eu não acreditasse num possível mundo espiritual eu já teria tentado fugir deste mundo, certamente. Se fosse viável encontrar-me com alguém no mundo espiritual, creio que desejaria encontrar as pessoas com as quais, aqui na terra, tivesse mantido amizades reais e duradouras. Também alguns familiares...

4 – Você considera importante que as pessoas professem uma crença religiosa?

Fui muito católico e depois evangélico. Creio, portanto, que professar uma crença foi importante para meu crescimento em certo momento. Se hoje não tenho vínculo direto com religião alguma é porque não consigo mais, no entanto considero valiosa a relação das pessoas com a religião independente da religião que se professa, desde que a pessoa se torne um ser humano melhor para si e para o outro.

5 – Você prefere a certeza ou o risco?

A certeza, em alguns casos. Tenho medo imenso de coisas incertas e que despertam minha insegurança natural. Tenho medo do que não está bem delineado e sob meu controle, mas não gostaria de ter certeza sobre a morte, por exemplo. Detesto a palavra risco! 

6 – Você teria como responder a pergunta feita por Neruda: “Será a vida um túnel entre duas vagas claridades, ou uma claridade entre dois triângulos escuros?”

Não me atrevo a responder algo tão profundo. Sequer me aproximaria, mesmo que eu tentasse, de uma possível solução para o problema que Neruda loucamente apresenta.

7 – O que é a vida?

Insuportável! Vivo como se não tivesse outra opção senão viver. Tentarei explicar melhor: eu estou no mundo sem querer e não me sinto parte do mundo em que estou inserido. Por ser capaz de ter alguma crença, não tenho coragem de cometer suicídio, mas aguardo com ansiedade o dia em que poderei retomar – embora tenha medo da morte – o “suposto” mundo espiritual em que deposito meus resquícios de esperança. Metaforizo a vida da seguinte forma: tenho que subir uma montanha inóspita com um fardo nas costas sem que eu possa, ante o desejo de desistir, pular abismo abaixo. Tenho que ir até onde me foi dado andar, mas subir a tal montanha não me parece ter sentido.

8 – A vida é uma causa perdida?

Sem dúvidas, mas tento me apoiar em alguns objetivos a serem alcançados para que eu não enlouqueça... E como existe a arte, ainda é possível vislumbrar um subterfúgio!

9 – A felicidade é uma causa velha?

Para mim, felicidade não existe. Como as pessoas precisam de algo em que se apoiar para subir a montanha que citei anteriormente, utilizam a abstrata felicidade como um fim a ser alcançado. Imagino que a frustração será grande quando chegarem ao topo!

10 – Qual foi sua grande frustração nesta vida?

Não ter nascido numa família funcional capaz de me dar o amparo e a segurança que tanto precisei durante toda a vida. 

11 – O que mais pesa em sua cabeça: as dores ou as recordações?

Ambas. Minha mente reproduz com facilidade cenas vividas na infância e na adolescência: elas vêm sempre repletas de vazios, dores e sofrimentos que ainda não foram superados.

12 – Em que época você queria ter vivido?

Eu, sinceramente, não queria ter vivido em tempo algum, mas creio que teria sido interessante conviver com alguns artistas do final do século XIX e início do século XX.  

13 – Você se considera politizado?

Ser politizado, para mim, é ser capaz de pensar no que a coletividade precisaria para ter dignidade. Ter dignidade é dispor de educação, saúde, segurança, moradia, justiça, participação nas decisões do estado, dentre outros valores. Como nada disso existe de fato neste país ridículo em que vivo, não posso dizer que o povo tem dignidade. Se sou capaz de pensar sobre estas questões, se sou capaz de não me conformar diante de tanto absurdo, se me sinto no dever de denunciar os abusos a que somos submetidos, me sinto politizado sim. Não sou, nem quero, filiação com partido político algum, mas tenho me preocupado com as problemáticas do meu tempo, obviamente.  

14 - Há esperança para o mundo?

Não. O mundo está falido e nós somos herdeiros desta falência. Existe, no entanto, a arte... E isto ameniza o calvário!

15 – E para o Brasil?

Muito menos. Um país que não dá o devido valor à educação, e que é governado por seres zoomorfizantes, não pode ser detentor de qualquer possibilidade de esperança.

16 – Você tem humor?

Quem pode viver sem humor num mundo como este? Já fui mais bem humorado, mas ainda conservo a capacidade de rir de mim mesmo, sobretudo. Antes eu não conseguia diferenciar o que era engraçado do que era patético, hoje consigo rigorosamente. 

17 – Você já deu vexame?

Tantas vezes. Acusaram-me diversas vezes de ser inconveniente e inconsequente. Além disso, fui por tanto tempo inconsciente de mim mesmo. Acho que minha insegurança, medo do mundo e ansiedade deram o tom perfeito para que eu fosse capaz de fazer coisas absurdas... Mas eu sobrevivi.

18 – Qual foi a maior imprudência da sua vida?

