domingo, 27 de outubro de 2013

ARCADISMO (PARTE II) ENTREVISTA COM MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE


Manuel Maria Barbosa du Bocage (cujo pseudônimo árcade era Elmano Sadino) nasceu em Setúbal, Portugal, em 15 de setembro de 1765. Considerado um dos maiores poetas portugueses de todos os tempos, Bocage foi tão polêmico quanto foi talentoso. Ele faleceu em 21 de dezembro de 1805 e concedeu-nos, post mortem, esta entrevista.  

ENTREVISTADOR: 

Você aí, narigudo... Você não é o Bocage de que falam?

BOCAGE:

Eu era...

Já Bocage não sou! ... À cova escura
Meu estro foi parar desfeito em vento...

Outro Aretino fui... a santidade
Manchei... Oh! se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na Eternidade!

ENTREVISTADOR: 

Sua fama não está ligada muito à ideia de Eternidade. Você é considerado um grande boa-vida, desbocado, briguento. Será que você não pode se apresentar aos nossos leitores de um jeito mais descontraído? 

BOCAGE:

Posso sim... Ponha aí então:

Aqui dorme Bocage, o putanheiro,
Passou a vida folgada e milagrosa,
Comeu, bebeu...

ENTREVISTADOR: 

Chega, chega... Pode parar, Bocage... Vamos mudar de assunto: você se considerava um homem bonito?

BOCAGE:

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio e não pequeno.

ENTREVISTADOR:

O seu nariz ficou na história, hein!

BOCAGE:

Nariz, nariz, nariz, 
Nariz, que nunca se acaba;
Nariz, que se ele desaba, 
Fará o mundo infeliz;
Nariz que Newton não quis
Descrever-lhe a diagonal;
Nariz de massa infernal,
Que, se o cálculo não erra,
Posto entre o Sol e a Terra,
Faria eclipse total!

ENTREVISTADOR: 

Você poderia agora falar um pouco sobre sua poesia?

BOCAGE:

Se entre versos mil de esquecimento
Encontrardes alguns cuja aparência
Indique festival contentamento,

Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência.

ENTREVISTADOR: 

Você fala de sua poesia de um jeito que nada tem de irreverente. Diz que os versos alegres e felizes são falsos e fingidos. Mas você tem uma porção de poesias que cantam os campos, os pastores, os prados floridos, não é? E sobre sua vida, você diria que ela foi triste ou alegre?

BOCAGE:

As torvas Parcas me fadaram logo,
Negros agouros sobre mim caíram
E de meu lado em terro voaram
Júbilo e riso.

Aos dois lustros a morte devorante 
Me roubou terna mãe, seu doce agrado;
Segui Marte e depois, enfim meu fado
Dos irmãos e pai me pôs distante.

ENTREVISTADOR: 

Muito triste, Bocage... Li numa biografia sua que você perdeu a mãe muito cedo, entrou no exército e viajou muito. Foi isso que você disse, não foi? Você viajou muito?

BOCAGE:

Vagando a terra curva, o mar profundo,
Longe da Pátria, longe da Ventura
Minhas faces com lágrimas inundo.

ENTREVISTADOR: 

Mas você viajou porque quis, não foi? O que foi fazer na Índia? Buscar fortuna?

BOCAGE:

Um vivo ardor de nome e fama
À nova região me atrai, me chama...
Nos climas onde mais do que na História 
Vive dos Albuquerques a memória,
Nos climas onde a guerra
Heróis eternizou da lísia terra,
Vou ver se acaso a meu destino agrada
Dar-me vida feliz ou morte honrada!

ENTREVISTADOR: 

Lá vem você falando de modo complicado outra vez...Nossos leitores vivem no século XXI, Bocage! Não é mais simples você dizer que foi viajar em busca de um nome ilustre? E por onde foram estas viagens? 

BOCAGE:

O ditoso Brasil, província bela...

ENTREVISTADOR: 

Brasil? Com certeza Rio de Janeiro... E depois? Dizem que você andou na Índia, Goa, Macau... Gostou de lá?

BOCAGE:

Tórrida zona abafa a gente...
ferve o clima...
Arde o ar...

