quinta-feira, 7 de agosto de 2014

"EROS E PSIQUÊ" - SEGUNDO O DICIONÁRIO DA MITOLOGIA DE PIERRE GRIMAL

"A remoção de Psiquê", de Bouguereau

GRIMAL, Pierre. Dicionário da mitologia grega e romana. Tradução de Victor Jabouille. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p. 399 - 400.

"Psique é o nome em grego designa “alma”. Assim se chamava também a heroína do conto que nos foi transmitido por Apuleio, nas suas Metamorfoses. Psique, filha de um rei, tinha duas irmãs. Todas três eram de uma grande beleza, mas ela possuía uma graciosidade capaz de suplantar a de qualquer mortal. Havia mesmo quem viesse de longe só para a admirar. Mas enquanto as suas irmãs depressa arranjaram marido, a bela Psique continuava solteira: ninguém queria desposá-la, tal era o receio que a sua beleza inspirava aos candidatos. Prestes a perder a esperança de a ver um dia casada, o pai interrogou o oráculo, que respondeu que ele deveria preparar a filha como se fosse celebrar uma cerimónia nupcial, abandonando-a em seguida, num rochedo, onde um monstro horrível viria busca-la. Os pais ficaram desesperados. Vestiram contudo à filha os trajes nupciais e conduziram-na com um cortejo fúnebre até o cimo da montanha indicada pelo oráculo. Aí a deixaram sozinha, regressando ao palácio. Psique lamentava seu destino, quando de repente começou a sentir que um vento a içava e a fazia voar pelos ares. A rajada que a impeliu susteve-a docemente e depô-la no fundo de um vale, sobre uma relva macia e verdejante. Exausta pelas emoções vividas, Psique adormeceu profundamente. Quando acordou, viu à sua frente um magnífico palácio de outro e mármore. Quis entrar e pareceu-lhe que todas as portas se abriam diante dela. Foi entrando nos diversos aposentos e ouvia vozes que a guiavam e se lhe apresentavam como escravas que ali estavam para a servir. O dia passou-se assim, de espanto em espanto, de maravilha em maravilha. Ao anoitecer, a jovem sentiu junto de si a presença de alguém: era o marido de que falara o oráculo, que ela não podia ver, mas que não lhe parecia contudo tão temível e monstruoso quanto receara. Ele não lhe disse quem era e preveniu-a de que jamais o poderia ver, sob pena de o perder para sempre, se alguma vez o tentasse observar. Assim viveu a jovem durante algumas semanas: de dia, estava sozinha no palácio, ouvindo apenas as vozes que o enchiam; de noite, tinha a companhia do esposo. Sentia-se feliz. Mas um dia vieram as saudades da família e a ânsia de voltar a ver o pai e a mãe, que certamente a julgariam morta. Pediu então ao marido que a deixasse voltar algum tempo para junto deles. Depois de muitas súplicas, conseguiu convencê-lo, embora ele lhe tivesse mostrado as consequências nefastas que poderiam advir da sua ausência. O vento transportou-a de novo até ao cimo do rochedo onde havia sido exposta e não lhe foi difícil regressar ao palácio do seu pai. Fez-se uma grande festa em sua honra e as irmãs vieram de longe para a ver. Quando elas souberam que Psique era feliz, quando viram a riqueza dos presentes que ela lhes tinha trazido, sentiram uma grande inveja. Conseguiram semear a dúvida no espírito da irmã e fazê-la confessar que jamais houvera visto o esposo. Convenceram-na finalmente a esconder uma lucerna no quarto, a fim de com ela iluminar o rosto do marido misterioso quando ele estivesse a dormir – ficaria assim a conhecer aquele que a amava.
Psique voltou para o seu palácio e seguiu o conselho das irmãs. Descobriu então, adormecido no seu leito, um belo adolescente. Enternecida, comovida com a surpresa, deixou inadvertidamente cair sobre ele uma gota de azeite a ferver, de tal modo a mão lhe tremia ao erguer sobre seu rosto a lucerna. Sentindo a queimadura provocada pelo azeite, o Amor (pois era ele o Monstro cruel de que falara o oráculo) acordou e, cumprindo as ameaças que fizera a Psique, fugiu para não mais voltar.
Abandonada pelo Amor, a pobre Psique começou a errar pelo mundo, perseguida pela cólera de Afrodite, indignada pela sua beleza. Todas as divindades se recusavam a acolhê-la. A jovem fugiu até que finalmente a deusa a alcançou: levou-a então como prisioneira para o seu palácio, atormentando-a de mil maneiras, impôs-lhes múltiplas tarefas – escolher cereal, tosquiar carneiros selvagens e até descer aos Infernos. Aí deveria, por ordem de Afrodite, pedir a Perséfone um frasco cheio de água da fonte da juventude, mas não deveria abri-lo. Infelizmente, no caminho de regresso, Psique abriu o frasco e adormeceu de um sono profundo.
Entretanto, o Amor estava desesperado; não conseguia esquecer Psique. Quando a viu adormecida por acção do sono mágico, despertou-a com a ponta de uma das suas flechas e, regressando ao Olimpo, pediu a Zeus permissão para desposar aquela mortal. O deus consentiu de bom grado e a jovem reconciliou-se com Afrodite.
Os frescos de Pompeios popularizaram a figura de Psique como uma frágil donzela alada, semelhante a uma borboleta (a alma é muitas vezes concebida pelas crenças populares como uma borboleta que se afasta do corpo após a morte), brincando com Amores alados como ela". 