Tantas vezes fui imprudente: sou adepto da segurança e certeza, mas também tenho uns rompantes que me tornam capaz de realizar as mais inimagináveis ações. Não dá para enumerar o rol de minhas imprudências...

19 – Você diz que a frase de sua predileção é de Marguerite Yourcenar: “O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar inteligente sobre nós mesmos.” Comente:

Ser capaz de, nem que seja tardiamente, parar, olhar para si mesmo e começar a repensar a vida em todos os sentidos é algo que deve ser visto com bons olhos, porque mudar, sobretudo para o bem, é uma dádiva.

20 – Em que você se considera melhor que os outros?

Sou capaz de me sensibilizar com facilidade e sou criativo. Isto me torna, em alguns aspectos, mais compreensivo e, consequentemente, um ser humano melhor. Também tenho, em doses certas, uma ampla astúcia e uma benévola perspicácia que me torna capaz de perceber coisas que outras pessoas jamais conseguiriam perceber...

21 – Em que você se considera pior que os outros?

Em tantos pontos... Desde o aspecto físico até o aspecto intelectual, sinto que eu poderia ser sempre melhor. Em verdade, sinto-me sempre o pior de todos porque, em verdade, queria mesmo era ser melhor do que eu sou.

22 – Qual a manifestação de Arte que você prefere?

Todas as manifestações artísticas amenizam o fardo da vida, no entanto a Literatura, o Cinema e a Música, na ordem em que as apresentei, são as minhas preferidas.

23 – Por qual personagem da Literatura você sente maior admiração?

Na Literatura Brasileira: Maria Moura, da obra Memorial de Maria Moura, de Rachel de Queiroz; na Literatura de Língua Francesa: Fantine, da obra Os Miseráveis, de Victor Hugo, e Emma Bovary, da obra Madame Bovary, de Flaubert; na Literatura de Língua Espanhola: Úrsula, da obra Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.

24 – E da História?

Francisco de Assis, o santo; Gandhi, o pacificador insubmisso; Lampião, o rebelado... 

25 – O que você lê atualmente?

Memórias do subsolo, de Dostoiévski, e Clarice Lispector: uma literatura pensante, de Evando Nascimento.

26 – Cite um autor de que você gosta muito:

Não posso citar apenas um, então o melhor é dizer que gosto principalmente de autoras da Literatura Brasileira e Portuguesa.

27 – Qual o grande autor que você ainda não descobriu?

Como eu me detive a ler mais autores brasileiros, não tive contato com muitos autores estrangeiros, embora tenha lido um ou outro. Mas falam tanto de Jorge Luís Borges, Albert Camus e James Joyce. Não posso morrer sem ler tudo o que for viável destes três autores.

28 – Que obra literária vem à sua mente sempre que alguém pergunta sobre qual é sua obra preferida? 

Não posso delimitar, é impossível. No entanto, se eu fosse dizer sem muita reflexão pela ordem das obras que aparecem em minha mente caótica, eu diria: O Quinze, A Beata Maria do Egito e Memorial de Maria Moura, de Rachel de Queiroz; Grande Sertão: veredas, Miguilim e Dão La-la-lão, de Guimarães Rosa; A hora da estrela, Laços de Família e A Paixão Segundo G. H., de Clarice Lispector; Vidas Secas, de Graciliano Ramos; Nove, Novena, de Osman Lins;  Verão no Aquário, Venha ver o pôr do sol, A confissão de Leontina e outros fragmentos, de Lygia Fagundes Telles; Antígona, de Sófocles; Navalha na carne, de Plínio Marcos; Morangos Mofados, de Caio Fernando Abreu; Romanceiro da Inconfidência, Viagem, Oratório de Santa Maria Egipcíaca, de Cecília Meireles; Livro de Mágoas e Livro de Sóror Saudade, de Florbela Espanca... Dentre as obras estrangeiras: Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez; Romanceiro Cigano, de Federico García Lorca; Madame Bovary, de Flaubert; A Náusea, Entre quatro paredes e O Muro, de Sartre; A cor púrpura, de Alice Walker; Os Miseráveis, de Victor Hugo; Crime e Castigo e Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski; Hamlet, de Shakespeare; Alexis ou o tratado do vão combate, de Marguerite Yourcenar... Paro por aqui, não é possível dizer tudo... 

29 – Que obra você leu – se é que conseguiu finalizar a leitura – e que você não suporta e não recomenda ao pior inimigo?

Farda, fardão, camisola de dormir, de Jorge Amado.

30 – Qual é o maior equívoco que as pessoas poderiam cometer ao falar sobre você?

Estaria equivocada a pessoa que me considerasse um ser dotado de excessiva inteligência - minha inteligência é pseudagem! Dizem, algumas pessoas, que sou previsível, harmonioso e calmo. Embora eu preze a racionalidade, a segurança e o controle de tudo ao meu redor, sou sempre instável demais. Como eu posso ser previsível se sou capaz de atos os mais absurdos para o bem ou para o mal? Como posso ser harmonioso e calmo se minha mente processa mil pensamentos por segundo?