ENTREVISTADOR: 

É feio falar mal de cidades onde a gente foi hóspede... Além disso, fique sabendo que esses lugares não são mais colônias portuguesas. Não foi você mesmo, num poema, quem profetizou: "Jaz por terra o Empório do Oriente"? Ou era Império do Oriente? Agora fale um pouco de seus amores... Foram muitos?

BOCAGE:

Da pérfida Gertrúria o juramento
Parece-me que estou inda escutando!...

ENTREVISTADOR: 

Gertrúria? Seus biógrafos falam de uma tal Gertrudes, de quem você teria sido noivo, mas que acabou casando com seu irmão... É a mesma pessoa, não? Bem, para não ser inconveniente, vamos mudar de assunto: quem eram seus poetas preferidos?

BOCAGE:

Camões, grande Camões,
Quão semelhante 
Acho teu fado do meu, quando os cotejo!

ENTREVISTADOR: 

Fale dos poetas seus contemporâneos que, com você, viveram a virada do século XVIII para o XIX em Portugal.

BOCAGE:

Cala a boca, satírico poeta, 
Não te metas no rol dos maldizentes... (Com ar de quem não queria falar, mas que, num impeto, gritou)

Franças, Semedos, Quintanilhas,
Macedos e outras pestes condenadas,
Néscios que mamais das vis quadrilhas,
Do baixo vulgo insossas gargalhadas,
Por versos maus, por trovas aleijadas!

ENTREVISTADOR: 

Eles eram tão maus assim? Mas não eram todos membros de uma academia literária, a Nova Arcádia?

BOCAGE:

Ó triste,
Ó Malfadada Academia!

ENTREVISTADOR:

Entendo. Academias são sempre assim... Mas vamos mudar mais uma vez de assunto? Vamos falar sobre a história de sua prisão? Quando? Como? Por quê?

BOCAGE:

A dez de agosto, esse dia, 
Dia fatal para mim
Teve princípio o meu pranto,
O meu sossego deu fim... 

Do funesto Limoeiro
Já toco os tristes degraus,
Por onde sobem e descem
Igualmente os bons e os maus

Correm-se das rijas portas 
Os ferrolhos estridentes
Feroz condutor me enterra
No sepulcro dos viventes...

ENTREVISTADOR:

Foi no ano de 1897, fiquei sabendo... Mas qual era a acusação, Bocage? De que o acusavam?

BOCAGE:

Nem rebelde infração de leis sagradas
nem crime que aos direitos atentasse
Do sólio, da Moral, da Natureza...

A calúnia, de astúcias fértil
Urdiu meus males, afeou meu nome.

ENTREVISTADOR: 

Pois é, parece que você foi preso injustamente. Mas também você vivia numa época de: censura, falta de liberdade, corrupção... E quando saiu da prisão você voltou à vida antiga? 

BOCAGE:

Qual nada!
Os cem punhais do reumatismo
(Prole fatal na natureza infecta)
Em cada sensação, que vale a morte
Míngua e se evapora o sofrimento.

ENTREVISTADOR: 

Foi muito bom falar com você, Bocage. Agora, para que você retorne em paz ao seu descanso eterno, o que gostaria de dizer a nossos leitores?

BOCAGE:

Este, com que se ufana a pedra erguida,
Ah! se encantou com sonoras cores...
Já Bocage não é! não sois, Amores!...
Chorai-lhe a morte... e celebrai-lhe a vida. 




Texto retirado e adaptado do livro:

BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du. Bocage: Literatura Comentada. Seleção de textos, notas, estudo biográfico e crítico e exercícios por Marisa Lajolo; estudo histórico por Ricardo Maranhão. São Paulo: Abril Educação, 1980. 