RESENHA CRÍTICA: "HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO", DE DANIEL RIBEIRO


HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO. Direção de Daniel Ribeiro. Produção Daniel Ribeiro e Diana Almeida. Elenco: Guilerme Lobo, Fábio Audi, Tess Amorim, Lúcia Romano, Eucir de Souza e Selma Egrei. Brasil: 2014. Filme (96 min). Drama. 

Eu havia assistido ao curta-metragem "Hoje eu não quero voltar sozinho" (2010), de Daniel Ribeiro, e ficado comovido com a história. Além de uma direção primorosa, a trilha sonora (destaque para a canção "Janta", interpretada por Marcelo Camelo e Mallu Magalhães, e "Beijo roubado em segredo", de Tatá Aeroplano e Juliano Polimeno) e o elenco eram excelentes. Soube, posteriormente, que o diretor pretendia transformar o curta em longa-metragem e aguardei, com certo receio, para ver o resultado. O filme foi apresentado aos expectadores brasileiros no primeiro semestre de 2014, com o título "Hoje eu quero voltar sozinho". 

Repetindo o sucesso do curta, que obteve mais de três milhões de visualizações no youtube, e inúmeros prêmios nacionais e internacionais, o longa conseguiu sucesso de bilheteria e também obteve inúmeros prêmios internacionais, além de ter agradado, seja num ou noutro aspecto, a crítica nacional e internacional. Destaque-se que Daniel Ribeiro, em todos os comentários da crítica especializada, foi considerado um diretor que promete grandes realizações pelo talento que demonstrou em seus filmes de estreia. Outros pontos apresentados como positivos no filme dizem respeito às atuações e ao modo como os temas são abordados na obra. 

Leonardo (Guilherme Lobo) é um adolescente cego que vive sob a proteção constante dos pais, e cuja vida restringe-se à relação que tem com sua melhor amiga Giovana (Tess Amorim), com quem estuda e com quem partilha uma profunda amizade, e seu núcleo familiar, os pais ou a avó materna, a quem visita nas quarta-feiras. Sentindo-se insatisfeito com as aparentes restrições de sua vida, e com os acirrados cuidados dos pais, Leonardo - Leo - decide informar-se sobre a possibilidade de realizar intercâmbio. Neste meio termo, surge um novo colega de sala com quem Leo e Giovana fazem amizade - ele se chama Gabriel (Fábio Audi). 

