terça-feira, 8 de abril de 2014

REFLEXÃO: DISCERNINDO A PESSOA ORGULHOSA OU EGOCÊNTRICA


Abri um antigo dicionário e encontrei uma folha de papel amarelada que, em manuscrito, continha a seguinte inscrição: "DISCERNINDO A PESSOA ORGULHOSA OU EGOCÊNTRICA". A pessoa que escreveu o fez no ano de 2003 e não mencionou a referência bibliográfica - o que é lamentável. Como considerei um texto instigante e pertinente, decidi postá-lo, aqui, antes de amassá-lo e jogá-lo no lixo: 

A PESSOA ORGULHOSA OU EGOCÊNTRICA:

  • Busca exaltar a si mesma e nunca promover os outros;
  • Fala a respeito de si mesma o tempo todo, mas raramente ouve os outros;
  • Sempre pergunta: "Que proveito há nisto para mim?";
  • Exige muita atenção dos outros;
  • Magoa-se com facilidade quando não é notada ou reconhecida da maneira que julga ser apropriada;
  • Vive deixando para trás relacionamentos, mortos ou agonizando, sem nunca se conscientizar das feridas que causa nas pessoas;
  • Quer sempre estar em posição de liderança, em vez de buscar servir humildemente;
  • Destrói os outros ou tece comentários maldosos para que pareça ser uma boa pessoa, ao se comparar com as outras;
  • Toma a defensiva quando se sente ameaçada;
  • Nega que comete até pequenos erros.

CEM ANOS DE SOLIDÃO (UMA NOTA ENCOMIÁSTICA)


Depois de uma sôfrega pausa em leituras de caráter ficcional, quem devota amor à Literatura, ao se deparar com um livro de qualidade, sente logo entusiasmo. Este entusiasmo pode ser repleto de emoção que pode, se não se tiver cuidado, transformar-se numa lamentável visão apaixonada que perde em criticidade e reduz-se a sentimentalismos excedentes que nos impedem de construir uma observação mais crítica sobre a obra lida.

Mas quem disse que a função de uma obra literária é, por excelência, tornar-se objeto de estudo? Antes de qualquer aspecto teórico, a Literatura é Arte e, como tal, se firma na ideia de que deve despertar, antes de qualquer coisa, emoção e reflexão e alteração de pensamento e paixão.

Eis o que aconteceu. Vivencio uma espécie de êxtase quase comparável ao ser que, ao viver anos e anos aprisionado numa caverna obscura, finalmente sai e depara-se com uma tão intensa claridade que a vista se turva e cega. Mas, logo em seguida, a visão volta a existir e um mundo, com suas vicissitudes, ri insolente aos olhos outrora acostumados com as trevas.

Vislumbre, êxtase, entusiasmo, admiração, epifania: tudo isto para dizer que eu li, não sem frissons e deslumbramentos, o romance Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.

Após arroubos elogiosos, eu nem precisaria dizer que realizar tal leitura foi um dos momentos mais luminosos da minha vida de apreciador do que no mundo chamam de Literatura, mas faço questão: eis uma obra-prima!

Quando abri as primeiras páginas desse livro, ouvi os passos, as vozes, o respirar dos Buendía. A saga desta família tornou-se imediatamente um abismo aos meus pés e eu, sem demora, nele pulei. Quando o narrador atira sobre quem lê as venturas e desventuras dessa família, o “mundo fictus” se mostra em todas as suas nuances mais criativas e vívidas.

Passagens líricas e personagens bem delineadas a partir dos processos sociais e psicológicos que as constitui são elementos mais-que-encontrados no livro em pauta. A utilização destes elementos de modo tão harmonioso o torna, sem dúvidas, um dos mais belos textos que a humanidade concebeu. Hipérbole? Talvez. Mas como não sê-lo quando se tem em mãos uma obra universal de tão amplas significações?

Mortos e vivos circundam em Macondo, e nesse universo visualizamos os empreendimentos e infortúnios dos Buendía. Assustadores escorpiões, amarelecidas borboletas, vermelhas formigas, eficientes traças são tão tangíveis que me assusto com o delicado toque do tempo que os engendra. O solo do casarão parece gritar sob efeito dos muitos passos da estirpe. Josés Arcadios e Aurelianos Buendías perscrutam os espaços dessa tela viva e ampliam as amarguras das fortes mulheres da casa. 

Fecho o livro e os olhos cansados de visualizar Macondo e abro espaço, para sempre, às personagens dessa que é uma das mais comoventes produções literárias que já tive o privilégio de ler. 

Dizem que a paixão cega o homem. Estou cego, pois estou perdidamente apaixonado. Minha cegueira, no entanto, é igual à cegueira de Úrsula, a matriarca dos Buendía, e por isso é lúcida e perspicaz.

