terça-feira, 3 de dezembro de 2024

'SERTÃO CONFEDERADO': NOTAS SOBRE A ESTREIA DE UM ESPETÁCULO NOTÁVEL

 
Foto: sintafce.org.br

O Grupo Criar de Teatro e a CIA Prisma de Artes apresentaram, no dia 28 de novembro de 2024, às 20h, no Teatro Dragão do Mar, a peça teatral Sertão Confederado. Como é evocado no título, a obra discorre sobre o movimento político ocorrido no Nordeste do Brasil, há 200 anos, denominado Confederação do Equador.

 

Quando o público entra, é recebido por duas imagens: uma visual e uma sonora. A imagem visual se dá pela apresentação da personagem Ana Triste, que escreve, sentada em uma cadeira postada sobre um móvel de madeira, com caderno e pena nas mãos — uma espécie de diário ou livro de memória? O espectador constata, desde o início, que ela será a narradora da ação da peça. A imagem sonora, por sua vez, se dá ao som do violão que conduz os espectadores (como se fossem levados a viajar por um túnel do tempo) à atmosfera que remete ao contexto histórico explanado na peça.  

 

Essas duas imagens, simbolicamente, prevalecerão no enredo. A narrativa de Ana Triste, entre intensa e introspectiva, é o fio condutor da ação dramática. A música, onipresente no espetáculo, reforça a pretensão do texto de envolver o público, sobretudo emocionalmente, quanto aos eventos políticos do Brasil após a independência.  

 

Explicitado o contexto histórico da peça, ela faz um recorte: trata da presença (em tudo relevante) do estado do Ceará nesse movimento, que envolveu vários estados do Nordeste, contra o governo brasileiro do início do século XIX — um governo lastreado pela monarquia. Desse modo, o elenco se move pelo palco em cenário minimalista (com falas, cantos ou danças), dando vida às figuras históricas cujos nomes são conhecidos (mas  ainda não suficientemente reconhecidos) pela efetiva participação na Confederação do Equador.

 

Esse recorte é muito bem delineado no texto dramático, de autoria de Mailson Furtado (que dá vida ao herói Tristão Gonçalves de Araripe e também oferece ao espetáculo seu conhecimento musical), uma vez que a dramaturgia apoia-se em apurada pesquisa histórica e cultural. Os diversos conteúdos colhidos são transformados em componentes de ação capazes de envolver o público. Nesse sentido, em meio à explanação de aspectos históricos, políticos e memorialísticos, o autor acerta na linguagem empregada, uma vez que articula: 1) a retórica dos discursos políticos e eclesiásticos com criatividade, 2) o lirismo do discurso de Ana Triste (que é melancólico, mas transgressor e provocativo, de modo que ela transgride tempo e espaço em sua narrativa repleta de prolepses e analepses) e 3) o prosaico nos discursos, sobretudo, de personagens secundárias em contexto cômicos etc.

 

Algo a ser considerado, também, nessa perspectiva, é o uso de fugas cômicas no plano da ação e da linguagem que, sem descaracterizar o tom sério e de contornos trágicos predominantes no texto, consegue incitar ao riso em vários momentos. O texto mostra, na superfície e em suas camadas profundas, a presença da configuração trágica. Apesar disso, se permite a atos de comicidade em momentos pontuais — o que o torna dinâmico e instigante.

 

Além disso, outro aspecto notável da peça é o uso de componentes das tradições orais. Isso fica nítido, principalmente, quando canções e danças concentram, em suas melodias e coreografias, valores que remetem à cultura popular. As composições exibidas e as coreografias apresentadas tornam a peça lúdica, ágil, expressiva e lírica. A plateia interage, em vários momentos, com o elenco. Nas coreografias, não é difícil localizar menções ao reisado, maneiro-pau, coco de roda etc.

 

Sendo essa a apresentação de estreia, é notório o potencial dessa obra, que conseguiu expor o contexto histórico-político sem cair em didatismos impertinentes, linearidades acríticas ou clichês narrativos. Ao contrário disso, os recursos dramatúrgicos, utilizados com originalidade, tornam a experiência de adentrar o universo complexo da Confederação do Equador algo prazeroso.

 

A propósito, a peça é dirigida pela experiente e criativa Herê Aquino, que faz um trabalho notável em torno do texto dramático de Mailson Furtado. Quanto à cenografia, certamente em nítido diálogo com a diretora, Chico Henrique opta pela criação de um cenário conciso, objetivo e prático na transição de cenas. Por exemplo, o móvel sobre o qual Ana Triste se apresenta sentada, no início e no desenvolvimento da ação da peça, transforma-se em diversos outros itens — de mesa utilizada para reunião de Bárbara de Alencar com seus adeptos, a barco utilizado por Thomas Cochrane, esse móvel concentra surpresas que funcionam perfeitamente a serviço da dramaturgia.

 

Aspecto notável no espetáculo é o elenco e a caracterização primorosa das personagens. Estamos diante de dois grupos teatrais com atores e atrizes que dão vida a personalidades históricas marcadas por dois ângulos de visão: o propagado pela oficialidade histórica e o propagado pelo imaginário.