Ao longo do enredo, percebemos que Leo se sente limitado pelo fato de ser cego - o que o torna vítima de bullying -, e a este conflito da personagem assomam-se: a necessidade de sentir-se mais independente em relação aos pais, o desejo de fugir do espaço em que está inserido e tentar novos âmbitos e experiências, o conflito que surge com relação à sua melhor amiga que, quando surge o novo colega de sala, fica abalada e a descoberta da sexualidade - que passa a ser representativa em sua vida, porque ele se sente atraído fisicamente por seu novo amigo Gabriel e não sabe se é correspondido. 

A homossexualidade, tema que ainda causa polêmica em decorrência da visão restritiva de algumas pessoas, surge nessa obra sem, contudo, se encaminhar para uma tendência panfletária de alguns filmes que discorrem sobre essa temática - a relação que se constrói entre Leo e Gabriel é tratada de modo sutil, e não sem singeleza.     

Além disso, outro tema marcante é a representação da amizade: Giovana e Leo constroem um universo em que um complementa o outro de forma tão intensa que, ao chegar um novo integrante, a amizade tende a ser abalada. No entanto, na sequência do enredo, percebemos as personagens retomarem a amizade de um modo fascinante: do ciúme que faz Giovana afastar-se de Leo, ao orgulho que os impedem de rever as posturas "infantis" que um tem em relação ao outro, surgem os valores de fato da amizade: Giovana salva Leo na cena da festa em que ele seria desrespeitado pelos colegas de sala, perdoa seu suposto afastamento e o compreende com relação aos sentimentos que ele nutre por Gabriel - destaque-se que Giovana também se encontrava numa fase de evidentes mudanças em decorrência de sua idade, o que os aproximava quanto a certos conflitos. Ela, inclusive, demonstra em várias ocasiões que o ciúme que sente em relação a Leo não é somente motivado por amizade - ou, se o é, deveria ser proveniente das incertezas de sua mente adolescente em processo de amadurecimento.  

O fato de Leo ser cego - alguns preferem utilizar o termo deficiente visual, mas preferi utilizar o termo que aparece no filme sem, contudo, querer incorrer em interpretações errôneas que veem no uso deste termo qualquer teor de desrespeito - o torna aprisionado a uma rotina que o incomoda. Em vários momentos ele tenta libertar-se de seu cotidiano. Com a chegada de Gabriel, finalmente, ele passa a fazer coisas que seriam inviáveis até então: ir ao cinema, "ver" o eclipse e até andar de bicicleta. Desse modo, alterações consideráveis acontecem nessa personagem, e isso tem seu ponto máximo na mudança que ocorre em seu íntimo quando é descoberto o amor que ele sente pelo novo amigo. 

Eu, particularmente, nunca havia parado para pensar sobre como as pessoas cegas lidam consigo mesmas e com o mundo que as cercam em seus cotidianos - me fazer refletir por esta perspectiva foi uma das principais contribuições que esse filme me proporcionou. Foi interessante o modo como esse tema foi abordado - foi apresentado sem cair no melodrama, antes o apresentou com muita naturalidade. Talvez no momento em que Leo é quase vítima de uma visão restritiva do seu colega de sala, na festa, nós tenhamos presenciado o momento mais dramático do filme quanto a este assunto. A insensibilidade do colega mostra-nos que o bullying pode submeter sua vítima a situações inimagináveis de desrespeito. Portanto, não considerei esta cena uma falibilidade na obra, ao contrário: faz com que pensemos sobre até que ponto a crueldade pode ser viável em quem não tem respeito pelas limitações dos outros.

A trilha sonora, que do meu ponto de vista é tão encantadora quanto à do curta, traz algumas canções como: "Vaga-lumes cegos", de Cícero, a já citada "Beijo roubado em segredo" e "There's too much love", de Belle & Sebastian, dentre outras. 

Daniel Ribeiro é um cineasta brasileiro muito jovem. Além de "Hoje eu não quero voltar sozinho" e "Hoje eu quero voltar sozinho", ele dirigiu o também premiado curta-metragem "Café com leite" (2007). Resta-nos esperar, agora, que novos trabalhos ele nos apresentará, e torcer para que ele seja bem-sucedido em todos eles como foi com os seus filmes de estreia. 

