FLORBELA ESPANCA
Florbela d'Alma da Conceição
Espanca nasceu no dia 08 de dezembro de 1894 e morreu, aos 36 anos, no dia 08
de dezembro de 1930. Esta poetisa tem hoje seus versos admirados em todos os
cantos do mundo, diferentemente do que aconteceu quando ainda viva, época em
que foi praticamente ignorada pelos apreciadores da poesia e pelos críticos de
então. Os dois livros que publicou, por sua conta, foram o “Livro de
Mágoas” (1919) e “Livro de ‘Sóror Saudade’” (1923). Às vésperas da publicação
de seu livro “Charneca em Flor”, em dezembro de 1930, Florbela pôs fim à sua
vida. Tal ato de desespero fez com que o público se interessasse pelo livro e
passasse a conhecer melhor a sua obra. Dizem os críticos que a polêmica e o
encantamento de seus versos é devido à carga romântica e juvenil de seus
poemas, que têm como interlocutor principal o universo masculino.
n Difícil
de classificar, a obra de Florbela Espanca é romântica à medida que se centra
na expressão do Eu; é clássica pelo primor com que desenvolve o Soneto, embora
se permita a certas liberdades formais; é simbolista pela realização de poemas
em que se valoriza a sonoridade das palavras, a musicalidade.
n A
poesia de Florbela Espanca, mais expressiva no Soneto do que nas quadras,
apresenta elementos fundamentais: a expressão da Dor em várias situações conduz
ao confronto do “Eu” com outros “Eus”. A
Dor, para a poetisa, surge em suas mais diversas nuances:
n Dor
existencial que caracteriza o ser humano tornando-o distinto de outros animais;
n Mágoa
que está, de certo modo, ligada à sua sensação de que nascer foi uma dor
inevitável;
n Solidão
surge, na obra da poetisa, com certa contradição: ela se isola por que sofre,
ou sofre por estar isolada?
n A
natureza surge, em diversos textos, como elemento através do qual ela projeta
seus estados de espírito;
n Amargura
se percebe como decorrência da dor e solidão que a afetam, tornando-a uma
pessoa amarga e insatisfeita, angustiada;
n A
frustração acontece por não atingir seus objetivos e sentir a sua vida transformar-se
em algo ilógico;
n Há
uma busca intensa, apesar das adversidades, de ver realizados os seus sonhos –
prefere sofrer por amor e crescer com essa experiência do que não sofrer e não
ter oportunidade de crescimento;
n Há
uma entrega irrestrita levada às últimas consequências;
n Demonstra
um medo ocasionado pelas diversas experiências de sofrimento vivenciadas ao
longo de sua existência – e que está expresso ao longo de sua produção poética;
n O
Amor surge como um dos elementos mais fortes da sua lírica, e é apresentado
como uma das causas da sua sensação de angústia e frustração existencial; há
momentos, no entanto, em que o Amor surge como algo a ser exaltado, a ser
buscado com ardor e como fonte inesgotável de bem-estar e realização pessoal;
n Apesar
da vida apresentar um lado bom e mau, e o Amor representar possível sofrimento,
a poetisa convida à exaltação da vida através de três categorias: os boêmios,
os vagabundos e os poetas – sobretudo os poetas, seres capacitados a enfrentar
a vida livremente.
AMAR
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... Além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
(Charneca em flor)
SER POETA
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede do Infinito!
Por elmo, as manhãs de ouro e de cetim
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te assim perdidamente
E seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente.
(Charneca em flor)
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede do Infinito!
Por elmo, as manhãs de ouro e de cetim
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te assim perdidamente
E seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente.
(Charneca em flor)
IN MEMORIAM
(Ao meu morto
querido)
Na cidade de
Assis, “Il Poverello”
Santo, três
vezes santo, andou pregando
Que o sol, a
terra, a flor, o rocio brando,
Da pobreza o
tristíssimo flagelo,
Tudo quanto há
de vil, quanto há de belo,
Tudo era nosso
irmão! – E assim sonhando,
Pelas estradas
da Umbria foi forjando
Da cadeia do
amor o maior elo!
“Olha o nosso irmão
Sol, nossa irmã Água...”
Ah, Poverello!
Em mim, essa lição
Perdeu-se como
vela em mar de mágoa
Batida por
furiosos vendavais!
- Eu fui na vida
irmã dum só Irmão
E já não sou
irmã de ninguém mais!
(Charneca em flor)
NEURASTENIA
Sinto hoje a alma cheia de tristeza!
Um sino dobra em mim, Ave Marias!
Lá fora,a chuva, brancas mãos esguias,
Faz na vidraça rendas de Veneza...
O vento desgrenhado, chora e reza
Por alma dos que estão nas agonias!
Flocos de neve, aves brancas, frias,
Batem asas pela natureza...
Chuva... tenho tristeza! Mas por quê?
Vento... tenho saudades! Mas de quê?
Ó neve, que destino triste o nosso!
Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu não posso!!...
(Livro de mágoas)
Sinto hoje a alma cheia de tristeza!
Um sino dobra em mim, Ave Marias!
Lá fora,a chuva, brancas mãos esguias,
Faz na vidraça rendas de Veneza...
O vento desgrenhado, chora e reza
Por alma dos que estão nas agonias!
Flocos de neve, aves brancas, frias,
Batem asas pela natureza...
Chuva... tenho tristeza! Mas por quê?
Vento... tenho saudades! Mas de quê?
Ó neve, que destino triste o nosso!
Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu não posso!!...
(Livro de mágoas)
A MINHA DOR
A minha Dor é um
convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.
Os sinos têm dobres d’agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E todos têm sons de funeral.
Ao bater horas, no correr dos dias...
A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!
Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve... ninguém vê... Ninguém...
(Livro de mágoas)
FUMO
Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!
Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!
Os dias são outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...
Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...
(Livro
de “Sóror Saudade”)
FRIEZA
Os teus olhos são frios como as espadas,
E claros como os trágicos punhais;
Têm brilhos cortantes de metais
E fulgores de lâminas geladas
Vejo neles imagens retratadas
De abandonos cruéis e desleais,
Fantásticos desejos irreais,
E todo o oiro e o sol das madrugadas!
Mas não te invejo, Amor, essa indiferença,
Que viver neste mundo sem amar
É pior que ser cego de nascença!
Tu invejas a dor que vive em mim!
E quanta vez dirás a soluçar:
“Ah! Quem me dera, Irmã, amar assim!...”
(Livro de “Sóror Saudade”)
DEIXAI ENTRAR A MORTE
Deixai entrar a Morte, a Iluminada,
A que vem para mim, pra me levar.
Abri todas as portas par em par
Como asas a bater em revoada.
Que sou eu neste mundo? A deserdada,
A que prendeu nas mãos todo o luar,
A vida inteira, o sonho, a terra, o mar,
E que, ao abri-las, não encontrou nada!
Ó Mãe! Ó minha Mãe, pra que nasceste?
Entre agonias e em dores tamanhas
Pra que foi, dize lá, que me trouxeste
Dentro de ti?... Pra que eu tivesse sido
Somente o fruto amargo das entranhas
Dum lírio que em má hora foi nascido!...
(Reliquiae)