Nota: As respostas de Bocage são versos seus, ora literais, ora adaptados, extraídos de sua obra Opera Omnia. 

sábado, 19 de outubro de 2013

ARCADISMO (PARTE I)


MOMENTO SOCIOCULTURAL: 

ILUMINISMO, ENCICLOPEDISMO, DESPOTISMO ESCLARECIDO: ALIANÇA ENTRE OS REIS E A BURGUESIA.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS:

  • O TEXTO COMO MOMENTO DE LAZER, DE EXPERIÊNCIA AMENA COM O BELO, DE DISTRAÇÃO, DE IDEALIZAÇÃO DE UM MUNDO PASTORIL E BUCÓLICO (ARCADISMO);
  • USO DE PSEUDÔNIMOS PASTORIS, QUE REMONTAM À ANTIGUIDADE;
  • FUNDAÇÃO DAS ARCÁDIAS (ACADEMIAS LITERÁRIAS);
  • REVIGORAMENTO DO RACIONALISMO CLASSICISTA (NEOCLASSICISMO) EM OPOSIÇÃO AO BARROCO;
  • DIDATISMO DA LITERATURA: O TEXTO COMO FORMA DE ILUSTRAÇÃO, DE "ILUMINAÇÃO" INTELECTUAL (NEOCLASSICISMO);
  • LEMAS ARCÁDICOS: CARPE DIEM (VIVER O MOMENTO), FUGERE URBEM (FUGIR DAS CIDADES) E INUTILIA TRUNCAT (CORTAR O QUE É INÚTIL). 

AUTORES E OBRAS:

  • CORREIA GARÇÃO: UM DOS PRINCIPAIS TEÓRICOS DO ARCADISMO. ESCREVEU "TEATRO NOVO" (1766), "ASSEMBLEIA OU PARTIDA" (1770) E "OBRAS POÉTICAS" (1778);
  • MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE: O MAIOR POETA PORTUGUÊS DO SÉCULO XVIII, E UM DOS MAIORES DA LÍNGUA. AUTOR DE "RIMAS" (1791), POSTERIORMENTE ACRESCIDA DE NOVOS TEXTOS.  


Manuel Maria Barbosa du Bocage

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

CRÔNICA POUCO APOLOGÉTICA: A FELICIDADE DE SER PROFESSOR NO BRASIL

Antônia Lucimeire Oliveira
Imagem que representou, nacionalmente,
o desrespeito contra o profissional da educação