31 – Você chora? Por quê?

Não suporto chorar na frente dos outros. Quando estou sozinho, choro sem muitos problemas. Confesso que choro por tudo: quando estou preocupado, quando estou desanimado... Creio que no dia em que eu conseguir chorar na frente do analista - faço análise desde outubro de 2012 - creio que não precisarei mais ir, pois estarei curado. Choro, no entanto, de fato, quando alguma coisa me comove: seja uma obra literária, cinematográfica ou musical, ou mesmo quando presencio uma cena, quando a injustiça atinge pessoas que não sabem se defender... Pessoas idosas me causam uma imensa comoção, nem sei bem o motivo. Minha capacidade de comoção é incrível!

32 – Diga algo que, se você tivesse tido oportunidade, você teria dito, mas que até então você, por vários motivos, não pôde dizer:

Eu detesto a falta de respeito com que a educação é tratada neste país, mas eu já disse isto várias vezes. Não suporto mais conviver com a mediocridade com que a educação é vista e estou cansado de ver o quanto os governantes são acusados, mas não são punidos pelas baixezas a que submetem o povo brasileiro. Eu fui obrigado a ter título de eleitor - democracia barata! -, no entanto não voto mais em político nenhum!

OBS.: Perguntas elaboradas pelo autor do Blog a partir das entrevistas realizadas por Antônio Abujamra,  do programa de entrevistas "Provocações", da TV Cultura, em 26/09/13. 

BrInCaNdO de FoToGrAfaR: COMPARTILHAMENTOS (des) NECESSÁRIOS

A fotografia é uma imagem obtida por instrumentos óticos. Isso lhe garante um valor convencionado de verossimilhança porque a imagem é obtida e registrada sem a interferência direta da mão do fotógrafo. A fotografia é uma linguagem artística completamente industrial, dependendo de serviços e equipamentos que só são possíveis pelo avanço tecnológico. Conforme a tecnologia avança, surgem novas categorias e técnicas fotográficas: o daguerreótipo, a cianotipia, a goma bicromatada, a fotografia de chapa metal, a fotografia de chapa de vidro, a fotografia de filme, a fotografia digital... Embora ainda se caracterize como uma invenção recente, a câmera fotográfica muito contribuiu para as artes e para as ciências. Por meio dela, tornam-se perceptíveis coisas que o olho humano aparentemente não poderia ver. Do7s instantes efêmeros aos detalhes mais líricos, a fotografia capta o mundo em ângulos diversos e torna o ser humano capaz de, por meio de imagens múltiplas, refletir sobre si mesmo e sobre o mundo.

Nessa perspectiva, realizei algumas fotografias - amadoras, obviamente - e queria compartilhá-las. Fotografar, do meu ponto de vista, é algo que me causa bem-estar, me dá a sensação, talvez ilusória, de que eu vejo por ângulos diferentes aquilo que parece visto tantas vezes - também é uma brincadeira sem qualquer pretensão de ser perfeita, séria ou comprometida com a técnica! Apenas gosto de tentar fotografar e, como resultado, atiro sobre quem lê este Blog umas minhas imagens bem simplórias... Pois é...


Sombras Litorâneas











A resistência do verde























GÊNERO ENTREVISTA (PARTE II)



ENTREVISTA
Eu decidi realizar uma entrevista com uma pessoa específica para postar aqui no Blog, mas, depois de muitas reflexões, decidi que faria algo diferente: escolhi duas perguntas e pedi que alguns AMIGOS as respondessem. As duas perguntas consistem no seguinte:

1 – O SÉCULO XXI É CONSIDERADO O SÉCULO DAS FRAGMENTAÇÕES. DO SEU PONTO DE VISTA, O QUE É A VIDA ANTE AS FRAGMENTAÇÕES DESSE SÉCULO?

2 – A HUMANIDADE, DIANTE DA RÁPIDA VEICULAÇÃO DE INFORMAÇÕES QUE O MUNDO INFORMATIZADO DISPONIBILIZA, PARECE BUSCAR NOVOS HORIZONTES QUE DEEM BASE PARA A CONSTRUÇÃO DE UM SENTIDO (OU SENTIDOS?) PARA ALCANÇAR O DOMÍNIO DO SABER EM SUAS MAIS AMPLAS ACEPÇÕES. DO SEU PONTO DE VISTA, COMO A LITERATURA PODE SER PENSADA NESTA PERSPECTIVA? QUAL A SUA OBRA LITERÁRIA PREFERIDA?