 

Com base nisso, são retomadas: 1) figuras femininas como Bárbara de Alencar (Luisete Carvalho), a matriarca cujas ideias tornaram-na a primeira presa política do país, e Ana Triste (Yane Cordeiro), a fiel esposa que se enlutou, para sempre, depois da morte do marido amado; e 2) figuras masculinas como Tristão Gonçalves Araripe (Mailson Furtado), líder do movimento no Ceará, Pereira Filgueiras (Raimundo Moreira), comandante das armas, e José Martiniano Pereira de Alencar (Maycon Wiliam), dentre outras personalidades relevantes da Confederação do Equador.  

 

Merece nota o fato de que os/as artistas se revezam na interpretação de uma mesma personagem, também assumem outras atividades no desenvolvimento da ação — especialmente no trabalho com a música, que é um dos pontos altos do espetáculo. Embora ocorra essa amplitude de funções, o elenco as realiza com leveza e fluidez, criando harmonia cênica.

 

As personagens são compostas, com maestria, pelos dois grupos teatrais unidos para realização dessa obra. Reforçam a caracterização delas excelente trabalho de figurino, cabelo e maquiagem. O figurino, criado por Chico Henrique e Ivanio Sousa, é significativo para a dramaturgia: no figurino permanente, prevalecem tons claros com  uso de vermelho e amarelo. Quando uma personagem surge na cena, ela é representada, também, pelo figurino que muda: é possível reconhecer a transição das personagens por meio da sobreposição de vestimentas. Além disso, é pertinente observar o azul, principalmente nas vestimentas masculinas.   

 

Na peça, existem momentos emblemáticos: 1] a cena da marcha (momento em que há uma apresentação de música e dança com coreografia remetendo à marcha dos revolucionários); 2] a cena da mesa de reunião (espécie de santa ceia de rebelados?) na qual Bárbara de Alencar tem destaque; 3] a cena do diálogo entre Pereira Filgueiras e o Governador Sampaio que, por meio de recursos cômicos (com espaço para um jogo metalinguístico), é realizado com auxílio de um mensageiro (Gal Saldanha) capaz de transgredir tempo e espaço para levar e trazer as correspondências dos dois políticos; 4] a cena da chegada de Thomas Cochrane (Maycon Wiliam) com o ajudante (Gal Saldanha), que é dos momentos mais cômicos da peça (Gal Saldanha e Maycon Wiliam estão excelentes na cena); 5] a cena em que ocorre o breve monólogo de Ana Triste ante a morte de Tristão Gonçalves (nesse momento, Yane Cordeiro emprega forte carga dramática e leva o espectador à comoção); 6] a cena em que Tristão Gonçalves é assassinado e levado em cortejo (deixando Ana Triste desolada).

 

Essas e tantas outras cenas são dignas de notas. Em verdade, é pertinente dizer: a peça em seu todo é rica em forma e conteúdo, é criativa em sua maneira de apresentar a Confederação do Equador, é dinâmica em sua predisposição a alternar o que é trágico e cômico; é harmônica em sua composição dramática; é consciente em sua articulação dos recursos dramáticos a serviço de contar uma história esteticamente constituída; é uma obra de arte, porquanto concentra polissemia, catarse, mimesis, universalidade e outros itens indispensáveis ao que é artístico.

 

Sertão Confederado é uma experiência teatral intensa em vários aspectos, pois ela é atual em suas reflexões políticas, históricas e memorialísticas, também é rica pelo texto dramático e pelas atuações. Música, dança, canto e atuações tornam essa obra uma profusão de lirismo, dinamismo e vida.

 

Émerson Cardoso

02/12/2024

domingo, 3 de novembro de 2024

NOTAS SOBRE "CONTRA BANZO", DE KARLA JAQUELINE VIEIRA ALVES


NOTAS SOBRE CONTRA BANZO[1],

DE KARLA JAQUELINE VIEIRA ALVES


Se para onde eu for

Estarei sempre comigo

Como posso ser a caça

Que feito caçador persigo?

(Paradoxo, de Karla Jaqueline Vieira Alves)

 

O livro Contra Banzo, de Karla Jaqueline Vieira Alves, foi publicado, em 2023, pela editora Aldeia de Palavras. Ele dispõe de cinco partes que reúnem 78 poemas (são 79, em verdade, se considerarmos o poema que antecede a primeira parte do livro) com reflexões que incidem sobre as mais diversas temáticas: racismo, empoderamento feminino, condição sócio-histórica da mulher (sobretudo singularizada por ser negra), crítica social em várias perspectivas e incursões filosóficas diversas. O livro foi publicado com apoio da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, através do XII Edital de Incentivo às Artes, e dispõe de QRCode para acesso ao audiolivro.

Karla Jaqueline Vieira Alves (2023, p. 12) opta pelo gênero lírico, para a expressão de sua subjetividade, e diz que a poesia é “uma maneira de não morrer, de não desistir, de continuar vivendo”. Além disso, ela realiza explanação sobre experiências e motivações que a levaram a realizar o projeto que resultou no livro. Nesse sentido, devemos considerar a seguinte afirmação:  

 

Como uma escritura das consequências nocivas deste sistema sociocultural e econômico, esta é uma obra que amplia e expõe os conflitos existenciais de uma mulher preta, pobre e nordestina numa sociedade machista, racista e classista, em busca de superar o colonialismo mental que condiciona esta mulher a viver entre os muros do patriarcado capitalista e racializado, sistema que divide e hierarquiza a sociedade brasileira como forma de “organização” social. Esta busca por superar tal alienação exige antes o reconhecimento desta condição, gerando um conflito entre o individual e o coletivo (Alves, 2023, p. 09).