Na segunda semana do mês de maio de 2011, mais precisamente do dia 09 ao dia 13, o Jornal Nacional (jornaleco televisivo que prefere referir-se a manifestante com a alcunha de vândalo) exibiu uma série de reportagens que aludiam à situação crítica em que se encontra a Educação no país. No dia 12 de maio, o jornal tratou diretamente do problema relacionado à realidade do Professor.
A reportagem exibiu uma sala de aula em que um professor perguntava aos alunos que profissão estes escolheriam. Ao ser mencionada a profissão de Professor, dois braços ergueram-se tímidos, e a câmera deu ênfase a uma das duas mãos que se ergueu no fundo da sala. Um aluno entrevistado afirmou: “Não vejo futuro em ser Professor!” Outro aluno expôs: “Ser Professor não compensa!” A reportagem mostrou, ainda, com um fundo musical triste, alguns profissionais da área que afirmavam ser desprestigiados, desvalorizados e, principalmente, sobrecarregados.
O Ministro da Educação – Fernando Haddad – fez um breve e nada elucidativo comentário a respeito, mas a reportagem terminou com a seguinte constatação: a profissão vive uma terrível – cito o narrador – “falta de horizontes”.
Como me senti com a alma devassada por uma sensação de mal-estar completo, por ser parte dessa classe que sofre as consequências da profissão escolhida, precisei discutir e compartilhar de algum modo a minha sensação de desconforto, após ver o quanto este país se cala diante dos problemas educacionais tão evidentes.
A aprendizagem do aluno, supõe-se, é o foco principal da Educação. Ter alunos e ensinar coerentemente conteúdos a fim de torná-los aptos – numa naçãozinha que preza o trabalho braçal mais que o intelectual – ao mercado de trabalho, sem dúvidas, é um dos objetivos do processo educacional. Estimular o aluno ao exercício de sua cidadania, torná-lo capaz de refletir sobre temáticas inúmeras que norteiam o cotidiano que o perpassa, são tópicos indispensáveis para o trabalho do Professor.
Não se pode entender, porém, como o ensino-aprendizagem será viável se o profissional responsável por esse processo não tem salário digno, valorização ou tempo suficiente para realização do seu trabalho. Além disso, como pode ministrar aulas um profissional que tem entre 40 e 45 alunos numa sala de aula sem, muitas vezes, suporte para ampliar seus métodos de explanação conteudística? Controlar alunos, desenvolver trabalho burocrático, controlar o nível de aprendizagem do aluno através de uma avaliação plausível, realizar inferências conteudísticas quando há escassez de materiais para isso, cumprir um papel que deveria ser da família, são desafios intoleráveis à condição física, psicológica e temporal do Professor.
Confirmo, com a explanação desses poucos detalhes sobre o que, neste país, é ser Professor, a assertiva do aluno entrevistado na reportagem acima mencionada: “Ser professor não compensa!” Por mais que ainda tenhamos alunos que façam valer a pena o esforço, por mais que encontremos algum bem-estar em planejar uma aula e ser capaz de ministrá-la, ainda que sejamos recompensados com a amizade de certos alunos que conseguem olhar com humanidade para a delicada condição do Professor, não é possível fechar os olhos para o sofrimento vivido diariamente por este que é, para poucos no país, o responsável pelas mudanças mais significativas da nação.
Em 2009, em propaganda realizada pelo MEC, exibida em emissoras abertas, reprisada exaustivamente também em 2010, são apresentadas imagens que representam paisagens marcantes de inúmeros países. Em certo momento da propaganda, o narrador afirma ter feito uma pesquisa em outras nacionalidades e várias pessoas das respectivas nações respondem à seguinte pergunta: quem é responsável pelo desenvolvimento do seu país nos últimos 30 anos? Em várias línguas pode ser constatada a resposta: o PROFESSOR!
No final da propaganda, uma atriz muito bonita e jovem, usando o “subosso” comum a todo profissional da Educação – os óculos –, se encontra com um grupo de crianças num cenário que sugere a escadaria de um colégio e, olhando sorridentemente para a câmera, convida a quem assiste à sua performance artística a ser um professor. Para isso, utiliza-se de forte recurso de convencimento através do uso expressivo da função conativa da linguagem.
         Agora, utilizando-me de inferências “outorgadas” a mim pela mãe das disciplinas, a Filosofia, eu pergunto: ser professor é tão ruim que o MEC precisa fazer propaganda para incentivar seres humanos, de bom coração, a realizar o heroico ato de ser Professor? Será que fazer propagandas é mais fácil do que tentar olhar com sensibilidade para o profissional da Educação?
Que minha capacidade crítico-reflexiva de Professor – que optou pela profissão – seja resguardada para não se esboroar com esse discurso. Propaganda muito bonita, mas patética por expor, dentre outros discursos, a ingenuidade do governo em tentar uma chamada urgente para que algum brasileiro suporte, mediante sacrifício intenso, a árdua tarefa de ser Professor.
        Incomoda-me o fato de que, para afirmar o Professor como desenvolvimentista, foi preciso confiar na opinião de cidadãos de outras nacionalidades. Supõe-se, com isso, que se algum brasileiro fosse entrevistado sobre o assunto a opinião poderia ser bem diferente. Lógico, o Brasil ainda não resolveu sequer problemas mais práticos, como saberá resolver problema tão denso? E a voz de estrangeiros ecoa num recurso de convencimento que reforça – na França, Alemanha, Inglaterra, Finlândia, Espanha, Coreia do Sul, dentre outros países que de fato investem na Educação – o quanto o Professor merece “respeito”.
            No ano de 2011, diga-se de passagem, o MEC resolveu convencer um pouco mais o país de que ser Professor é importante. A nova propaganda exibe imagens sugestivamente desenvolvidas com giz – símbolo do arcaísmo, a meu ver, que perpassa a Educação nacional – e, numa melodia comovente, afirma mil vezes que o Professor é o responsável pela formação de todas as outras profissões. Linda música de teor valorativo, mas fico pensando: se o Professor é de fato o que é apresentado na tal propaganda, por que o governo não deixa de gastar dinheiro com propagandas inverossímeis e não investe, efetivamente, em possíveis mudanças que a profissão, gritantemente, exige?
            Alguém pode achar que eu desconsidero as mudanças realizadas nos últimos anos, ou que sou dramático, ou pessimista demais, mas, sinceramente, se eu me contentar com essas supostas mudanças, a mim insignificantes, não terei condições de permanecer na profissão que escolhi por muito tempo. Ou a abandonarei, ou terei problemas físicos e psicológicos irreversíveis se o silêncio e o conformismo forem minhas bases aliadas.
            Mas eu espero, não sem dor e sofrimento, que o meu choro e ranger de dentes sejam passageiros, afinal de contas ser Professor não é tão ruim assim. Dá até para comprar medicamentos para sanar as constantes dores de cabeça sentidas e ressentidas.
         Num país em que Professores são tratados com desdém, humilhação, violência, descaso e desrespeito (para ficar apenas com dois exemplos, vide o que ocorreu recentemente nas cidades de Juazeiro do Norte – CE e Rio de Janeiro – RJ), ser Professor parece incongruência e masoquismo: por quanto tempo cursos de licenciatura ainda terão público?
            Faço, para concluir, umas últimas perguntas que me parecem retóricas: ainda é possível ter visões otimistas sobre a nossa profissão? Eu posso falar em sala de aula que este país é democrático se reivindicações são punidas com truculência? Posso dizer que o conhecimento liberta, se quem detém algum conhecimento para compartilhar não pode ter dignidade justamente por ser detentor do conhecimento?
            Repúdio, asco, vergonha de ser brasileiro – e tenho dito!