JARDS NOBRE
1 - É bastante antiga a consciência de que a vida é breve. Monges medievais tinham o hábito de, ao passarem uns pelos outros, dizer CARPE DIEM! MEMENTO MORI!, "Aproveita o dia! Lembra-te de (que vais) morrer!" e talvez essa ideia da efemeridade da vida nunca esteve tão forte quanto hoje, em que tudo tomou um ritmo acelerado, devido ao desenvolvimento tecnológico. Para as gerações atuais, tudo é efêmero e banal: a fotografia, a música, a fama, a possibilidade de percorrer o mundo... Do meu ponto de vista, as pessoas têm procurado aproveitar mais a vida ante essa consciência de que tudo se vai. Entretanto, na ânsia de fazer tudo de uma vez, tudo é vivido de forma fragmentada, por vezes incompleta, o que traz um grande vazio e a sensação de que nada vale a pena.
2 - A literatura, por exigir que se dê um tempo no ritmo acelerado em que a vida flui para se mergulhar na leitura, em geral, solitária, é, de todas as artes, a que vai contra a fugacidade das coisas. A apreciação de uma exposição de telas ou esculturas, de um espetáculo musical, de uma peça de teatro ou de um filme ou a audição de uma música se dá em intervalos de tempo muito breves se compararmos com a leitura de um livro como os romances russos ou as grandes sagas que viraram febre entre os leitores jovens de hoje. Assim, vejo a literatura como uma forma fundamental de fazer o homem parar refletir sobre a vida e apreciar a beleza das coisas. Minhas obras literárias preferidas me mostram que não se deve adiar a concretização de sonhos ou expressão de sentimentos sob o risco de, no futuro, não termos mais a oportunidade de fazê-lo.
ANA LUIZA CRISPIM
1 - A vida, acredito, ao passo que se enriqueça, a cada dia, de possibilidades de interação com o outro, com modos diversificados de ser encarada, também pode se mostrar de difícil interpretação, de controle e ordem, o que gera insegurança e incertezas quanto ao que espera que façamos dela.
2 - A literatura, como qualquer forma de expressão artística, inevitavelmente, não pode ser dissociada da existência humana, de discursar sobre ela. A partir do momento que se trata de algo produzido por alguém (que reflete sobre a vida) para outro alguém (que também reflete sobre tal),ainda que não da mesma maneira, é justamente o meio pelo qual as pessoas dialogam acerca do que sentem ou veem e, muitas vezes, se encontram. A arte, de fato, é este meio de interação com o outro no que se refere a questões subjetivas, pois só ela detém a linguagem própria para fazê-lo. Diante disso, ao me ocupar da leitura de determinada obra, o guardador de rebanhos de Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa), por exemplo, vou construindo significações em conjunto com as que me são apresentadas pelo autor, mediante a nossa interação. Do ponto de vista que a atualidade por ser flexível quanto às múltiplas informações, provenientes de inúmeros lugares, e o possível desnorteamento que possa surgir mediante a isto, não é prejudicial, uma vez que, em meio à diversidade, as pessoas findam se achando, interagindo com quem lhes toca na alma.
JONAS JANDSON
1 e 2 - A arte de classificar tudo é uma característica inerente ao ser humano, vejamos: aquele que não crê, descrê; O oposto de branco é preto (e as outras cores também não são diferentes?); Tal classificação não se faz ausente quando diante de datas, sejam elas décadas, milênios ou, neste caso, o século contemporâneo. E, curiosamente, a primeira recordação que tive ao ler a assertiva que precede a primeira pergunta foi justamente do período ultrarromântico, quando a depressão fora considerada o mal a ser combatido e, inclusive, ganhar a alcunha de "mal do século".
Talvez quem me leia agora não tenha conseguido ainda compreender aonde quero chegar, mas o que tento ressaltar é que os jovens que começaram, naquela época, a ler romances como "o sofrimento do jovem Werther", de Goethe, por exemplo, aderiram a uma onda de suicídio por conta, talvez, de uma interpretação errônea daquilo que o autor quis realmente transmitir. O fato é que a sucessão de mortes pós-leitura Goethiana realçou o poder que a literatura exerce na sociedade, atuando, muitas vezes, como o leme que guia os hábitos, costumes e formas de pensar de alguns indivíduos nela inseridos.
Retomando, portanto, a ideia do "século da fragmentação" e pegando como base meu argumento anterior de que o mundo das letras pode sim direcionar o rumo de uma sociedade, acrescento uma nova ideia baseado no pressuposto de que não existem sinônimos perfeitos. Sendo assim, permito-me trocar o termo "fragmento" pelo sinônimo imperfeito: romper.
Logo, a literatura moderna deve romper os padrões aceitáveis, sejam eles formais ou éticos, e seguir um rumo contrário ao politicamente correto, configurando-se como uma alternativa para o estabelecimento da diferença como direito subjetivo e uma característica da própria natureza humana, não uma anomalia. E, corroborando com as linhas anteriores, meu livro preferido é 1984, de George Orwell, o qual traz como protagonista Winston Smith, uma mente singular em meio a um sistema de governo totalitário que oprime e força sua população a pensar como o seu líder de estado bem entender, ao ponto de afirmar que 2+2=5 e, ainda assim, nem sequer ser contestado (qualquer semelhança com a realidade NÃO é mera coincidência).
Por fim, concluo minhas respostas (creio que contemplei ambas as perguntas em um texto só) explicitando meu parecer sobre a existência "Sapien" em meio ao século atual, bem como sua supracitada classificação, através de pequenas reflexões: as rochas se fragmentam diante da erosão e, ao completar seu ciclo natural, mostram suas imperfeições; imperfeitos são também os sinônimos, veja só os verbos fragmentar e romper que ora cabem no mesmo contexto, em outros já não mais; um dia alguém teve sua bolsa amniótica rompida. O resultado foi a vida! Algumas pessoas tentarão, ao finalizar a leitura deste texto, entender qual foi minha meta. Outros, simplesmente, entenderão minha meta-fora.
EDIVANIA F. DA SILVA
1 – A vida é um mosaico cujo nosso objetivo é juntar as peças para formar o desenho completo. Isso representa a nossa busca pela felicidade, juntar as peças. Cada vez que uma peça fica mal colocada, fora do lugar prejudicando a formação perfeita do desenho nos sentimos infelizes. Então vivemos nessa eterna busca pra fazer da nossa vida o desenho perfeito.
2 – Com a rápida veiculação das informações e com tudo se tornando, cada vez mais descartável, tendemos a criar relações fugazes, sem alicerces, isso vai nos tornando frágeis diante da vida, diante dos outros e, principalmente, diante de nós mesmos. A literatura pode ser um excelente meio de produção de sentido para uma vida pautada em relações fugazes, pois ela nos ajuda a refletir, a sentir e a transformar a nós mesmos e ao outro. A prova disso é que nunca mais fui a mesma depois dos livros que li. Citar aqui a minha obra preferida é difícil porque são muitas, mas cada uma delas trouxe a minha vida mais um pouco de sentido. Posso citar “A hora da estrela”, “O guardador de rebanhos”, e até “O pequeno príncipe”. A literatura foi o cimento da construção do que sou hoje...