 

 

A autora delineia, nesse trecho, os componentes constitutivos de sua subjetividade. Sua produção literária está comprometida com um olhar atento às discussões em torno das minorias sociais das quais ela participa reconhecendo-se como uma mulher cuja poesia se pretende transgressora dos infindáveis ditames socioculturais, socioeconômicos e sócio-históricos que visaram, por séculos, o cerceamento da mulher, sobretudo quando ela se expressa e manifesta sua poesia construída em torno do reconhecimento de que é “mulher preta, pobre e nordestina”.

Na primeira parte do livro, cujo título é Cativeiro – a indústria da fome, são apresentados poemas instigantes pela criticidade e pela abordagem corajosa de temas indigestos a quem ainda compreende o mundo baseado em concepções conservadoras e moralistas. Além disso, a autora reafirma sua força literária com a construção criativa de imagens. Podemos constatar isso, por exemplo, através da intensidade do jogo metafórico criado pela autora no primeiro poema da primeira parte: De-Cadente:

 

Do pouco fôlego que ainda resta

Tudo é sol ao meu redor e dentro míngua

Preciso de um peito seguro para descansar...

A noite guarda labirintos...

                                         (Alves, 2023, p. 20)

 

Segue-se a esse texto uma jornada poemática que, em Necrópolis, fala de reagir ao mundo adoecido e adoecedor que leva os “povos afro-ameríndios” a sofrerem, ainda na atualidade, os efeitos nocivos da colonização. Em Complexo de Gepeto, temos a denúncia ao patriarcado: “Super homem do Real não quer abrir mão / Da sua linda mulher de estimação”. Essa mesma discussão, especialmente direcionada para a realidade da mulher singularizada por ser preta, isto é, propensa a sofrer dupla manifestação de preconceito (a misoginia e o racismo), surge nos textos: A mulher buceta, Noite Sertaneja, Uterina, Mães e Filhas, Matéria-prima e Santa Madalena.

Em Santa Madalena, encontramos (além da menção à figura bíblica que o imaginário cristão associa à mulher cuja vida de prostituição não impedira Cristo de defendê-la contra a hipocrisia dos homens) um questionamento em torno da mulher e seus amores: quem poderia julgar uma mulher por ter se apaixonado, por ter acreditado nas possibilidades de amor recíproco, por ter se tornado feroz a ponto de fazer valer, na força do ódio, sua passionalidade? O poema, seja no título, seja no corpo do texto, aponta para esse universo retirado do contexto bíblico: “Quem não tiver pecado atire a primeira pedra”. Assim, temos:

 

Aquela que nunca foi usada

Que atire a primeira pedra

E ouse julgar como tola

A Mulher transformada em fera

Por saber que o amor alheio

Não passou de uma grande espera.

                            (Alves, 2023, p. 29)

 

 

Comprometida a tratar amplamente do racismo, a autora produz um poema notável como: Ventre do ocidente. Neste texto, ela propõe os versos:

 

O mundo finge não ver

E zombando parecem louvar

A canção que insiste em dizer:

Navios Negreiros que vão

Navios Negreiros que foram

Navios Negreiros que voltam...

                        (Alves, 2023, p. 27)

 

 

Os poemas Seixo, Mães e Filhas, Pesadelo e Tão grave quanto não ser são intensos em lirismo (talvez os mais líricos da primeira parte), como percebemos nos versos que retiramos do texto Tão grave quanto não ser: “É o barulho da chuva confessando à nuvem que a terra não lhe quis...”

Estabelecendo um fio temático relacionado à crítica ao racismo, grave problema a ser resolvido na sociedade brasileira, a autora discorre sobre a condição da “mulher preta” frente à realidade que tenta subalternizá-la, como constatamos no poema A paixão nacional. Além disso, é possível localizar os seguintes temas nos poemas: Negráfica (diáspora africana), Bloco negro (violência contra corpos negros), Família tradicional brasileira (a instituição família com ironia e criticidade), Matéria-prima (crítica ao olhar de coisificação em torno do corpo feminino preto) e Mães e Filhas (um olhar terno sobre ancestralidade e amor maternal).

Em suma, temos, na primeira parte do livro, uma poesia confessional, antipatriarcal, transgressora e rebelada manifestando-se a partir de um olhar crítico-reflexivo que analisa, sem trégua, um país complexo que não dignifica a vida de quem traz no corpo e na alma a condição de pertencer a minorias sociais marcadas pela necessidade histórica de resistência.

Na segunda parte de Contra Banzo, intitulada Fuga – o espelho negativo, a autora apresenta textos que não arrefecem na busca de expandir seu horizonte crítico. Isso também se aplica ao poema Salvo conduto (salvo-conduto, em contexto jurídico, tem por finalidade a proteção da liberdade de locomoção e a proteção dos direitos), um dos mais curtos do livro, temos ponderações sobre o silenciamento forçado e o direito ao grito historicamente cerceado.