Texto de: Émerson Cardoso
15/10/11 - 13 

CRÔNICA: UM ESPELHO QUE ME ROUBOU DE MIM


Buscava pores de sol em longas marchas e encontrei, perplexo, o mundo em mim por meio do olhar de um cavalo. Perdido em pensamentos me deparei com seu relinchar que mais me absorveu do que me amedrontou. Foi quando fechando os olhos os abri em seguida e o vi: ele, em nublação, bem próximo a mim relinchava. Olhamo-nos perplexos.
            Sob um por de sol em véu de sombras eu vislumbrei um outro-eu que mais me via em pelo e força. Altivo, de longa crina, de lisa cauda, de músculos exatos, de olhar poético em eternos soslaios ele, meu outro-eu, atirou sobre mim sua presença jamais anônima... Aprisionado, nenhum animal poderia parecer tão livre. Eu, tão aparentemente livre, jamais poderia dizer de mim um ser humano livre, porque para ser livre em cavalo deveria me transformar – e eu não tenho a força.
            O cavalo cinza, num segundo em que o sistema solar teimava em não se desfazer, me fitou. O cavalo cinza. Como quem vela o filho convalescente, ele, a nublação dos olhos, me tocou com suas cansadas mãos. Crina ao vento, num murmúrio inaudível ele me tocou. Por certo o medo poderia me transtornar: mas das alturas enfrentei as afrontas sem que a culpa me consumisse.
            Seu olhar me devassou enquanto, sem palavras, eu falava e falava e falava. O vento que assanhou sua crina rasgou em súbito meu olhar. E houve o silêncio: um velho que num poço buscou água sem que a água se deixasse aprisionar. Aves pernoiteiras desfilavam pelo céu em arrebol e eu caía em pontiagudas ânsias: sede de alguma coisa que sequer eu sou, nem sei.
            Olhamo-nos por três segundos? Pés despindo o tempo e mãos tateando o não-viver. Quase o grito cerceou o tão buscado silêncio. Um relinchar me deu mais a mim que eu pudesse compreender: meu olho escuro no espelho de um cinzento olhar. Quem mergulhou primeiro no poço escuro do olhar de quem? Devo ter sido menos corajoso: um cavalo não tem medo de calabouços ou grilhões. 
            Fugindo caí na esperança de nunca mais temer um relinchar em prata. Mas quem não é cavalo sofre mais que o relho no ventre de um mamífero hipomorfo da ordem dos ungulados. Fugi de mim que no espelho do cavalo, em cinza, apertava grades indestrutíveis. E fui embora antes que, ao relinchar, o cavalo me desse mais a mim que eu fosse capaz de suportar. E nunca mais – silêncio profundo – eu o vi.  