Texto de: Émerson Cardoso

CRÔNICA: MINHAS LEMBRANÇAS SOBRE A MORTE DE LUIZ GONZAGA


Acontece que, embora o país em que eu nasci tenha tanto a lamentar em termos de produções musicais nestes últimos tempos, houve, há e haverá Luiz Gonzaga.
            Quando Luiz Gonzaga faleceu, em agosto de 1989, eu tinha entre cinco e seis anos e passava, com minha mãe e minha irmã, uma temporada na casa de um tio materno que se localizava no sopé da Chapada do Araripe – num sítio próximo ao Distrito de Santa Fé localizado entre Crato – CE e Exu – PE. O corpo do rei do baião iria de avião para Juazeiro do Norte – CE (minha cidade natal) e seguiria num cortejo para a cidade de Exu – PE, cidade em que este seria sepultado (nesta cidade Luiz Gonzaga nascera em 13 de dezembro de 1912).
            Recordo-me que, embora sem energia elétrica, na casa do meu tio havia um rádio que, sob efeito de pilhas, cantava e dava notícias – provavelmente foi assim que o povo do sítio ficou sabendo que o cortejo fúnebre, que trasladava o corpo de Luiz Gonzaga pela estrada que chamávamos de Guaribas, tão perto deles passaria – a uns três quilômetros, ou mais. Uma comitiva formou-se para presenciar o cortejo.
            Uma das mais antigas lembranças que guardo em mim, a respeito da figura grandiosa de Luiz Gonzaga, está vinculada a esse meu tio, que vivia de cantarolar músicas de Luiz Gonzaga, ensinando à minha irmã, que na época tinha de três a quatro anos, e uma terrível dificuldade de falar, a canção “Xote Ecológico”. A lembrança em mim é tão nítida que assusta. Na cena, vejo minha irmã, de curtos cabelos, cantarolando com dificuldade a canção, e todo mundo rindo da forma engraçada com que ela cantava, sob regência de meu tio.
            Não sei por que não fui ver o cortejo, mas lembro-me de que foi uma festa a ida para ver o cantador que tanto fez pelo Nordeste brasileiro em seu passeio último. Os que foram devem ter se emocionado muito ao ver a comitiva nefasta cortar a serra com o féretro do nosso representante maior.
            Luiz Gonzaga também era muito cantarolado por minha bisavó materna. Esta, que era artesã de palha de carnaúba, fazia trança de chapéu escutando rádio – a Rádio Progresso de Juazeiro, para ser mais preciso. Quantas vezes, durante toda a minha infância, a ouvi cantar uma ou outra toada que Luiz Gonzaga imortalizou. Esta minha bisavó, que era negra, tinha o rosto que muito lembrava o rosto do próprio Mestre Lua...
            Quando morei, já adolescente, com minha avó paterna, escutávamos todo domingo o programa Canta Gonzagão – ela, que sempre fora vaidosa e faceira, cantava e dançava olhando-se no espelho da sala de jantar. É difícil trazer certas cenas à tona sem morrer da pior morte!
            Nunca pude escutar a toada “A triste partida”, poema de Patativa do Assaré musicado brilhantemente por Luiz Gonzaga, sem debulhar-me em comoções. Não sei exatamente explicar, mas jamais li ou escutei esta obra sem fixar meus olhos num tempo e num espaço que sequer vivi, mas que me dói como se lá eu estivesse.
            Trabalhei por três anos numa empresa em que todo mês eu precisava viajar para uma cidade nordestina diferente – eu ministrava cursos em áreas vinculadas à comunicação e relações humanas. Eu dormia desenganadamente, certa vez, vindo da cidade de Bodocó – PE. De repente, acordei com a voz pungente de Luiz Gonzaga a gemer no refrão de “A triste partida” – fiquei perplexo, porque acordei exatamente na hora em que eu passava, já em Exu, pela casa (hoje museu) de Luiz Gonzaga. Escutei a canção em frisson incomum. E não pude me conter ao escutar o trecho: “De pena e saudade / Papai sei que morro / Meu pobre cachorro / Quem dá de comer? / Já outro pergunta / Mãezinha, e meu gato / Com fome e sem trato / Mimi vai morrer / E a linda pequena / Tremendo de medo / Mamãe meus brinquedos / Meu pé de fulô / Meu pé de roseira / Coitado ele seca / E a minha boneca / Também lá ficou”...
            Recentemente, foi realizado um filme em comemoração ao centenário de nascimento de Luiz Gonzaga – também foi apresentado em emissora aberta de televisão. Nem de longe a produção conseguiu captar a essência desse nosso cantor maior, mas ao menos serviu para que ênfase fosse dada ao aniversariante ilustre: Luiz Gonzaga nascera há cem anos e nós não poderíamos esquecer-nos de tão valorativo acontecimento.

