Ana Cristina Cesar nasceu em 1952, no Rio de janeiro, e suicidou-se em 1983. Apesar de precocemente interrompida, sua obra a colocou entre nomes mais importantes da literatura brasileira dos anos 1970-1980, época marcada pela poesia publicada à margem do mercado, em edições caseiras, produzidas e distribuídas pelos próprios poetas. Além de poemas, dedicou-se a traduções e textos críticos. Sua poesia se caracterizou pelo tom intimista e pela coloquialidade da linguagem. Seus principais livros de poesia são: "A teus pés" (1982) e "Inéditos e dispersos" (1985).
*
Tenho uma folha branca
e limpa à minha espera:
mudo convite
tenho uma cama branca
e limpa à minha espera:
mudo convite
tenho uma vida branca
e limpa à minha espera:
*
olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas
Fisionomia
não é mentira
é outra
a dor que dói
em mim
é um projeto
de passeio
em círculo
um malogro
do objeto
em foco
a intensidade
de luz
de tarde
no jardim
é outra
outra dor que dói
*
Quando entre nós só havia
uma carta certa
correspondência
completa
o trem os trilhos
a janela aberta
uma certa paisagem
sem pedras ou
sobressaltos
meu salto alto
em equilíbrio
o copo d'água
a espera do café
*
faz três semanas
espero
depois da novela
sem falta
um telefonema
de algum ponto
perdido
do país
Que desliza
Onde seus olhos estão
as lupas desistem.
O túnel corre, interminável
pouso negro sem quebra
de estações.
Os passageiros nada adivinham.
Deixam correr
Não ficam negros
Deslizam na borracha
carinho discreto
pelo cansaço
que apenas se recosta
contra a transparente
escuridão.
REFERÊNCIA:
Mário de Andrade et al. Intimidade feminina: Ana Cristina Cesar. In: Na onda dos versos. São paulo: Ática, 2003. p. 39 - 46. (Coleção literatura em minha casa; v. 1. Poesia)
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