14/10/13
Texto de: Émerson  Cardoso

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

GÊNEROS DISCURSIVOS DO JORNAL EM SALA DE AULA (UMA PROPOSTA DE INTERAÇÃO)





EEFM PRESIDENTE GEISEL – POLIVALENTE
CREDE 19 – JUAZEIRO DO NORTE – CE
JOSÉ MARROCOS, S/N – BAIRRO SANTA TERESA
FONE / FAX: 3102 - 1100

MINIPROJETO:
GÊNEROS DISCURSIVOS DO JORNAL EM SALA DE AULA

CÍCERO ÉMERSON DO NASCIMENTO CARDOSO

INTRODUÇÃO:
            Este projeto, que se pretende um método prático de aprendizagem, apresenta uma proposta de realização de trabalhos de produção textual a partir do estudo dos gêneros discursivos do jornal em sala de aula.
O jornal se constitui como um veículo útil de propagação de múltiplas informações. Utilizá-lo em sala de aula como ferramenta de aprendizagem pode ser enriquecedor para o aluno uma vez que, por possuir gêneros textuais variados, pode oferecer opções para quem o lê e apontar mecanismos enriquecedores de produção textual através dos modelos que ele apresenta.
Nossa intenção, portanto, é estimular o aluno não só à realização da leitura, mas à produção de textos típicos do jornal para que, por meio deles, este possa ampliar seu conhecimento através de pesquisas e discussões acerca de temas variados e familiarizar-se com a multiplicidade de gêneros que poderão ser cobrados em avaliações externas como SPAECE, ENEM e vestibulares.  
       Além disso, visa tornar o aluno apto a produzir e expor, em sala de aula, seus próprios textos de modo interativo, uma vez que este deverá realizar trabalho de grupo e, posteriormente, seminário.
Para isso, serão explanados, em aulas de Produção Textual, os gêneros discursivos presentes no jornal e, por meio deles, serão apresentados os conteúdos bimestrais pertinentes à Literatura, Gramática e Interpretação Textual, bem como temas atuais veiculados pela mídia que darão suporte a algumas produções específicas.

JUSTIFICATIVA:
Editoriais, anúncios publicitários, resenhas críticas, charges, entrevistas, crônicas, tiras, reportagens, manchete, artigos são alguns dos gêneros textuais que o jornal comporta.
O jornal, também denominado gazeta ou periódico, é um meio de comunicação cuja característica principal é a veiculação de informações em grande escala. E, se utilizado em sala de aula, pode se constituir como um meio eficaz, também atrativo, para que se possa explorar os mais variados tipos de textos.
Quando, além de ser utilizado em sala em ocasiões de leitura, é sugerido que o aluno, utilizando-se de autonomia que dê livre expressão à sua criatividade, confeccione seu próprio jornal, esse veículo pode ser mais que útil para ampliação da aprendizagem em vários aspectos.   
A aprendizagem deve ser sempre estimulada por meio de métodos práticos que a concretizem no espaço da sala de aula. A leitura – uma ação desafiadora para quem trabalha com o ensino de línguas – deve ser promovida de modo natural e prático e, consequentemente, deve servir como suporte para o aluno produzir seus próprios textos.
Em tempos em que se privilegia tanto o Protagonismo Juvenil, o aluno precisa, de fato, sentir-se apto à realização de atividades múltiplas que o conduzam ao desenvolvimento de suas habilidades e potencialidades de leitor e produtor textual no estudo de línguas: a criação de um jornal em sala, por meio de grupos, é um método mais que eficaz para que esses valores cognitivos sejam desenvolvidos na prática.

OBJETIVO GERAL:
Estimular os alunos das turmas “A”, “B” e “C”, dos primeiros anos do Ensino Médio, da EEFM Presidente Geisel, a produzirem, em grupo, um jornal a partir do estudo de gêneros discursivos pertinentes ao texto jornalístico.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

  • ·               Desenvolver estudo de conteúdos bimestrais por meio da produção de um jornal;

  • ·         Estudar gêneros discursivos do jornal de modo a preparar os alunos para que estes elaborem textos que comporão o conteúdo do jornal que eles deverão produzir;

  • ·         Estimular os alunos, empregando prerrogativas do Protagonismo Juvenil, a apresentarem o jornal realizado por eles em sala de aula em forma de seminários.