RENAN SANTOS
1 – A vida para mim é a maior de todas as esfinges e a mais sedutora das interrogações. Que cisma horripilante, audacioso e fascinante esse de vir à tona depois de poucos meses como um feto disforme numa realidade marcada por complexidades gigantescas. Nascemos sem pedir, sem saber, sem nos dar conta conscientemente de que fomos lançados ao universo. Não escolhemos a família que nos trouxe à baila, nem sequer nosso nome elegemos. Somos raça e personalidade, pensamento e emoção, palavra e atitude, afeto e fúria, certeza e instabilidade, sentido e nada, criatura e criador, vitória e fracasso. A vida é uma não-escolha tatuada por escolhas absurdamente viáveis de um lado e dificílimas de outro. Não escolhemos nascer, embora a decisão se continuaremos a viver ou não caiba a nós, por vezes exclusivamente. Porém escolheríamos conquistar o coração do ser amado e tão distante; acertar a meia dúzia lotérica do milionário prêmio; encontrar a fórmula mágica para a juventude e a saúde infindas, ah sim! mas quantas impossibilidades... Por essas e infinitas outras razões, que fizeram tantos filósofos-escritores-pensadores-sonhadores perderem a cabeça para sustentarmos um pouco a nossa, é que direi até meu último dia que a vida é uma esfinge, porque mistério. Sim, para mim é isto: não tenho crenças sólidas, não acredito inteiramente em outras dimensões, então eu penso que viemos do mistério, do insondável, do arrebatador – e, com alguma sorte, para ele voltaremos: com nossas interrogações ampliadas ou amparadas em respostas-fé que talvez criamos para nos enganar a nós ou tomamos emprestado para não morrermos sufocados em nosso próprio destino do não saber. No entanto, como não sou pessimista demais, também concordo com Machado de Assis e sua frase final no leito de morte, de uma simplicidade estupendamente bela e reticente: “A VIDA É BOA!”, teria dito, antes do suspiro fatal, o “Bruxo de Cosme Velho”, à sua moda. E estou com o “zombeteiro”: embora fragmentado, confuso e ininteligível, estar vivo é melhor do que se nem tivéssemos nascido. Gosto dessa sensação errante que a vida proporciona. Quero acreditar que o acaso não existe. Que não somos apenas sombra. Que, como afirma Lya Luft, quando tudo parecer destruído na triste vida que nos restar, haverá, como “descanso de tela no eternamente ligado computador de cada um”, este letreiro de jubilosa esperança: “Escute a canção da vida”. Porque Vida é para ser sentida, sorvida, desafiada. Vida é incerteza e contradição, que, de mãos dadas com sua irmã leal, a Morte, nos traz concretamente a este mundo insano e dele nos tirará. Por isso somos títeres e maestros nesse concerto enigmático, onde o Mistério nos escreve; o Sofrimento nos dirige; o Ódio ensaia conosco e o Amor torce por nós...
2 – No cansativo e rotineiro cotidiano que desfrutamos a duras penas, alguns com maior conforto, outros na zona de conforto e inúmeros no campo do confronto, para muitos viver é um fardo, sempre ou quase sempre. Então, onde buscar consolo para as perdas, se ele existir? Em quem se amparar quando até mesmo as mais confiáveis buscas parecerem insuficientes? Em que e em quem acreditar na tentativa de não ser mais um mero suicida? Haverá algum sentido (e o que isso significa aqui?) para o que chamamos viver em sociedade e interagir nela? O sociólogo polonês Zigmunt Bauman, brilhante pensador contemporâneo, numa de suas dezenas de obras resolveu batizar este nosso tempo de “modernidade líquida” – na qual nada se solidifica; tudo é instável e passageiro, e flui e escorre pelo ralo e foge de nós, vaporizando-se na atmosfera frágil de nossas bases conceituais, sentimentais e comportamentais. Os assassinatos já não nos chocam. Não sabemos quase sempre o que dizer e pensar ante o noticioso que cospe em nossa sala e cara que um jovem facínora tramou a morte da família inteira, matando-se em seguida. Esquecemo-nos de fazer a lição da consciência ecológica num mundo que parece nos destruir aos poucos. Visitamos shoppings centers e nos endividamos sem saber por quê. Corremos loucos por trabalho na esteira da academia para ficar desejosos enquanto a mente se atrofia na primeira estação do desafeto. Não enxergamos o outro como parte de nós e sim como ameaça. Acumulamos coisas, e não saberes. É por isso que o maravilhoso poeta Ferreira Gullar insiste em dizer que “a arte existe porque a vida não basta”. É para sentar conosco à mesa ou dialogar em nosso colo que a arte se cria e recria energicamente. É para mostrar que não somos capazes apenas do mal em todas as suas facetas, que algo de luminoso em nós tateia o grito profundo de nossas misérias ou expectativas, e faz a arte existir. E é no desenho desse contexto que a literatura se revela, sob meu olhar, como um sustentáculo entre todas as manifestações artísticas: ela tem a capacidade de nos redirecionar para dentro de nós mesmos como nenhuma outra. O filósofo Heidegger afirmou que “a palavra é a morada do ser” – é lá que podemos existir; é a consciência de sermos sujeitos de um discurso entremeado em contato com o outro que nos faz gente; é na palavra que constituímos o que pensamos e sentimentos, portanto, é nela e através dela, que nos revelamos ao mundo e a nós. E que outra forma de expressão verbal e linguística poderá realizar tudo isso com a máxima força criativa e subjetiva que não a literatura? Onde mais pulsa a humanidade e toda a sua dança de ternura e paixão a não ser nas performances textuais que somente o vigor da expressão poético-ficcional pode permitir? Dessa forma, acredito no poder de transformação operado através da leitura literária. Sei, e isso dói, que o alcance desse poder não é tão grande quanto desejamos nós, mas ainda acredito. Porque também me alimenta a ideia de que os tantos “fabianos”, com suas “vidas secas”, em terras afora abrasadas pela injustiça universal poderão, se lhes permitido e facilitado, refazer o trajeto de volta a si mesmos para reescreverem-se na história das contradições de seu tempo. Eles, elas, todos, independentemente de onde vieram, se com a arte estiverem, não estarão sozinhos. Não serão máquinas, bichos ou fantasmas. Não se perderão no caminho. Serão mais humanos.