Na sequência, vêm os poemas: Rascunho (um dos mais expressivos e bem arquitetados do livro, sobretudo porque discorre sobre a complexidade da alma humana em meio aos conflitos do direcionar-se para o outro) e Casulo (que metaforiza o processo de desenvolvimento da voz poética — esta cujas asas crescem em silêncio, mas que não hesita em se rebelar quando afirma “o sul sou eu”). Esse poema é repleto de imagens simbólicas que remetem à resistência e à esperança de encontrar novos caminhos existenciais. Os versos finais apontam para a acuidade estética configuradora desse texto:

 

Mas enquanto ainda é hoje

E faz tempo que o é

O sol teima em não nascer

Dançarei insana pela lua

Até que venha o amanhecer...

                     (Alves, 2023, p. 49)

 

 

Em Ancestrália e Mães Negras estão presentes, respectivamente, o feminino ancestral, representado pela imagem das avós gestadas no mágico das terras africanas, e pela imagem das mães em suas perdas, lutas e dores.

No poema Candeias, cujo título evoca a romaria de Nossa Senhora das Candeias (a primeira das três principais romarias que ocorrem na cidade de Juazeiro do Norte), localizamos um olhar crítico em torno do que a autora afirma serem colonizadores que retornam para ludibriarem e adestrarem o povo através de “deuses de vidro multicoloridos”.

Em Dívida de liberdade, há menção ao livro Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, no verso: “Nesse quarto de despejo...” A voz lírica denuncia os aprisionamentos sociais sofridos pela pessoa negra, principalmente quando se é mulher em contexto lastreado pelo patriarcado. Além desses temas, também presentes nos textos Escombros, Preta que Pariu, Extrato Fera, prepondera o desejo intermitente de ser e viver livre (mais de um século após a Abolição da Escravatura, e a luta contra o racismo ainda continua necessária na sociedade brasileira).

Emblemático nesse âmbito de discussões, merece destaque o poema Ser mulher. Nele, o lirismo está contido no discurso dedicado à apresentação de imagens do campo semântico do que é líquido: águas, sangue, suor, lágrimas, marés da Lua, dentre outras. Essas imagens conduzem a uma simbologia maior: a imagem da mulher sagrada que encontra o amor por si mesma. Isso fica nítido nos versos: “De partida e de chegada / Me findo re-sentida na partida / Chego renascente e para sempre auto amada”.

Integram essa parte do livro os poemas: Oração ao vento (a busca pela liberdade metaforizada no desejo de ganhar asas), Fruto do amor (há um interlocutor a quem a voz lírica direciona seu afeto, o uso de verbos no imperativo e um trecho que se repete, como um refrão, intensificam a expressividade dos sentimentos) e O voo da saudade (o desejo de voar para que se possa vislumbrar os olhos do ser amado).

Fica perceptível que essa parte do livro apresenta vários vocábulos que aludem ao campo semântico da liberdade, que se torna sua temática central (apesar da diversidade de temas existentes nela).

Na terceira parte, intitulada Quilombo – a busca pela imagem, o primeiro poema, De volta pra mim, direciona a reflexão para uma voz lírica afeita a renascer apesar dos “medos” aprisionadores dessa “Eu-Mulher” disposta ao autoconhecimento e ao movimento da vida, porquanto: “Ficar parada não adiantaria”.

Nessa mesma linha de reflexões, é possível destacar: Autoimagem (debate acerca da ancestralidade na figura da avó e na menção à África), Reflexos (iniciado com alusão a dois nomes de personalidades femininas negras relevantes demais para serem esquecidas: Maria de Araújo, a beata que protagonizou o denominado Milagre da Hóstia, fato importante para a construção identitária de Juazeiro do Norte, e a heroína Preta Tia Simoa[3] cuja luta contra a escravidão a conduziu a mobilizar jangadeiros contra o tráfico de pessoas negras) e Ave Mar (espécie de oração que invoca proteção para não “cair em fálicas mãos de Pensamento duro” e para reconhecer as próprias “virtudes”).

O lirismo dessa parte do livro está intensificado em poemas como: Raiz (o amor construindo-se entre “pétalas de ipês” e “aromas de laranjas”), Coragem (cuja repetição de estrofes remete a uma espécie de refrão que faz apologia à complexa arte de não ter medo de ser livre, como apontam os versos: “Sou a vontade da chuva de ser Mar...”), O voo da borboleta (dos mais bem construídos do livro, esse poema apresenta imagens que remetem à intensa leveza das águas e à necessidade da voz lírica de encontrar-se consigo mesma: “Quando a saudade de mim mesma era tanta / Percebi o deserto do meu imenso jardim”).

Ser mulher, sobretudo caracterizada por ser negra, conforme a autora pontua nesse momento de sua obra, é desconstruir a imagem imposta pelas várias forças que atuam na sociedade, historicamente, e construir novos horizontes imagéticos nos quais seja possível afirmar-se, libertar-se, ser quem realmente se é — e não aquilo que os discursos determinam — e, principalmente, ser capaz de amar a si mesma, sem medos ou amarras.

A quarta parte, intitulada O fundo do poço – da repetição à diferença, é introduzida pelo poema Nut, que propõe imagens poéticas intensificadas pela musicalidade dos versos. Esse texto prenuncia o momento do livro no qual localizamos quantidade significativa de textos impregnados de apuro estético.  