METODOLOGIA:
            Inicialmente serão explanados os gêneros discursivos do jornal em aulas de Produção de Texto. A partir disso, os alunos das turmas envolvidas no projeto deverão ser divididos em grupos e cada grupo ficará incumbido de produzir seu próprio jornal.
            O conteúdo que deverá surgir nos textos, que serão produzidos pelos alunos ao longo do projeto, deverá relacionar-se aos conteúdos de Literatura, Gramática e Interpretação Textual pertinentes ao bimestre, além de temáticas abordadas em jornais e demais mídias que deverão ser colhidas por meio de pesquisas.
            Os alunos serão estimulados a desenvolver textos de acordo com os gêneros estudados e, na conclusão, serão apresentados os resultados do trabalho desenvolvido pelos grupos em forma de seminários.

CRONOGRAMA:
Agosto

Setembro
Outubro
- Entrega do projeto para o Núcleo Gestor da Escola;

- Explanação do conteúdo: Gêneros Discursivos do Jornal (Parte I);

- Divisão dos Grupos para confecção do Jornal.

- Explanação do conteúdo: Gêneros Discursivos do Jornal (Parte II);

- Produção textual dos alunos e acompanhamento;

- Primeiras apresentações em forma de seminários.
- Últimas apresentações em forma de seminários;

- Divulgação dos trabalhos no Blog do autor do projeto: “Das insustentáveis levezas: leitura, interpretação e artes.”

REFERÊNCIAS:

FARIA, Maria Alice. O jornal na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1991.

FULGÊNCIO, Lúcia & LIBERATO, Yara Goulart. Como facilitar a leitura. 8. ed. São Paulo: Contexto, 2008.

GONÇALVES FILHO, Antenor Antônio. Educação e Literatura. 2. ed. São Paulo: DP&A, 2002.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. A coesão textual. 19. ed. São Paulo: Contexto, 2004.

______ As inter-ação pela   linguagem. 3. ed. São Paulo: Contexto, 1997.

KÖCHE, Vanilda Salton. Prática textual: atividades de leitura e escrita. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

LOPES, Eduardo Antonio (org.). Anglo: ensino médio: livro-texto (Redação). São Paulo: Anglo, 2003. 

LUFT, Celso Pedro. Minidicionário Luft. São Paulo: Ática, 2000.

MELO, Adriana; ALMEIDA, Edgley. Programa Jornal na Sala de Aula – Jornal Diário do Nordeste. Fortaleza: Jornal Diário do Nordeste, 2010.

PACHECO, Agnelo de Carvalho. Dissertação: teoria e prática. São Paulo: Ática, 2000.

SAVIOLI, Francisco Platão & FIORIN, José Luiz. Lições de texto: leitura e redação. 2. ed. São Paulo: Ática, 1997.

TAKAZAKI, Heloisa Harue. Língua Portuguesa: ensino médio – volume único. São Paulo: IBEP, 2004. (Coleção Vitória Régia). 


ANEXOS:

Primeira Equipe a confeccionar o Jornal e apresentá-lo em forma de seminário: "Jornal A Notícia" (Produzido em manuscrito por: Abraão, Fernanda, Maxylene, Janathannyele e Jayane). 

Da esquerda para a direita: Maxylene, Jayane & Fernanda

Janathannyele durante leitura 
Janathannyele & Abraão

Destaques:

1 - Jornal de Bordo







2 - Jornal "A Notícia":


3 - Jornal do Cariri:




Demais apresentações:


Emilly, Camilla, Luiz Felipe, André & Arthur

Nívia

Bárbara, Pedro Henrique & Gabriella
Antônia Letícia, Letícia & Victor Hamilton

Antônio Filho, Wesley, Viviane, Júlia Maria e Anderson Stanislavick


Antônio Filho

Any Karoliny

Rayssa, Samara, Claryssa... Olhando com ênfase: Fernando!

