Resultante
de pesquisas realizadas no Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade
Federal da Paraíba, a obra "Machado de Assis desce aos infernos"
reúne ensaios que se remetem à contística deste que é considerado um dos
maiores expoentes da Literatura Brasileira. Dentre os ensaios que compõem esta
obra, tratarei, brevemente, sobre o primeiro deles: "A consagração
da impertinência (Machado de Assis, Borges, Guimarães Rosa e a teoria do
conto)", do Prof. Dr. Arturo Gouveia.
Neste texto, o ensaísta discorre sobre o fato de que alguns
estudiosos, ao tentar teorizar o conto, restringem-se a construir concepções
por vezes generalizantes e inadequadas sobre o assunto. Com as variantes que o
gênero comporta, determinar as diretrizes que devem nortear a análise do conto
pode se caracterizar como um problema.
Inicialmente, o ensaísta apresenta
as incursões teóricas sobre o conto apontadas por Julio Cortázar. Para Cortázar
– que sequer concebe seu texto como teoria, uma vez que seu texto trata-se de
uma conferência proferida em Cuba com acentuado teor político – sua discussão
sobre o tema caracteriza-se apenas como uma tentativa de apontar os aspectos
mais recorrentes do gênero conto, e centra-se, nesta perspectiva, muito mais numa
abordagem que critica o (p. 14) "realismo ingênuo e de compreensão
imediata, instrumentalizado pela revolução".
Após apontar incongruências no
discurso de Cortázar, sobretudo no que concerne ao perceptível lirismo com que
este trata o tema, o ensaísta afirma que as inferências deste escritor, assim
como as de Edgar Allan Poe, "chegaram a constituir escola" e pouco,
ou o que é pior, "nada de substancial" acrescentaram à teoria
literária.
O autor do ensaio ataca, também, a
visão de Anderson Imbert que parte do existencialismo para estipular as
concepções que, do ponto de vista deste estudioso, seriam imprescindíveis para
a compreensão do conto. Essas concepções seriam "inconvincentes",
além de coadunarem com as já repetidas pelos demais teóricos.
As concepções de Massaud Moisés são
também discutidas pelo ensaísta que admite considerar válidas algumas delas.
Este teórico teria, ao referir-se à estrutura do conto a partir de unidades,
utilizado apenas exemplos cabíveis às suas explanações, mas teria deixado de
lado outros exemplos que contrariariam suas ideias. Uma das falhas cometidas
por esse teórico, segundo o autor deste ensaio, diz respeito ao fato de que sua
visão se adéqua à tendência tão comum de alguns teóricos que costumam
universalizar "deduções particulares" criando "dogmas" que
pouco podem contribuir para a ampliação do conhecimento científico.
Ao longo da discussão, são
explanados conceitos como: significação, intensidade e tensão. O autor do
ensaio tece críticas a Cortázar desta feita por ele discutir estes conceitos de
modo "superficial e insuficiente". Em seguida, o ensaísta elabora uma
explanação sobre contos que seriam denominados "atípicos", ou seja,
contos que transgridem ao aspecto tradicional das (p. 45) "unidades de
tempo, espaço, ação e tom." Neste caso, ele aponta as ideias propostas por
Massaud Moisés que enfatiza as unidades em suas incursões sobre a estrutura do
gênero.
Contos de autores como Jorge Luís
Borges, João Guimarães Rosa e Machado de Assis são utilizados pelo ensaísta como
exemplos profícuos na tentativa de refutar os paradigmas estipulados por esses
teóricos muitas vezes equivocados em suas afirmações. Inúmeras dessas
concepções perderiam a utilidade se fossem utilizadas para analisar, conforme
muito bem aponta o ensaísta, para ficarmos apenas com um exemplo, textos cuja
narrativa se estabeleceria por meio do fluxo de consciência.
O autor conclui seu texto afirmando
que (p. 80) "ou a teoria do conto parte para uma maior operacionalidade de
seus princípios, o que requer revisão categórica de suas concepções fechadas,
ou corre o risco de tornar-se obsoleta e improdutiva."
O Prof. Dr. Arturo Gouveia
realizou, portanto, um trabalho imprescindível para quem pretende compreender
como têm se estabelecido na atualidade as tentativas de teorização do conto. Ao
longo de suas sessenta e nove páginas, este ensaio traça uma valiosa
contribuição sobre o gênero com uma linguagem objetiva, uma acuidade analítica
incontestável e uma coerente, e substancial, discussão teórica que poderá
redimensionar as discussões sobre o gênero no país.
Arturo Gouveia é Doutor em Teoria
Literária e Literatura Comparada pela USP, Professor Adjunto da Universidade
Federal da Paraíba, poeta, romancista e ensaísta. Escreveu, dentre outras
obras, "O Evangelho segundo Lúcifer" e "Santíssimas
Trevas".
Texto de: Émerson Cardoso
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