Juazeiro do Norte - CE, 06 de setembro de 2022
Caro sobrinho Paulo Henrique,
Resolvi dar de presente, neste seu aniversário de dezoito anos, o que de mais importante eu poderia oferecê-lo: minhas palavras escritas nesta que se pretende uma carta pessoal não muito extensa, porque você anda preguiçoso demais e tem fugido de leituras.
Para começar, lembro-me de que fiquei em choque quando sua mãe (minha irmã muito querida) disse que estava grávida. Fiquei em choque porque, na ocasião, a idade dela era a mesma que você tem hoje. Seu pai e sua mãe, aliás, tinham a mesma idade, isto é, eram jovens demais, na minha concepção, para colocarem uma criança no mundo. Eles moravam em bairro distante, de modo que não tínhamos tanta proximidade na ocasião da boa nova propagada sobre os telhados.
Quando você nasceu, em um dia de segunda-feira, véspera do feriado no qual se comemora a "independência" do Brasil, eu experimentei sensações contraditórias: se, por um lado, fiquei alegre, porque o parto aconteceu dentro da normalidade (você e sua mãe estavam bem), por outro, fiquei triste porque eu analisava, já naquela época, que colocar uma criança no mundo era um problema filosófico sem precedentes. Sim, porque sua mãe e eu tivemos uma infância e adolescência difíceis demais. Eu temia, portanto, que isso também viesse a acontecer com você. A vida nem sempre é uma festa repleta de risos, de doces e de cores agradáveis em torno de uma mesa que resplandece sob efeito de flashes. A vida, em verdade, tem a mania de ser em preto e branco e, por vezes, festejar é um luxo de poucos.
Você nasceu no ano bissexto de 2004. Neste ano, tínhamos perdido, em abril, nossa bisavó materna: Dona Maria Raquel. Estávamos sobrevivendo ao luto. Para mim, foi como se você fosse amenizar o vazio deixado com a partida dela.
O dia do seu nascimento é uma data que tem desde a oficialização do Hino Nacional Brasileiro, de autoria de Joaquim Osório Duque Estrada, em 1922, até o aniversário de uma figura como Di Cavalcante (pintor brasileiro). Você nasceu sob o Signo de Virgem, somos do Elemento Terra, por isso nos damos tão bem?
Você nasceu rodeado de nomes de santos, afinal é juazeirense: a maternidade se chama São Lucas (sua mãe e eu nascemos nela também), localizada entre a Rua São Benedito, a Rua Santa Tereza, a Rua São Francisco e a Rua da Conceição. Ela fica ao lado da Igreja de São Miguel. A Igreja Católica, nesse dia, celebra o dia de São Liberato de Loro.
Por falar em nome, você iria se chamar Erick, mas seu pai optou por utilizar dois nomes: Paulo (nome de Saulo após sua conversão) e Henrique (nome vinculado à realeza). Ao pesquisar mais pormenorizadamente, Paulo Henrique significaria o pequeno rei da casa. Faz sentido, então, seu nome. Para sua avó, sobretudo, você é, desde sempre, o pequeno rei da casa e do coração dela.
Na sua primeira infância, você viveu entre as cidades de Juazeiro do Norte e de Crato. No Juazeiro, conviveu com seus familiares paternos (a bisavó e o avô, infelizmente, já se foram) e, no Crato, conviveu com sua avó materna (também as duas tias mais novas). Com sua avó, você viveu longas temporadas no sítio em que ela morava. Ela comentou que sua infância foi tumultuada, a ponto de você quase ter pisado em uma cobra coral, de ter brincadeiras periculosas como perseguir sapos, de quase ter sido fulminado por um raio, dentre outras coisas.
Ao retornar para Juazeiro, você começou a estudar efetivamente. Sempre me chamou atenção o fato de que você gostava demais de datas comemorativas, de festas, de eventos da escola. Parece uma predisposição para celebrar, para divertir-se, para coisas mais aproximadas do riso do que das melancolias. Suas escolas, desde o primeiro momento, foram particulares. Sua mãe sempre trabalhou para dar a você o que ela considerava a melhor Educação.
Por falar em Educação, lembra que eu fui o primeiro a dar um livro de presente a você? Lembra que eu o fiz ler dez livros infantis nas férias de 2013? Lembra que eu o levei diversas vezes para peças teatrais nos sábados do CCBNB-Cariri? A propósito, um dos mais lindos espetáculos que já vi, intitulado Felinda, apresentado na Praça Padre Cícero, eu estava ao seu lado, recorda?