Posso afirmar, ainda em êxtase, que tive mais que êxtase ao ler essa obra literária. Resta-me decidir, agora, se vou dar continuidade às minhas concepções pautadas na solitude, ou se vou fugir da maldição outorgada à estirpe dos que se entregam, como os Buendía, a cem anos de solidão.

Obrigado por ter existido, Senhor Gabriel Garcia Márquez!

Texto de: Émerson Cardoso

Escrito em: 06/06/2011 
Postado em homenagem a Gabriel García Márquez por ocasião de sua morte ocorrida em: 
17 de abril de 2014

NOTAS SOBRE O ROMANCE "SENHORA", DE JOSÉ DE ALENCAR


José de Alencar propõe um programa de Literatura nacional criado a partir das tradições indígenas e da descrição da natureza. Além disso, não deixa de respeitar uma rigorosa consciência estética. Escreve muitos romances que vão dos históricos, regionais, rurais, indianistas  e de costumes aos urbanos. 

O Romantismo brasileiro em prosa teve na figura de José de Alencar seu representante maior. Enquanto no Brasil existia uma comum apreciação à Literatura estrangeira, surge a ideia, por parte de alguns autores, e Alencar está incluído neste grupo, de criação de uma literatura que se pretendia nacional, seguindo as trilhas já indicadas pelos intelectuais da poesia, tida como essencialmente romântica pela construção estética e temáticas abordadas.

O romance brasileiro passa a ser apreciado - embora privilegiasse a classe aristocrática -, e passa a expor o que Schwarz* aponta como "ideologia de segundo grau", ou seja, a construção literária baseada num discurso meramente verbal, ideológico, sem efeito. O romance surge, de certa forma, para entretenimento e não para expor a realidade da sociedade brasileira. 

Dentre as inúmeras obras construídas por José de Alencar, Senhora é, de acordo com Schwarz, um dos "livros mais cuidadosos" do autor, e traz em sua constituição uma formalização estética baseada em dois estilos muito vívidos no romance: o estilo galhofeiro e, por vezes, cômico, representado pelas personagens secundárias; e o estilo sério, representado pelas personagens protagonistas. 

Schwarz afirma ser nesse segundo estilo que José de Alencar se filia à linha do Realismo, demonstrando tendências que buscam mostrar o sentido da realidade local. 

Quanto às personagens secundárias, há um poder subordinador e elas se separam das protagonistas que vivem num círculo restrito. Há um conflito no enredo da obra, mas ele se restringe à Aurélia e Seixas.

O cômico e a galhofa associados às personagens secundárias - que estão fora do círculo aparentemente formal em que se inserem as personagens protagonistas - evidenciam, apesar de certo desprestígio, a confirmação do "abrasileiramento" do romance. 

Em Senhora, duas realidades existem, embora uma se sobressaia à outra. O mundo degradado e a experiência de vida são critérios para a concepção do romance tido como Romântico. 

O romance romântico se estabelece como uma obra de edificação nacional e estabilidade comportamental, diferente do europeu. Em Senhora, as diferenças entre essência e aparência surgem de forma periférica. 

José de Alencar estabelece, num plano primário, a reprodução de conflitos europeus e valores burgueses com as personagens protagonistas, enquanto num plano secundário expõe os problemas brasileiros. O problema ético do romance advém do fato de que ele reproduz o aspecto da sociedade. Surge, dessa forma, a relação da dinâmica de favores e a questão da ideologia de "segundo grau", ou seja, o discurso político não interfere na realidade exposta. 

Apesar do desfecho patético, Senhora figura como uma das mais bem realizadas obras de José de Alencar e pode ser valorativa por trazer à tona, dentre outros temas, a força da figura feminina, a mercadologia das relações e a fragilidade do sujeito ante os sentimentalismos exacerbados. 

TEXTO: Émerson Cardoso

(Este pequeno texto corresponde a notas de um trabalho que realizei, quando aluno de graduação de Letras, na disciplina de: Literatura Brasileira: do Romantismo ao Realismo. Portanto, não se pretende amplo e apenas esboça algumas ideias que poderiam ser interessantes se fossem desenvolvidas. Fica aqui a sugestão a quem se interessar!)

* SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas: forma literária e processos sociais nos inícios do romance brasileiro. 6. ed. São Paulo: Editora 34, 2012. (Coleção Espírito Crítico)

UMA COMOVENTE HISTÓRIA DE AMIZADE CONTADA POR MAURICIO DE SOUSA










UM PROJETO OUSADO DE LEITURA



Tendo viajado para João Pessoa no início do mês de abril de 2014, decidi, para conhecer um pouco mais a cidade, andar pelas ruas do centro. 

