quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

RESENHA: "O MÁGICO DE OZ", DE VICTOR FLEMING


Em 1939, Victor Fleming adaptou para o cinema a obra de L. Frank Baum The wizard of Oz (1900) – no Brasil, O mágico de OZ. A protagonista, Dorothy, é levada por um tornado para uma terra mágica e, na tentativa de voltar para seu lar, ela é informada de que precisa encontrar-se com o grande mágico de Oz na Cidade das Esmeraldas, pois somente assim ela poderia realizar seu desejo.   
Em sua jornada, Dorothy encontra-se com personagens que, assim como ela, também têm um desejo a realizar: o espantalho busca um cérebro, o homem de lata busca um coração e o leão covarde busca coragem. Nesta caminhada, somos apresentados à marcante trilha sonora do filme e a acontecimentos que nos instigam a refletir sobre temas diversos e que podem nos comover profundamente. 
Indicado a seis Óscar, esse filme venceu nas categorias Melhor Trilha Sonora e Melhor Canção Original. A canção Over the rainbow é considerada uma das mais belas do cinema, e tem sido amplamente revisitada em gravações as mais diversas. Os muitos problemas de produção não afetaram a qualidade desse filme considerado um dos maiores filmes de todos os tempos. De acordo com a Greatest Movie Musicals, do American Film Institute, que em 2006 apresentou uma lista dos 25 maiores filmes musicais, O mágico de Oz ocupa o terceiro lugar da lista.  
 Esse filme é grandioso esteticamente e, sobretudo, pelas reflexões que suscita. Dentre as frases de efeito marcantes, que localizamos em seus diálogos mais que criativos, destacamos a que é dita pelo mágico de Oz ao homem de lata, por ocasião da entrega do coração que este tanto queria: “Um coração não se julga por quanto você ama, mas por quanto você é amado pelos outros”.

CARDOSO, Cícero Émerson do Nascimento. Resenha: “O Mágico de Oz”, de Victor Fleming. Sétima Revista de Cinema, n. 39, p. 10, jan. 2017.  



RESENHA: "O PEQUENO PRÍNCIPE", DE STANLEY DONEN


Algumas pessoas têm resistência a filmes musicais – eu não. Eu gosto muito deles. Agora, imaginemos um musical adaptado de uma das mais populares obras literárias do mundo – não tenho como não gostar!
O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, foi adaptado por Stanley Donen em 1974. Com canções entre divertidas e líricas, como It’s a hat, Be happy e A snake in the grass, encontramos nele excelentes canções. Considero que as atuações merecem elogios, assim como alguns cenários e efeitos especiais. A adaptação também tem seus valores.
O Príncipe que veio do asteroide B-612, e encontrou-se no deserto do Saara com um piloto que sofrera um acidente aéreo, foi uma personagem que me marcou profundamente na infância. Eu me perdia em pensamentos, quando criança, na tentativa de entender o porquê de o Príncipe viver no asteroide sozinho, sem pai nem mãe, e andar naquela pequena morada sem, contudo, cair no espaço para sempre – eu não contava com a astúcia da gravidade, claro. Era tudo tão mágico para mim!
Eu assisti a essa versão de um dos livros que mais li na vida quando já era adulto, no entanto foi como se eu voltasse a viver os sentimentos que eu resguardava em mim quando eu era criança. Foi uma experiência triste, porém gratificante.
O Pequeno Príncipe, de Donen, é um clássico. Vale a pena assisti-lo e reassisti-lo, certamente. Claro que é necessário recorrer à sensibilidade que, por vezes, perdemos quando a vida adulta já nos impõe que o que era mágico agora é absurdo, ilógico e impossível. Nesta perspectiva, cabe retomar a já mil vezes citada frase do livro: “Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”.

CARDOSO, Cícero Émerson do Nascimento. Resenha: “O Pequeno Príncipe”, de Stanley Donen. Sétima Revista de Cinema, n. 39, p. 09, jan. 2017.  