O texto Sete saias coloridas, por exemplo, se enquadra perfeitamente no gênero poemático romance e, com isso, cria beleza formal atrelada à tensão temática, tendo em vista que o texto trata de questões complexas como: feridas subjetivas da infância e abuso sexual contra criança.

Merece destaque, ainda, a expressividade dos textos: A pele de Oxum (poema lírico de amplos recursos imagéticos e de singeleza infantil, enquanto evoca a figura de Oxum, isto é, orixá das águas doces, das cachoeiras, da fertilidade e do ouro reluzente etc.) e Divino balé de OYÁ  (que traz outra figura feminina da crença de matriz africana em poema dos mais esteticamente trabalhados do livro).

É pertinente dizer, a propósito, que Divino balé de OYÁ apresenta sinestesias construídas em torno de imagens semânticas vinculadas aos ventos e a suas formas de manifestação. A voz lírica faz recomendações para que as ações dos ventos sejam observadas, pois elas dançam em torno do corpo e agem sobre os grãos de areia da montanha. Nesse sentido, o texto apresenta vocábulos alusivos à leveza: sinfonia, dança, pássaro, voo, redemoinho, brisa, sopro, dentre outros. Ao mesmo tempo, essa leveza contraria a intensidade invariavelmente relacionada à Oyá (orixá regente do fogo, dos raios e dos ventos antecedentes das tempestades). Esse poema é repleto de musicalidade e de lirismo, como é observado no trecho:

 

Repare na ação do vento

Levando tudo

Grão por grão

E quando no vazio eu fiquei sem chão

Um sopro de vida me moveu

E leve me levou em seu invisível espiral

Para me ensinar como dançar o balé de minha própria [canção

Fez de mim um ser de sua própria substância e criação

Após remover uma a uma

As pedras que pesavam sobre o meu coração.

                                                    (Alves, 2023, p. 130)

 

 

Outro poema que traz o universo da crença de matriz africana é Sankofa. O título evoca o termo africano que significa: retornar ao passado para colher saberes e valores capazes de conduzir o ser humano para um futuro mais digno. Ele expõe, ainda, duas imagens: pretos velhos (representativos da: ancestralidade, sabedoria e cura espiritual) e erês (representativos da: infância, possibilidades de futuro e leveza espiritual). É nítido o debate que o texto propõe, também, acerca da finitude do corpo, que é pó, e da necessidade de encaminhar-se para a sabedoria capaz de ampliar o espírito.

Existem poemas que, com sutileza, trazem o componente erótico. Neste caso, com a perspectiva simbólica da pulsão de vida que conduz a voz lírica para experiências sensoriais no mundo, como é perceptível em: Louvor ao Tempo (cujo teor erótico se realiza na representação do Tempo personificado em uma figura masculina que “atravessas as noites”) e Casa do alto (cujas sutilezas eróticas surgem na metáfora do amor em gozo, conforme se percebe na imagem das nuvens).

Também é significativo, na busca estética da autora, o texto Balé. Com olhar crítico e certa ironia, ele tem relação de intertextualidade com o Poema de sete faces, de Carlos Drummond de Andrade, e também com o texto Com licença poética, de Adélia Prado, como é perceptível no trecho:

 

O anjo torto com o dedo tão reto

Apontou

E com três grandes pedras na mão

Cada qual com seu teor de opressão

Prontas para pôr em cima da cabeça dela

O anjo da esperteza inglória anunciou:

— Vais ser escrava.

                               (Alves, 2023, p. 101)

 

 

A resposta da voz lírica à ordem do “anjo da esperteza inglória” é emblemática, porquanto ela não está disposta a submeter-se às determinações opressivas desse anjo torto cujo dedo reto e inquisidor deseja subjugá-la:

 

— Sai fora, autoproclamado Senhor

Em meu coração só brota semente de Amor

Carrega tu mesmo as pedras de tua autoria

Que eu nasci para ser livre e semear poesia.

(Alves, 2023, p. 102)

 

 

Os debates em torno do ser mulher negra, em uma sociedade racista, atravessam a produção lírica da autora. Ela problematiza a realidade social brasileira e está comprometida em utilizar como conteúdo de sua obra: o racismo estrutural que perpassa socio-historicamente o Brasil, o racismo singularizado pela experiência da mulher negra (que sofre ainda mais quando se vê diante do patriarcado e suas reverberações), a busca pela liberdade de expressão, a exigência pela valorização cultural afro-brasileira e a reivindicação em torno da criação de políticas públicas que providenciem a construção de leis e a concretização de direitos necessários à dignidade da pessoa negra.