Ao entrar num shopping, tive o privilégio de deparar-me com uma exposição de livros: um oásis. Dentre os livros, encontrei um que possuía dois volumes espessos. O título me pareceu instigante: “As obras-primas que poucos leram”, organizado pela escritora e jornalista Heloisa Seixas. Este livro apresenta artigos, de notável qualidade, escritos por diversos autores entre os anos de 1972 e 1977 na extinta Revista Manchete.

São setenta artigos que discorrem sobre obras literárias muito conhecidas e debatidas, no entanto pouco lidas. Fiquei maravilhado com os textos que os dois volumes apresentaram e os li com desespero. Tomando consciência do quão pouco eu havia lido as obras citadas, decidi realizar uma proeza de grandes proporções e que exigirá de mim dedicação e persistência: resolvi que lerei todos os livros seguindo a ordem em que estes são apresentados nos dois volumes que eu tive o privilégio de comprar por preço tão simbólico.
           
No Volume 01: 
·         O castelo, Franz Kafka
·         Grande Sertão: veredas, Guimarães Rosa
·         Em busca do tempo perdido, Marcel Proust
·         Ulisses, James Joyce
·         Dom Quixote, Miguel de Cervantes
·         Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis
·         O coração da treva, Joseph Conrad
·         Os Maias, Eça de Queiroz
·         O sol também se levanta, Ernest Hemingway
·         Orlando, Virgínia Woolf
·         Angústia, Graciliano Ramos
·         A condição humana, André Malraux
·         Pedra Bonita, José Lins do Rego
·         Bubu de Montparnasse, Charles-Louis Philippe
·         Moby Dick, Herman Melville
·         Candide, ou o otimismo, de Voltaire
·         Germinal, Émile Zola
·         Morte em Veneza, Thomas Mann
·         O falcão maltês, Dashiel Hammett
·         Os doze trabalhos de Hércules, Monteiro Lobato
·         O vermelho e o negro, Stendhal
·         O homem que foi quinta-feira, G. K. Chesterton
·         O som e a fúria, William Faulkner
·         Viagem ao fim da noite, Louis- Ferdinand Céline
·         O cão dos Baskervilles, Arthur Conan Doyle
·         Com o diabo no corpo, Raymond Radiguet
·         Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida
·         As aventuras de Robinson Crusoé, Daniel Defoe
·         O acontecimento, de Tchecov
·         A dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho
·         Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas
·         Presente de Natal, O. Henry
·         As aventuras de Tom Sawyer, Mark Twain
·         O retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde
·         Guerra e Paz, Tolstoi
       
    No Volume 02:
·         Crime e castigo, Dostoiévski
·         Madame Bovary, Flaubert
·         Os miseráveis, Victor Hugo
·         O grande Gatsby, F. Scott, Fitzgerald
·         O chamado selvagem, Jack London
·         1984, George Orwell
·         O cortiço, Aluísio Azevedo
·         Frankenstein, Mary Shelley
·         Servidão humana, W. Somerset Maugham
·         Alice no país das maravilhas, Lewis Carrol
·         A estrela sobre, Marques Rebelo
·         As minhas do rei Salomão, H. Rider Haggard
·         Filhos e amantes, D. H. Lawrence
·         A guerra das salamandras, Karel Capek
·         A sinfonia pastoral, André Gide
·         O médico e o monstro, Robert Louis Stevenson
·         Thérèse Desqueyroux, François Mauriac
·         Bola de sebo, Guy de Maupassant
·         Decameron, Boccaccio
·         Orgulho e preconceito, Jane Austen
·         David Copperfield, Charles Dickens
·         Histórias extraordinárias, de Edgar Allan Poe
·         Babbit, Sinclair Lewis
·         As maravilhas do ano 2000, Emilio Salgari
·         O tempo e o vento, Erico Veríssimo
·         Ficções, Jorge Luis Borges
·         A peste, de Albert Camus
·         As ligações perigosas, de Choderlos de Laclos
·         O anjo azul, Heinrich Mann
·         Uma tragédia americana, Theodore Dreiser
·         O apanhador no campo do centeio, J. D. Salinger
·         Contos de fadas, Hans Christian Andersen
·         Romola, George Eliot
·         Tropic de cancer, Henry Miller
·         O casamento, Nelson Rodrigues

domingo, 6 de abril de 2014

FOLHETO: "A ARTESÃ DO CHAPÉU OU (PEQUENA BIOGRAFIA DE DONA MARIA RAQUEL)"


Em um dia 15 de abril
Na cidade de Barbalha
O mundo as portas abriu
Numa casinha de palha
Lá nasceu Maria Raquel
Que faria muito chapéu
Na “terra que mais trabalha”