Vimos muitos filmes juntos, também séries, vídeos etc. Gosto de assistir ao meu desenho animado favorito com você: Os Cavaleiros do Zodíaco. Também sua companhia é a melhor para assistir filmes de comédia, de aventura e de animação. Nada pode ser melhor do que fazer pipoca, produzir algum suco e assistir, até altas horas, aos filmes de nossa predileção - incrível como temos gosto parecido.
Sabia que um dos melhores livros que eu li foi em sua companhia? Lemos O Hobbit juntos, anotando trechos, fazendo as vozes das personagens, rindo ou nos emocionando. Sabia que esse foi um dos melhores momentos de minha vida? No final do livro, eu caí no choro. Você deve se recordar disso, porque não deve ter me visto chorar muitas vezes. Nem sei ao certo o porquê do choro: se foi porque o livro chegou ao fim, se foi porque nossa leitura divertida tinha acabado ou se porque você realizou, naquele momento, o meu sonho de ler com meu filho (que não tive e não terei) uma obra literária que nos transformasse de algum modo.
Depois do livro, fizemos uma maratona para assistir O Hobbit: você, seu irmão Paulo Victor e eu. Essa foi uma das noites mais felizes. Havia pipoca para todo lado e a alegria de poder compartilhar a experiência de ler uma obra e ver sua adaptação para o cinema. No final do ano, fizemos o chá d'O Hobbit, com direito a RPG, biscoito élfico e muita diversão. Esse foi outro momento inesquecível.
Quando preparávamos a festa, fazendo o biscoito élfico, lembrei daquele dia em que, altas horas, fui fazer panquecas e terminei fazendo outra receita. Sim, porque errei a receita e como saldo tivemos muita bagunça e riso. Lembra? Outro dia rimos muito em torno de minhas trapalhadas no preparo de um molho de beterraba. Aí estava em pauta meu embate muito comum com sua avó, que você costuma achar muito engraçado.
Você é uma excelente companhia para caminhadas. Também é muito divertido para momentos de pizza, açaí, sorvete e outras guloseimas que são uma tentação difícil de resistir. Você é engraçado, porque tem um humor inteligente. Tem um humor sarcástico. Acho que aprendemos com Sheldon e Leonard - da minha série preferida The Big Bang: Theory. Por falar em série, estamos unidos quando o assunto é Chaves e Chapolin - somos fãs incondicionais.
Ainda não disse, mas uma das coisas que mais gosto é de esperá-lo chegar da escola para almoçarmos juntos. Eu pergunto coisas da escola (quando você não falta, claro, porque anda faltando demais), você pergunta coisas do meu cotidiano, aí brigamos, rimos, conversamos, trocamos ideias, assistimos a algum vídeo etc.
Neste seu aniversário, Paulo Henrique, vou dizer o que me disse um primo quando eu tinha a mesma idade que você: "Homem é aquele que sabe entrar e sabe sair de qualquer lugar". O primo me disse isso quando me viu todo fardado, em decorrência do serviço militar, e falou algo que o pai dele havia dito em sua adolescência: "Homem é aquele que sabe entrar e sabe sair de qualquer lugar". Eu, portanto, jogo essa frase para você, mas com alguns complementos: ser homem é ser você mesmo, é ser capaz de humanidades redescobertas, é ser dedicado a algum projeto que dê sentido à sua vida, é ser passível de erro, mas apto a refletir sobre esse erro e melhorar, é ser inteligente o suficiente para compreender que a vida é de quem se movimenta, é ser forte para os momentos de dor e de sofrimento, é ser corajoso para demonstrar suas fragilidades quando isso for necessário, é ser determinado a construir conhecimentos e saber compartilhá-los, é ter a humildade de admitir os erros, é ser honesto e lutar contra o que corrompe, é ser enfrentamento quando estiver em pauta defender sua dignidade, é ser coerente com o que você compreende ser sua verdade, é existir em plenitude e não deixar que ninguém impeça você de crescer e tornar-se uma pessoa melhor.
Sabe o melhor presente que você poderia receber nesse dia festivo? O elogio que uma professora me ofertou, certa vez, durante o Ensino Médio (você e eu estudamos na mesma escola): "Você é um grande ser humano!"
A professora me deixou pensando nessa frase até hoje. Então, atiro-a para você também: "Você é um grande ser humano!" Por que ela disse isso? O que significa ser um grande ser humano? Sugiro que passe a vida inteira pensando nisso e, mais do que pensando, tentando ser esse grande ser humano.
Para concluir, desejo um feliz aniversário. Você é o filho que eu gostaria de ter. Torço sempre para você se tornar algo verdadeiramente significativo para este mundo complexo no qual você foi atirado há exatos dezoito anos.
Parabéns!
Com um abraço do seu Timerson.
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