Flávio, Bárbara & Lidiane

Grazielle, Janykelly, Daniele, Ívna, Flávio, Bárbara & Lidiane

Flávio 

Vinícius & Ana Lívia 

Laila & Lucas Lídio

Paulo Vinícius, Raquel, Paloma & Jaqueline

Luzia, Cidilânia, Felipe, Daniela & Mariza




segunda-feira, 7 de outubro de 2013

CRÔNICA: "O CIRCO"



Enquanto caía uma chuva repentina no mundo, eu atravessei as águas com um imenso guarda-chuva nas mãos para entrar, não sem comoção, no circo.
Nunca havia entrado em um circo antes, conhecia-o apenas através de imagens de livros e filmes e TV, nunca pessoalmente. Vê-lo foi constatar que ele era um dos mais pobres e simples que já vi. Um amigo – já falecido – convidou-me para ver o espetáculo do dia – eu lhe fazia uma visita em dia de feriado amarelo em nossa cidade. 
O que era, para mim, um circo? Música, luzes, brilho, palhaços, equilibristas, engolidores de espadas, cuspidores de fogo, malabaristas, saltos mortais, animais amestrados? O circo, este de que falo, possuía pouco menos do que eu esperava.
            Havia um palhaço, um cuspidor de fogo, um equilibrista, uma equilibrista, um cachorrinho amestrado, um bode amestrado, nada mais. Havia também um público que, de tão simples, chegava ao extremo da identificação com o aspecto paupérrimo do próprio circo. E o público ria, e os circenses riam, todos eram cúmplices daquilo que deveria ter “sido”, mas não “era” pelas trágicas impossibilidades da vida.
As cadeiras brancas, em que sentavam os expectadores, eram da cor da camisa do dono – muito magro – do circo. Gritos, assovios, risos. As apresentações se davam no irremediável. A lona azul estava encardida, as colunas de ferro descoloridas, o palco era de uma humildade gritante. Mas o que doía mesmo era o figurino dos artistas. Chegava a ser patético o modo como se vestiam.
            Havia trechos do espetáculo em que se deveria rir. Mas eu, que rio com facilidade das coisas, quando ria era para não... Era para não.  Há situações em que a comoção nos invade com ousadia.   
Sentei-me ao lado do meu amigo e de lá, de onde fiquei, nunca mais pude me levantar. Olhei contemplativo para cada espetáculo. Ri algumas vezes de modo forçado – se é que consigo forçar um riso: ele me vem sempre sem que eu planeje! Terminaram as apresentações, houve um bingo, eu fiquei a um número de ganhar o prêmio – o prêmio não posso expor, seria doloroso demais. E o tempo se foi como se foi a chuva que caía há pouco, fora da lona do circo.
          O que foi mais comovente? Foi mais comovente ver as crianças que ali estavam, ou os pais das crianças? Foi mais comovente ver os olhos do público fitarem as apresentações com ânimo sincero, ou perceber que eu nunca vira um circo de verdade e aquele era decepcionante pela rusticidade com que se exibia aos meus olhos de adulto mais exigente? Ou será que foi mágoa porque, quando criança, sequer pude ver um circo daqueles, por mais simples que fosse? Será que doeu mais por eu ter percebido que meu amigo olhava tudo com olhar mais complacente que o meu - talvez adivinhando que morreria cedo demais? Ou será que foi por eu ter sentido nos ossos o teor lúgubre que deu um tom melancólico às instalações? Será que foi por eu ter visto duas meninas com o pai – e elas riam? Será que foi por eu ter a tendência a retirar de momentos comuns um tom de tragédia e lirismo para transformar em texto?
Não saberei responder... Nunca saberei.
          Assim que saí do circo, com o guarda-chuva na mão, e meu amigo do lado, eu não era mais um adulto cheio de infelicidades e dramas particulares. Eu, por alguns segundos, era apenas um menino que, como se pode constatar, trazia em si a marca dos que ainda não sabem viver sem comoção.
Andei, andei, andei... Após a esquina, porém, me esperava o-ter-que-voltar-para-casa. A melancolia deu lugar ao mínimo de alegria vivida – quem é dado a reflexões vive de tragédias! E meus pés seguiram a marcha dos silenciosos. Notei, logo mais, que precisava me despedir do meu amigo – com a obrigação de dizer “adeus” eu fui embora. Não sei dizer bem as impressões que o circo deixou no meu amigo, mas em mim... Em mim uma tempestade de sentimentos gritavam dentro do peito: segui em silêncio como ia embora em silêncio cada circense após suas apresentações. Quem me daria a esperança daqueles artistas ante público tão fragilizado? Quem?
                                                                                          
Texto de: Émerson Cardoso
 27/03/11

(Domingo à tarde)