Dezessete o ano era
(Ainda nos novecentos)
Maria Raquel só quisera
Fugir dos vis sofrimentos 
E aqui conto sua história
Para ficar na memória 
E não se perder no tempo

Nasceu no “Santa Tereza”
Sítio barbalhense e bom
Mas a terra da riqueza
Propagada em alto som
Era o santo Juazeiro
D’um povo simples e ordeiro
De fé e paz tinha o dom

A menina se mudou
Com a família todinha
Tudo para traz deixou
Até sua boa casinha
E chegando em Juazeiro
A família foi ligeiro
Fazer uma visitinha:

Na Rua do “pai” São José
Morava o padre mais santo
Padim Ciço rico em fé
Uma alma boa, de encantos
Ele deu consentimento
À família foi dizendo:
“Procurem logo bom canto!”

A família andou e andou
Chegou num certo lugar
O pai boa terra encontrou
E juntos foram morar
A meninada crescia
Como a cidade luzia
Todo mundo a trabalhar

Maria era inteligente
Mas não podia estudar
A necessidade urgente
Do pobre, de trabalhar,
Levava Maria Raquel
A pedir a Deus do céu
Para uma arte encontrar

Talvez tenha sido assim
Que a meninota Raquel
Encontrou a arte enfim
 De fazer belos chapéus
Com palha de carnaúba
Trazidas das “Timbaúbas”
Fazer trança era seu céu

A menina então fazia
Após a palha cortada
Sempre com toda maestria
Tranças muito ordenadas
Numa “forma” costurava
A trança que enfim formava
Chapéu de palha alinhada

Maria Raquel cresceu forte
Fazendo trança e chapéu
Tristezas de toda sorte
A vida abriu como um véu 
Mas buscou sobreviver
Sem nada em vida temer
Pedindo forças a Deus

Na seca de trinta e dois
O pai foi buscar serviço
Em outros caminhos, pois
O tempo era mortiço
A mãe ficou com Maria
E um menor que morria
De lábio branco e castiço

Maria Raquel decidiu
Com Padim Ciço falar
Só em chegar já sentiu
Uma paz lhe atravessar
Passou pela multidão
Entrando no casarão
E assim pôde então falar:

“Venho pedir ao Sinhô
Pra mode minha mãe ir
E peço, por seu favor,
Pra nois ir pro Buriti
A fome devora tudo
Meu irmãozinho tá mudo
De comida a nois pedir...”

Depois de três tentativas
O Padim Ciço a olhou
Perguntou com voz ativa,
Olhar pacificador:
“Quer que sua mãe morra, quer?
Não tem fome quem tem fé!
Faça uma prece co’ardor...”

Chamou Beata Mocinha
Pediu uns tões e vinténs
Entregou-os às mãozinhas
No meio de tantos alguéns
Maria ficou tão contente
Que esqueceu, de repente,
Que a vida tem seus poréns

Mais de três meses foi lá
Em busca dos bons auxílios
Que o santo disse que ia dar
Para os seus sofridos filhos
A seca passou e a vida
Ficou menos dolorida
“O trem voltou pros seus trilhos”

Sempre foi muito teimosa
Desde sempre corpulenta
Tinha alma amistosa
Mas também era briguenta
Numa briga com o irmão
Deixou parede no chão
Foi uma briga violenta

E Maria Raquel cresceu
Tentando sobreviver
Trabalhou, lutou, perdeu
Era agora uma mulher
Sempre bondosa, mas forte
Lidou até com a morte,
De sua mãe, sempre de pé

Os filhos para cuidar
Fugir da fome severa
Muito ter que trabalhar
Virou mulher tão austera
Nunca foi fácil sua vida
Mas sempre enfrentou sua lida
Ser feliz era quimera?

 Mas um dia sorriu faceira
Quando um nobre cavalheiro
Avistou-a tão trigueira
De braços fortes, ligeiros,
Erguendo um balde de água  
Com força de quem traz mágoas
No corpo, olhos, cabelos

Nas “Timbaúbas” morava
O cavalheiro bonito
De olhar que mais azulava
Tocava o azul do infinito
Por Maria Raquel brilhou
Ele então a conquistou
O amor não era só mito!

Maria Raquel foi parteira,
Foi artesã, mãe, avó
Foi mulher trabalhadeira 
Chegou a ser bisavó
 Dia de São Pedro fazia
Renovação co’alegria
Era uma festa só!

Maria Raquel devolveu   
Com oitenta e tantos anos
A vida que Deus lhe deu
E foi morar n’outro plano
Quem sabe foi fazer chapéu
Para os santos lá do céu
Com seus dedos tão humanos!


Cícero Émerson do Nascimento Cardoso
29.11.11