quinta-feira, 19 de setembro de 2013

GÊNERO ENTREVISTA (PARTE I)


1 - A entrevista é uma conferência em que uma ou mais pessoas expressam suas opiniões, para divulgação na imprensa. Embora lembre uma conversa particular, a entrevista está construída para que circule em um espaço público. Além dos interlocutores que participam da entrevista (entrevistador e entrevistado), os espectadores ou leitores são também receptores dessa conversa. É importante ressaltar que a relação entre os participantes não é de igual para igual: a voz de entrevistado (ou o que ele diz) é mais importante que a do entrevistador. O entrevistado é a personalidade - muitas vezes conhecida pelo público - que foi convidada para falar de si, dar uma opinião, contar uma experiência. É preciso considerar também que o entrevistado sabe que deverá submeter-se a um questionário "imposto" pelo entrevistador. 

2 - A estrutura de uma entrevista transcrita possui um formato fixo: o par pergunta/resposta organiza o texto. A entrevista realizada oralmente, porém, não é tão ordenada e, muitas vezes, não se respeita essa regra do "um por vez". Antes de a entrevista acontecer, o entrevistador costuma fazer um resumo sobre aspectos biográficos e/ou profissionais do entrevistado. 

3 -  Na entrevista, é comum aparecerem duas estruturas discursivas básicas: REFORMULAÇÕES: que permitem recuperar informações formuladas, tecer a continuidade do discurso e que podem tomar a forma de definições, correções ou paráfrases; e REPETIÇÕES: que permitem ao receptor processar a mesma quantidade de informação que o emissor produz e, desse modo, ser capaz de desenvolver um discurso fluido, ordenado e que deve estabelecer a conexão entre uma ideia e outra para que o entrevistado ganhe tempo para preparar-se para responder.