              Se um dia o país em que vivo tiver que renegar seus grandes artistas, eu lamentaria muito porque sei que muitos artistas vivos e mortos não mereceriam tal condição, mas eu talvez, dependendo da circunstância, o perdoasse. Mas um há que eu não admitiria ser, em hipótese alguma, renegado: Luiz Gonzaga. Dele esta nação não pode abrir mão jamais! 

DICAS PARA CONSEGUIR CONCENTRAÇÃO NA HORA DE ESTUDAR

Tintin

Cada pessoa cria seu método, mas o meu consiste no seguinte:

1- Organizar o máximo de material possível sobre o assunto a ser estudado (além do texto a ser lido, faz-se necessário ter à disposição um dicionário e outros textos que possam auxiliar na compreensão do texto principal - tudo deve ficar bem próximo para que não seja necessário sair do local escolhido para o estudo);

2- Caso tenha dificuldade de concentração, recomenda-se ouvir música clássica enquanto se estuda (recomenda-se ouvir tal música em volume que não cause desconforto - se é que isto seja possível em se tratando de música clássica - eu produzo muito se estiver sob efeito da Sonata ao luar, de Beethoven);

3- Tomar notas durante a leitura, ou fazer fichamentos (uma dica neste sentido é elaborar perguntas sobre o conteúdo e/ou tentar identificar os tópicos frasais...); 

4- Conferir o dicionário sempre que houver dúvida sobre o significado de alguma palavra;

5- De tempos em tempos, tomar água e levantar-se para realizar alguns movimentos a fim de que não se tenha problemas circulatórios e dores localizadas (alongamentos ajudam muito);

6- Estipular um tempo para realizar essa ação para que a vista não fique cansada demais (eu tenho problema com relação a hora de parar, mas faz-se necessário pensar, de fato, no tempo que deve ser utilizado para o estudo; descansar a mente também faz parte do processo de assimilação de conteúdos...);

7- Não entrar na internet, desligar celular, trancar-se um pouco (pode parecer isolacionismo, mas como poderemos ler quando com amigos estamos? Um pouco de solidão pode nos proporcionar espaços de muita aprendizagem).


No mais, é isso... Depois de escrever bem muito o bom é tomar banho, fazer chá com pouco açúcar e assistir, para descansar a mente, o seriado The Big Bang: Theory.

RESENHA CRÍTICA DO LIVRO: "EU TENHO MEDO DE GÓRKI & OUTROS CONTOS", DE ÂNGELA CALOU


CALOU, Ângela. Eu tenho medo de Górki & outros contos. Fortaleza: Gráfica LCR, 2011. 

A obra Quem tem medo de Górki & outros contos, de Ângela Calou, apresenta contos cuja principal marca é a construção de personagens delineadas por acessos de conflitos psicológicos intensos. Estes conflitos, que surgem a partir de contextos diversos em que as personagens estão inseridas, criam no leitor o desejo de adentrar a trama narrativa e ser partícipe do universo que a autora tece criativamente.

O livro, que também apresenta um trabalho primoroso de capa e design gráfico, rendeu à autora o Prêmio Moreira Campos de Contos do ano de 2010, e é composto por 22 contos. Com prefácio de Tércia Montenegro, apresentação de Pedro Salgueiro e posfácio d’O Poeta de Meia-Tigela, essa obra, aclamada sobretudo pela originalidade do estilo, aponta para um talento que dificilmente arrefecerá, tamanho se mostra em suas peculiaridades.