Nessa perspectiva, essas e tantas outras temáticas são encontradas em: Entretantos (repleto de um tom de afirmação da negritude marcada pela seguinte revelação: “Entre os negociantes / Eu sou a negra ciente / Um neuro acidente / A corroer a imunidade ocidental”), Eu negra (reivindicação feminista que coloca em pauta o “útero universal” e a coragem de afirmar o ser-mulher-negra), Dandara (evocação da heroína quilombola Dandara dos Palmares, que preferiu morrer a submeter-se à escravização e tornou-se símbolo de resistência, além da retomada de imagens líricas como a comparação da voz lírica com: as “Flores-Fênix-Astrais”, “Pomba Preta da paz que Gira” e “Fêmea Vulcânica”), Mensagem da meia noite (texto repleto de verbos conjugados no modo imperativo dizendo à mulher que não se mate, não se culpe, não se puna, não se cale, não se negue, pois o mais relevante seria encandear seu próprio mundo e querer-se, como a voz lírica propõe: “Não se traia, Mulher / Não se traia”).

O mesmo aspecto temático é retomado em um dos poemas mais bem realizados do livro: Preta que pariu (II). Ele merece destaque pelo fato de que faz críticas ao discurso patriarcalista que, reproduzido hegemonicamente, atribui à mulher: ora o aprisionamento fatalista do espaço doméstico, ora a necessidade de ser uma “guerreira”. A autora faz-nos pensar em algo relevante: adjetivar uma mulher de “guerreira” pode ser uma trapaça discursiva, tendo em vista que, por trás do suposto elogio ou falso estímulo, está incutida uma exigência: o sujeito feminino está atravessado pela obrigatoriedade de ser perfeita, de manter-se firme, forte e em constante disposição para os enfrentamentos da vida, como se a mulher tivesse sempre que dar “conta da demanda” e não precisasse “de tempo de cura”.

De modo direto ou indireto, o discurso que combate o racismo e tece críticas sociais aparece nos poemas: Terra prometida (no qual se localizam os versos: “O meu Quilombo é essa paz que me habita / E a linguagem que minha ancestralidade utiliza”), Território livre (na ânsia por liberdade, a voz lírica afirma: “E solto o grito de independência / Sufocado por séculos de culpa e outras ilusões / Liberto-me, eu Terra livre de tantas tensões”) e As cercas de lá, as cercas de cá (a voz lírica trata de questões sociais e constrói versos potentes como os que dizem: “Haverás de pagar por tua cegueira / Causada pelo brilho de capital grandeza / Que se ergue em nome da civilização”.

            Componentes líricos vinculados à natureza surgem nos poemas: O tempo da rosa (o tempo é tematizado como algo que possibilita cura), Olhos abertos (no título está a metáfora para a capacidade de autopercepção e de autoconhecimento, e que traz a imagem da rosa opondo-se, desta feita, à imagem presente no poema O tempo da rosa, quando se indaga: “Quanto estrume sustenta o perfume da rosa?”), Beira Mar (apresenta vocábulos como água, esperança, fé e crença da vida), Transitória (poema-travessia com versos que se repetem: “Metade é água que vai / Metade é porto que fica”), Estrela (movimento que assume a coragem diante da vida manifestando-se em desafios de “luz” e de “escuridão”) e O farol e o barco (faz alusão a levezas como as imagens que envolvem: criança, rosa, lua, da estrela e noite).

Merece atenção, ainda, o poema Da raiz às asas. Nele, a voz lírica reporta-se ao coração em uma espécie de prece-diálogo no qual prepondera um embate discursivo entre razão e emoção.

            Para concluir essa parte, o texto Retrato de Família pode ser considerado um poema-síntese do livro, tendo em vista que, das imagens nele apresentadas, irrompem todas as outras: casa grande, senzala, hierarquia familiar pautada no poder do patriarcado, escravidão, racismo, infância traumatizada, coisificação do corpo feminino, violência física e verbal contra a mulher, opressão nas relações, crítica social em decorrência das desigualdades sociais historicamente constituídas, solidão da mulher (intensificada quando essa mulher é negra e de classe social não privilegiada), luta contra preconceitos raciais, necessidade de resolver a dicotomia existencial (desistir das lutas da vida ou prosseguir com o peso de ter que, eternamente, resistir?) e construção de si mesma através da interiorização e da busca do autoconhecimento.

Emblemático na conclusão dessa parte do livro, o poema A despedida apresenta cinco versos e poderia, perfeitamente, ser denominado um miniconto:

 

Já na despedida a pérola pergunta pra concha:

— É possível uma sereia criar asas?

E a concha respondeu:

— É possível um grão de areia tornar-se pérola?

Então os rios despejaram seus lamentos nos braços do Mar.

                                                   (Alves, 2023, p. 131)

 

A quinta e última parte do livro, intitulada Oceano – além do limite, é marcadamente filosófica. Isso fica nítido em poemas como: Espelho negativo (a descoberta do corpo e da subjetividade), Repetição e diferença (poema curto, realizado em quatro versos, que se questiona a respeito do que há de igual em si), Vontade de potência (o título evoca o termo, criado por Nietzsche, que consiste na capacidade que a vontade tem de concretizar-se em consonância com outras forças atuantes na construção ontológica do ser), Entre o fim e o sim (a palavra surge envolta nas dicotomias do ser: proximidade e distância, não e sim, idas e retornos) e Labirinto (perder-se no “mundo branco”, um labirinto de subjugações, exige ações contra a “grande engrenagem que movimenta o servo a servir”).