4 - Há três tipos de entrevista: Não estruturada, Estruturada e Semiestruturada. Na entrevista Não estruturada o entrevistador propõe um tema específico que se desenvolve de modo fluido durante a conversa, as perguntas e respostas emergem num contexto imediato. O entrevistador conduz, orienta e estimula o entrevistado a refletir sobre determinados assuntos e o deixa à vontade. Na entrevista Estruturada, o entrevistador desenvolve perguntas predeterminadas e, de modo direto, objetivo e, sem muitas alterações quanto ao que se deseja obter do entrevistado, estimula-o a responder suas perguntas sem muitas alterações no ritmo das perguntas/respostas. A entrevista Semiestruturada, por sua vez, aproxima-se mais de um diálogo, é mais flexível e fluida. As perguntas se adéquam espontaneamente ao que o entrevistado responde em perguntas anteriores.

É comum na televisão brasileira a existência de programas de entrevista bons e ruins. Quero citar três que suponho muito interessantes...


"Provocações", com Antônio Abujamra 














"Gabi (quase) Proibida", com Marília Gabriela 


"Roda Viva", atualmente comandado por Augusto Nunes
















segunda-feira, 9 de setembro de 2013

BARROCO NO BRASIL (PARTE III)


O Barroco inicia-se no Brasil com a publicação do poema épico Prosopopeia, de Bento Teixeira, em 1601, e supostamente tem seu término em 1768, ano em que Cláudio Manuel da Costa publica suas Obras Poéticas, marcando o princípio do Arcadismo. É importante destacar que a Literatura Barroca não permaneceu a mesma de 1601 a 1768, mas se alterou de acordo com o desenvolvimento socioeconômico brasileiro. Os principais autores brasileiros barrocos são:

BENTO TEIXEIRA

Nascido em Portugal, Bento Teixeira foi autor da obra inaugural do Barroco brasileiro, o poema épico Prosopopeia (1601), com forte de influência de Camões. 

GREGÓRIO DE MATOS

Principal nome do Barroco brasileiro, e até hoje objeto de polêmicas, produziu obras líricas, satíricas e religiosas. Em decorrência de suas sátiras ferinas ficou conhecido como "Boca do Inferno" e suas obras foram publicadas postumamente. 

BOTELHO DE OLIVEIRA 

Publicou em 1705 Música no parnaso, reunindo poemas em português, castelhano, italiano e latim e duas comédias em espanhol Hay amigo para amigo e Amor, Engaños y Elos. 

PADRE ANTÔNIO VIEIRA

Maior orador sacro da Língua Portuguesa, viveu dividido entre dois mundos - europeu e brasileiro - e de estilo predominantemente conceptista, o autor estabeleceu analogias e comparações da época com passagens bíblicas, apresentando uma grande profundidade de raciocínio. Escreveu: Sermões (15 volumes dentre os quais: Sermão da Sexagésima, Sermão de Santo Antônio ou Sermão aos Peixes, entre 1679 - 1718), História do futuro (1718) dentre outras obras.


Gregório de Matos 










Padre Antônio Vieira











A PROPÓSITO...

A arte barroca estendeu-se à música, pintura, escultura e arquitetura da época. Como uma das principais expressões brasileiras da arte, temos no período Barroco Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, um grande escultor e arquiteto do período colonial.
          Podemos contemplar suas obras na Igreja de São Francisco de Assis, em São José del Rey, Minas Gerais. Trata-se de uma obra muito rara do século XVI, pois foi iniciada e terminada pelo mesmo artista. Ou ainda, em Minas Gerais, na Igreja de Bom Jesus do Matosinho Os 12 Profetas do Velho Testamento, esculpidos em pedra-sabão decoram o adro da Igreja. 
           É importante perceber que, principalmente na arte barroca, diversas artes seguem os mesmos traços, refletindo o conflito do homem entre o terreno e o celestial, a matéria e o espírito. 

Os 12 Profetas do Velho Testamento, de Aleijadinho

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

HINO NACIONAL BRASILEIRO (ESTUDO DE VOCABULÁRIO E UMA OPINIÃO NADA ROMÂNTICA)



I
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas (tranquilas, serenas)
De um povo heroico o brado (grito, clamor) retumbante (estrondoso, de grande ruído)
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos (brilhantes, resplandecentes),
Brilhou no céu da pátria nesse instante.

Se o penhor (garantia) dessa igualdade
Conseguimos conquistar com braço forte, 
Em teu seio, ó liberdade, 
Desafia o nosso peito a própria morte!

Ó pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!

Brasil, um sonho intenso, um raio vívido (expressividade, brilho, entusiasmo)
De amor e de esperança à terra desce,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido (transparente, limpo, nítido),
A imagem do Cruzeiro (redução de Cruzeiro do Sul, constelação austral) resplandece. 

Gigante pela própria natureza,
És belo, és forte, impávido (destemido, intrépido, corajoso) colosso (estátua enorme, agigantada, imensa),
E o teu futuro espelha essa grandeza.

Terra adorada,
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó pátria amada!
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada,
Brasil!