Tércia Montenegro, a propósito dessa obra, afirmou que foi fisgada logo pelo primeiro conto que leu: Alameda do Castelo nº 1824. Eu, no entanto, me senti fisgado, desde a minha primeira leitura, pelo conto: Joana no dia de seu avesso. A personagem evocada no título, cujo nome e “ações” poderiam nos remeter à santa do hagiológio católico Joana D’Arc – santa que foi considerada louca, condenada à morte e, posteriormente, canonizada como virgem mártir pela mesma igreja que a vitimou –, pareceu-me intrigante já no primeiro contato. Se não bastasse a propensão a ser cerceada por um universo falocêntrico que poderia subalternizá-la em sua condição de mulher, Joana “enlouquece” e é confinada em um hospital psiquiátrico. Mais uma vez o vínculo com o hagiológio surge na imagem mais que lírica da possível morte de Joana que, como nos apresenta a autora, ateou fogo ao próprio corpo (CALOU, 2011, p. 28): “Foi então que, numa Sexta-feira da Paixão, Joana, a louca, [...] sentiu um frio sem precedentes e, para aquecer-se, ao perceber já não haver ali mais nada a ser queimado, ateou, distraidamente, fogo ao próprio corpo”. Suicídio, ou acidente, já que foi distraidamente que Joana, a louca, atirara fogo ao próprio corpo?

Outro conto que suscita dúvidas: teria Antoine sido morto literalmente, ou seria uma metáfora criativa de um narrador que precisava libertar-se de um sentimento patético que o vinculava a este? E se morrera de fato, teria Antoine fingido que estava morto apenas para, ao retornar, meter medo em quem tentara matá-lo? E se o retorno de Antoine não for senão fruto de uma consciência atormentada que o ressuscitou dos mortos para atirar contra si mesma a punição por não mais comportar, silenciosamente, a culpa por um gesto de necessária libertação?

Enquanto Antoine volta, Claus vai embora. E mais um mistério nos é atirado contra o rosto: aonde foi esta personagem controversa? E como não fosse suficiente esta indagação, surge uma nova: e se Claus não tiver existido? Eis a pergunta que o narrador faz a si mesmo para, em seguida, tentar convencer-se de que esta personagem de fato existira (ibidem, p. 29 – 30): “Penso [...] ser muito razoável que tenha existido, pois em um canto atrás das roupas escondo um papelzinho com sua assinatura [...]”.

E em outros janeiros – mês que aparece com obsessão em vários contos da autora e que nos possibilita a hipótese de relacioná-lo à ideia de que, sendo o primeiro mês do ano, seria também representativo de um possível recomeço, de uma aparente iniciação – surgem outras personagens complexas que merecem ser analisadas em seus psicologismos. 

Devo lembrar que, ao desenvolver alguns contos com o foco narrativo autodiegético, a autora consegue desenvolver o fluxo de consciência que a aproxima dos contistas intimistas que repensaram o gênero conto – gênero cujas abordagens teóricas não definitivas ainda se esforçam para conceituar, delimitar, sempre com insucesso, como se tem constatado.   

Para mim, dentre as personagens, valor incalculável atribuo – claro que Joana ainda é a minha preferida! – à personagem Beethoven do conto Quase uma fantasia. A pergunta que norteia as incursões sobre esta personagem ecoará por muito tempo em minha mente (ibidem, p. 47): “É que Beethoven foi aos poucos ensurdecendo ou foi o mundo quem de repente emudeceu?” Parece que outras perguntas poderiam existir paralelas a esta, instigadas pela ideia que surge nas entrelinhas do texto, dentre as quais destaco a seguinte: o homem aos poucos perdeu o sentido ante a existência que sequer lhe foi dada escolher, ou foi o mundo que não mais o possibilitou pensar sobre si mesmo massacrando-o com uma existência vazia e inexpressiva?