RESENHA: "O FIM E O PRINCÍPIO", DE EDUARDO COUTINHO




O fim e o princípio foi o primeiro filme de Eduardo Coutinho que eu assisti. Ele é de 2005 e apresenta depoimentos colhidos numa comunidade do interior da Paraíba. A comunidade retratada é o Sítio Araçás, localizado em São João do Rio do Peixe.
           A maior parte dos depoimentos é de pessoas idosas – personagens de um universo austero, mas rico de experiências existenciais e sabedorias adquiridas pela intensa relação com o sertão e suas riquezas simples.
Recolhidas em seus anonimatos, essas personagens do mundo real, tão encontráveis no sertão nordestino, discorrem sobre suas histórias familiares, crenças, experiências de trabalho, alegrias e sofrimentos diários. Sem um roteiro prévio, Coutinho propõe uma abordagem inovadora e criativa ao construir sua obra a partir das tessituras narrativas apresentadas pelos moradores de Araçás. Em verdade, o cineasta visita os moradores da localidade, elabora perguntas aleatórias e registra os depoimentos de modo que nos sentimos bem próximos deles.  
Nesse documentário, somos apresentados, a cada visita, à beleza da prosa sertaneja repleta de histórias envolventes. É instigante observar o registro das idiossincrasias linguísticas e das práticas culturais que marcam a vida dessas personalidades. Rezadeiras, parteiras, agricultores, poetas, pensadores, donas de casas tecem, com suas narrativas, uma colcha de retalhos alinhavada com as cores da vida em suas amplas potencialidades. 
Para mim, é impossível assistir a esse filme sem me comover profundamente. Em alguns momentos, a câmera apresenta em close o olhar dos entrevistados e isto, definitivamente, dá-nos a sensação de que podemos mergulhar no universo dessas personalidades e, assim, apreendermos delas as mais densas sensações.


CARDOSO, Cícero Émerson do Nascimento. Resenha: “O Fim e o Princípio”, de Eduardo Coutinho. Sétima Revista de Cinema, n. 39, p. 04, jan. 2017.  

RESENHA: "O FILHO DE SAUL", DE LÁSZLÓ NEMES




Sófocles legou ao Ocidente, com a personagem Antígona, que tenta sepultar seu irmão Polinice independentemente da oposição de Creonte, um dos maiores modelos de abnegação, persistência e devoção fraterna de todos os tempos.
Enquanto na tragédia grega Antígona defende seu ethos familiar, e paga um alto preço por isto, no filme O Filho de Saul (2015), longa de estreia do diretor húngaro László Nemes, deparamo-nos com um pai que tenta, a todo custo, preparar o corpo do filho para o sepultamento.
Este filme apresenta uma abordagem inovadora para a temática do holocausto – tema muito explorado, mas inesgotável em suas possibilidades de análise e reflexão sobre a condição humana. László Nemes posiciona a câmera na maior parte do tempo às costas de Saul – interpretado pelo ator húngaro Géza Röhrig – e, através deste mecanismo, leva-nos a enxergar as cenas contundentes do campo de concentração sob o ângulo de visão do protagonista. Saul, que realiza a função de limpar câmaras de gás no campo de concentração em que está confinado, tem uma meta: ao encontrar o corpo do filho entre os de outros judeus decide dar um sepultamento digno a ele.
Para cumprir sua meta, inúmeros empecilhos se impõem em sua trajetória. Jogos de poder, nos bastidores do campo de concentração, tornam sua meta uma árdua batalha contra suas próprias limitações e contra o sistema totalitário que o torna vulnerável, mas que não o impele a arrefecer em sua missão autoimposta.
            Assistir a este filme vencedor do Grande Prêmio do Festival de Cannes, do Globo de Ouro e do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, foi uma experiência enriquecedora. Do ponto de vista estético, o filme excede em lirismo, beleza e acuidade técnica. Do ponto de vista temático, deparamo-nos com temas como a impotência humana, a perda diante da morte, a persistência resultante de uma meta que o indivíduo assume para si. Consideramos que o tema desse filme é, por excelência, a barbárie humana e o que dela resulta: a coisificação do homem, o poder e sua tendência destruidora e, sobretudo, a morte e suas consequências nefastas para quem tem que lidar com o luto.
            Ao tentar sepultar o filho, Saul nos aproxima de um cenário absurdo – o campo de concentração é a barbárie humana em sua forma concreta, tangível e avassaladora. Somos levados, através do olhar dessa personagem silenciosa, a percorrer sendas infernais que nos conduzem para sensações de sufocamento e impotência. O olhar de Saul, no entanto, grita como na tragédia grita Antígona diante da tirania de Creonte, rei de Tebas: “Deixa-me, deixa que minha loucura se afunde em horrores. Não padecerei, com certeza, nada que não seja morrer gloriosamente”.


CARDOSO, Cícero Émerson do Nascimento. Resenha: “O Filho de Saul”, de László Nemes. Sétima Revista de Cinema, n. 39, p. 17 – 18, jan. 2017.