Ainda nessa perspectiva, o poema Que nem Átomo aponta a busca existencial de uma voz lírica que bate na porta do quarto “vazio da verdade” percebendo o quão difícil pode ser manter o equilíbrio “e não olhar para trás”. O que estaria detrás da porta? A indagação da voz lírica (contida no verso “Cadê o amor?”) indica-nos que ela estava em busca do amor, mas quem teria imposto isso: “Paredes erguidas por quem? / Pela fé de minha imaginação?” Diante do nada, tendo em vista que o quarto não tem parede, chão ou qualquer “ponto de referência”, ela constata: “Estou livre para construção”. Renova-se o caminho, portanto, pois no esvaziamento e no nada há espaço para construir-se.  

É pertinente considerar que o poema Quando Um quer ser o Todo é uma paródia definitivamente bem realizada do Pelo Sinal, isto é, a oração que antecede demais orações católicas. Nesse mesmo contexto, Filha prodígio aparece como um poema que encerra o livro e evoca no título, de forma irônica, a parábola bíblica do filho pródigo. Nele, a voz lírica alude ao retorno para casa que, nas camadas profundas do texto, remete à necessidade de retorno para dentro de si mesma.

São instigantes os debates presente nos textos: Jardim da memória (poema curto que opta pela memória não como um “cemitério” que deveria ser abandonado, mas como um “jardim imenso” ao alcance das mãos para que as experiências vividas possibilitem novos caminhos) e Dejavú (discorre sobre o tema da memória que, nesse poema-pílula, aparece como algo que cria e move a “História” e, também, apresenta-se como o “Elo que une ou fragmenta essa corrente”.

Para finalizar essa parte, no texto Sertão vira Mar é possível localizar a personificação do amor, conforme é observado nos versos: “Já que não posso te ver / Ouça o que eu tenho a dizer”. A voz lírica, por sua vez, expressa sua comoção diante da possibilidade de chegada do amor que seria concretizado após os empecilhos inerentes e, por fim, ela comenta: “E quando acabei de chorar / O Sertão / Já era Mar...” Com isso, a expressão proferida por Antônio Conselheiro é ressignificada por meio de uma hipérbole que encerra o poema.

No final do livro, a autora produz um ensaio intitulado Síndrome Senhorial, isto é, uma espécie de epílogo que sintetiza, por meio do texto em prosa, as visões tecidas pela autora, ao longo do livro, em textos poéticos. A autora conceitua essa síndrome da seguinte forma:

 

Sendo um transtorno que acomete a branquitude afetada pelo sentido de superioridade valorativa a ela atribuída, essa síndrome pode gerar distorções de percepção, de pensamento, do senso de identidade, de emoções e de comportamento provocando, inclusive, delírios e alucinações de superioridade criando a necessidade de sua manutenção através de privilégios e de teorias absurdas que os justifiquem (Alves, 2023, p. 149).

 

 

            Em busca de compreender as problemáticas inerentes a essa síndrome, que pode levar a pessoa negra a sentir auto-ódio de si mesmo, a vivenciar o “complexo antinarciso (se negar a ver, aceitar e/ou contemplar sua própria face)”, o excesso de autocontrole,  a reclusão e a culpa, a autora (Alves, 2023, p. 150) elabora estudo no qual propõe que esse sistema deve ser interrompido, sobretudo por meio de um compromisso social que envolve a sociedade e suas instituições.


Karla Jaqueline Vieira Alves nasceu em Juazeiro do Norte–CE, é mãe, escritora e poeta insubmissa, anticolonial e libertária. Mulher Preta do Cariri cearense, é graduada em História, pela Universidade Regional do Cariri–URCA, pesquisadora e palestrante sobre a história e a memória da população negra no Ceará, com foco na história das mulheres pretas, a exemplo de sua pesquisa iniciada em 2013 sobre a história da Preta Tia Simoa. Além disso, é membro fundadora do Coletivo de Mulheres Negras do Cariri Pretas Simoa, criado em 2013, e é criadora do Projeto de Escuta: Preta, me conta tua história de amor, destinado a mulheres pretas. Já atuou como produtora e agente cultural, com trabalho voltado para a cultura popular das periferias do Cariri cearense. Tem poema publicado na obra Poetas negras brasileiras: uma antologia, organizada por Jarid Arraes, em 2021, e no livro Juazeiro tem artistas, Juazeiro tem poesia: manifesto poético, organizado por Émerson Cardoso, em 2024. Publicou, em 2023, seu livro de estreia: Contra Banzo. Essa obra foi realizada por meio de recursos do XII Edital de Incentivo às Artes da SECULT–CE.



[1] ALVES, Karla Jaqueline Vieira. Contra Banzo. Brasília: Aldeia de Palavras; Fortaleza: Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, 2023.

[2] A propósito, Karla Jaqueline Vieira Alves é Membro Fundadora do Coletivo de Mulheres Negras do Cariri Pretas Simoa, criado em 2013, e concedeu entrevista a Jarid Arraes sobre o assunto. Cf. ARRAES, Jarid. Preta Simoa e a Abolição no Ceará: uma história de esquecimento. 2014. Disponível em: https://www.geledes.org.br/preta-simoa-e-abolicao-ceara-uma-historia-de-esquecimento-por-jarid-arraes/. Acesso em: 17 set. 2024.









segunda-feira, 30 de setembro de 2024

UMA EXPERIÊNCIA ESCOLAR EXITOSA: NOTAS SOBRE O PROJETO 2º GRAU EM AÇÃO

 

A Prof.ª Ma. Éricka Sobreira[1] esteve vinculada, recentemente, ao Mestrado Profissional em Saúde da Criança e do Adolescente. Sua dissertação tem por título: Aplicativo Educacional para promoção da saúde: fatores de riscos cardiovasculares relacionados à obesidade e estilo de vida em adolescentes.