Além dessas reflexões que os contos que compõem essa obra nos instigam, as personagens Hilde, Céu, Dóris, Rosa Mauveira, Cabelo do Cão, Amábile, Querubim, dentre outras, foram idealizadas e concretizaram-se por meio de uma linguagem trabalhada que torna o texto lírico e inovador. O tom irônico, as metáforas, as gradações, as aliterações doam teor de prosa-poética ao texto. 

Um exemplo rápido  para não dizer que não exemplifiquei nada a que aludi neste ponto desta breve apresentação  salta aos olhos no conto Antoine voltou a pé. Refiro-me à metáfora que é construída por meio de uma aliteração mais-que-bem-trabalhada (ibidem, p. 19): “Ocorre-me, porém, a cruel possibilidade da dúvida, a faca cega do engano afiada na pele, na ausência de pedra-pome”. A propósito da ironia, um exemplo perfeito poderia ser localizado no conto Joana em dia de seu avesso (ibidem, p. 27): “Quando passou a vestir roupas avessadas foi convidada a vesti-las adequadamente ou retirar-se do restaurante na cadência doce dos empurrões”.

Mais que recomendável, esta obra deve figurar como um exemplo de que o conto pode ser ressignificado quando a mão que o empreende sabe o que faz por estar movida pelo talento, marca mais que perceptível na obra de Ângela Calou. Diferente do narrador do conto que intitula a obra, que diz (ibidem, p. 44): “Eu tenho medo de Górki e nunca, nunca vou tomá-lo em minhas mãos”, devo dizer, parafraseando-o, desta feita referindo-me ao livro dessa contista minha conterrânea, que: eu não tenho medo do Eu tenho medo de Górki & outros contos e sempre vou tomá-lo em minhas mãos para reviver suas personagens.

Por fim, devo dizer que Ângela Calou, nascida em Juazeiro do Norte – CE, além de poetisa e contista, é Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará – UFC – e Mestra em Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB.  


 Texto de: Émerson Cardoso



LEITURA: SONETO DE RACHEL DE QUEIROZ INTITULADO: " ? "



Em 2010, por ocasião do Centenário de Nascimento de Rachel de Queiroz, vários autores escreveram ensaios sobre a obra desta escritora cearense cuja obra apresenta o universo feminino tendo como cenário, na maior parte dos seus escritos, a paisagística nordestina. Rachel de Queiroz escreveu, além de romances, crônicas e peças teatrais, poemas, em sua juventude - que ela jamais permitira, nem permitiria, que fossem publicados. Sânzio de Azevedo¹ discorre sobre esta produção poética, que a autora tanto desprezou, no ensaio: Rachel de Queiroz e a Poesia. A seguir, leiamos um dos poemas que ela produziu, antes dos dezessete anos, utilizando-se do seu pseudônimo mais famoso: Rita de Queluz. Trata-se de um soneto publicado, provavelmente, segundo Sânzio de Azevedo, na revista Ceará Ilustrado, em 02 de março de 1927, cujo título é marcado por um questionamento representado pelo sinal de interrogação: " ? "

?

- Mas onde Deus? Quem sabe? O Buda do oriente
a cruzar sob o ventre as pernas imortais?
- Zeus, no trono do Olimpo, a beber sorridente
O néctar de rubi que Hebe divina traz?...

- Alá, dando a Maomé o Corão e o crescente
que no Islã simbolizam os supremos fanais?
- Feroz Odin germano a cavalgar à frente
Das valquírias que correm em campos siderais?...

- E o místico rabino, o doce Galileu, 
Que mesmo do madeiro, ante a turba que o chora, 
Ainda fala do amor do pai que está no céu?...

- As divindades surgem em legiões imensas...
E o homem a cada uma incensa, louva, adora
na confusão sem fim dos deuses e das crenças...

¹AZEVEDO, Sânzio. Rachel de Queiroz e a Poesia. In: Rachel de Queiroz: uma escrita no tempo: ensaios. Fortaleza: Demócrito Rocha, 2010. p. 89.