II
Deitado eternamente em berço esplêndido (que tem brilho, que é admirável, magnífico),
Ao som do mar e à luz do céu profundo,
Fulguras (cintilação, brilho), ó Brasil, florão (ornato circular em forma de flor) da América,
Iluminado ao sol do Novo Mundo!

Do que a terra, mais garrida (elegante, alegre, vistosa, vivaz),
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
"Nossos bosques (mata pequena, porção de árvores reunidas) têm mais vida",
"nossa vida" no teu seio "mais amores". 

Ó pátria amada, 
Idolatrada,
Salve! Salve!

Brasil, de amor eterno seja símbolo
O lábaro (bandeira, estandarte, pendão) que ostentas (ter orgulho, vangloriar-se) estrelado,
E diga o verde-louro dessa flâmula (espécie de bandeira ou pequena chama)
- Paz no futuro e glória no passado.

Mas, se ergues da justiça a clave (bastão, cajado, arma antiga) forte,
Verás que um filho teu não foge à luta,
Nem teme, quem te adora, a própria morte.

Terra adorada, 
Entre outras mil,
És tu, Brasil, 
Ó pátria amada!
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada,
Brasil!

Letra: Joaquim Osório Duque Estrada
Música: Francisco Manuel da Silva


ALGUMAS (des) CONSIDERAÇÕES SOBRE A PÁTRIA MÃE (pouco) GENTIL:

O Hino Nacional Brasileiro é muito difundido em época de copa do mundo e durante a inestimável semana da pátria, que ocorre na primeira semana de setembro. O país ostenta em cerimoniais um Hino tido como um dos mais belos do mundo, porém muitos brasileiros não sabem decodificar sua letra (no Brasil, a Educação nunca foi prioridade), e os que conseguem, muitas vezes, dão importância mínima (tentar sobreviver mediante situações grotescas e inóspitas tira do povo o desejo de prestar homenagens a quem quer que seja e de aprender a letra dos hinos que simbolizam a nação). Muitos sequer têm forças para cantá-lo, ou memória para resguardá-lo (no Brasil, a Fome e a falta de programas que assegurem Saúde e qualidade de vida impedem, muitas vezes, que seu povo consiga ânimo para proferi-lo). Quero enfatizar que o Hino Nacional Brasileiro parece contraditório quando cantado por seus representantes políticos que em hipótese alguma amam, idolatram e dariam suas vidas pela pátria que, no Hino, é metaforizada pela figura de uma mãe gentil.  

O verde-louro que poderia representar a natureza pátria e a riqueza da terra perdeu seu tom - a natureza é triturada pela falta de consciência de uns, e a riqueza tem sido roubada dos brasileiros desde que seus invasores por aqui chegaram - é claro que os poderosos deleitaram, e deleitam, os valores da terra em detrimento das mãos vazias dos que vivem à margem das eternas festas promovidas por políticos corruptos.

Para sobreviver a tanto sofrimento, herdamos a resistência dos irmãos africanos com seus corpos lacerados pela desumanidade da escravatura; herdamos a coragem, que ainda tentamos entender se deveria ser aclamada ou repudiada, dos aventureiros que atravessaram o mar para explorar o que a nova terra poderia oferecer; herdamos a capacidade de nos relacionarmos com a terra de modo a reencontrar nela, como sempre fizeram os nativos, possibilidades de vida. Porém, da dor somos herdeiros, do medo somos cativos. Nossa maior herança, disso não tenho dúvidas, é a força interior que se expressa pela resistência ante os muitos algozes que nos fustigaram, e fustigam, ao longo dos séculos de constante retaliação. 

Conclamo todos a, nesta semana da pátria, assistir a três filmes que poderão dimensionar um pouco a visão que tenho em mim sobre o país em que nasci e fui criado. Assista, se puder e quiser, aos filmes: "Batismo de sangue", "Anjos do sol" e "Quanto vale ou é por quilo?"... Em "Batismo de sangue" você sofrerá a dor dos torturados pela ditadura militar; em "Anjos do sol" você se indignará com a infância pisada, destruída e vergonhosa de uma criança que é vítima do comportamento zoomorfizante (com todo respeito aos animais, obviamente) de homens inconscientes de sua baixeza de alma e, no último filme, "Quanto vale ou é por quilo?", você se deparará com a hipocrisia, o falso moralismo e a ganância que caracterizam, há séculos, os poderosos dessa nação. 

Após assistir aos filmes recomendados, volte para a letra do Hino Nacional Brasileiro, leia-a mil vezes e internalize-a. Não deixe de refletir sobre cada palavra de modo a entender de fato o que o eu lírico quer dizer. Em seguida, procure mudar sua visão para que você não seja mais vítima da hipocrisia nacional que costuma cantar o Hino nos jogos da copa do mundo e em cerimônias obsoletas, ilusórias e acríticas que são realizadas sempre na semana da pátria. 

No mais, como canta Nara Leão, numa interpretação magnânima: "Podem me prender, podem me bater / Podem até deixar-me sem comer / Que eu não mudo de opinião." 


Texto de: Émerson Cardoso