Como podemos constatar, o tema da pesquisa da Professora Éricka Sobreira tem tudo a ver com uma ação que ocorre há quinze anos na EEM Governador Adauto Bezerra. Refiro-me ao Projeto 2º Grau em Ação, que foi idealizado (e tem sido realizado) por essa Professora cuja experiência docente vai além do espaço de sala de aula.

Quanto ao Projeto 2º Grau em Ação, devo dizer que, embora direcionado à comunidade escolar em seu todo, é principalmente no estímulo ao protagonismo dos Estudantes que ele tem suas bases. O olhar direcionado à promoção da saúde física e mental dos Estudantes, portanto, está no âmbito do que caracteriza essa experiência escolar exitosa. 

Quem já vivenciou o Projeto em sua prática, conseguirá entender o que digo: no dia em que ocorre, há um movimento de vida manifestando-se desde o início das atividades até o momento de sua conclusão. Isso ocorre porque Estudantes se envolvem, com entusiasmo, nas atividades práticas propostas. Também percebemos o empenho em mostrar suas capacidades de atuação dentro e fora da sala de aula.

No dia em que acontece, são oferecidos vários atendimentos: aferimento de pressão arterial, teste de glicemia, tipagem sanguínea, massagem, limpeza de pele, orientações de saúde física e psicológica, brinquedoteca etc.

As turmas da 2ª Série do Ensino Médio (e a Professora Éricka Sobreira ministra a disciplina de Educação Física para todas elas) são as envolvidas com o Projeto. Tudo acontece a partir da articulação dessas turmas e, nesse ponto, está a melhor parte do evento. Com supervisão da idealizadora do Projeto, estudantes organizam-se, empenham-se, preocupam-se em tornar possível mais um ano dessa ação empolgante e interativa.

Enquanto o mundo gira animado no contexto do evento, a sensação experimentada é a de que há vida e horizontes renovados nos diversos espaços da Escola. Nela, há vozes e risos espalhados tanto em salas de aulas  (reorganizadas para os atendimentos), quanto nos corredores e pátios.

Na edição desse ano, quando envolto na atmosfera lúdica do evento, foi bonito flagrar os passos e as correrias dos Estudantes e dos convidados. Em determinado momento, foi como se eu pressentisse, comovido, o esvoaçar do vento de canto a outro dizendo à vida que tudo passa rápido demais e que é necessário vivenciar as experiências enquanto elas estão ao alcance das mãos.

De fato, o tempo parece levar tudo sem considerar o quão frágeis nós somos quando ele passa. O tempo já não levou quinze anos desse que é dos acontecimentos mais significativos de nossa Escola? Por sorte, ele nos deixa resguardar ao menos as memórias das vezes em que foi possível viver seus momentos marcantes.

Quanto a isso, parece inevitável o questionamento saudosista: quantos Estudantes estiveram envolvidos nesse sonho transformado em realidade? Quantas pessoas puderam experimentar esse espaço de encontro lúdico que saiu do ideal de uma Professora e tornou-se real pelo envolvimento dos Estudantes? Acho que Estudantes guardarão esse acontecimento como algo inesquecível, afinal há muita confiança depositada neles, há grande incentivo ao protagonismo em torno da participação deles. É necessário, por vezes, depositar confiança na força de realização do outro, pois isso tende a ampliar o senso de responsabilidade e a crença de que é possível realizar grandes feitos apesar dos medos.

Agora, enquanto escrevo, parece justo dizer da alegria que sinto por ter visto em nossa Escola, por duas vezes, o Projeto 2º Grau em Ação ganhar vida. Nós que compartilhamos do amor por essa Escola de referência, repleta de boas memórias construídas apesar dos desafios do cotidiano, só temos a agradecer à Professora Éricka Sobreira. Ela é consciente de sua função social e, por ser uma Professora notável (seja pela firmeza de caráter, seja pela dedicação ao trabalho), não se permite passar pela Escola sem torná-la um espaço mais digno e mais acolhedor, repleto de aprendizagens e de interações, o que nos ensina uma grande lição: é preciso ter coragem para enfrentar os desafios e concretizar uma grande ideia.  

Nada pode ser mais gratificante do que olhar para trás e ver que foi construída uma trajetória bem-sucedida e rica em aprendizagens. A Professora Éricka Sobreira, que está de parabéns, pode comemorar por ter conseguido realizar esse grande feito!

Émerson Cardoso

30/09/2024



[1] Éricka Maria Pereira Sobreira de Araújo é graduada em Educação Física, tem especialização em Planejamento e Políticas Educacionais e em Gestão Escolar. Professora de Educação Física com ampla experiência, com atuação no Ensino Fundamental, no Ensino Médio e no Ensino Superior, ela é mestra em Saúde da Criança e do Adolescente e tem diversas várias práticas de Projetos em suas atividades docentes.