Senhor
Prefeito,
Inicio
esta carta com um questionamento um tanto sentimentaloide: em que grau afetivo
– se é que podemos estipular graus para o afeto de alguém – o senhor se
encontra em se tratando da cidade de Juazeiro do Norte?
Talvez eu tenha iniciado meu texto com
este evidente apelo emocional porque desejo sensibilidade de sua parte – terá
sido uma falha exigir de um homem “devotado” à esfera pública resquícios de
sensibilidade? Talvez não, porque testemunhas oculares dão conta de que o
senhor era tão solícito com algumas pessoas: até nas tradicionais renovações de
algumas delas era possível vê-lo refestelando-se antes e durante sua campanha
eleitoral!
Eu suponho que tomarei um rumo mais objetivo em
minha escrita, daqui para frente. Falarei, portanto, de sua popularidade por
ocasião da campanha cujo slogan era: Pela vontade do povo, se não estou
equivocado. Aludia-se, neste caso, abertamente à sua simpática proximidade com
a população juazeirense porque, como o senhor enfatizava com pungência, o
senhor é um romeiro que, como tantos outros, acorreu à terra do Padre Cícero e,
por amor e devoção a esta, pretendia fazer dela um espaço melhor para a
população e para seus visitantes romeiros.
O senhor foi eleito, desse modo, “pela
vontade do povo”, fez carreatas comemorativas, foi aclamado por uma parcela da
população e tomou posse, pela segunda vez, como prefeito com uma porcentagem de
51,55% dos votos. É chamado carinhosamente de Raimundão, o que só comprova sua
amistosa ligação com o povo e suas idiossincrasias.
Não quero tocar em assuntos
embaraçosos, para preservar sua saúde, e promover seu bem-estar, mas poucos
meses após sua posse já se ouvia falar em possibilidade de cassação – que
chato! –, insatisfação das pessoas pela falta de pulso administrativo, também por sua tendência a querer livrar-se das críticas com explicações não muito
convincentes – seja pela fragilidade dos argumentos, seja pela dicção, que
alguns dizem ser constrangedora.
O Cariri cearense sempre teve destaque nacional pelos valores culturais
de que é dotado. O senhor, como pode ser comprovado fazendo uma simples
pesquisa por sites da internet,
divulgou para o país a imagem de Juazeiro do Norte em jornais a que os
brasileiros recorrem com frequência, na simpática “dona” do Brasil que nasceu
sob a égide da famigerada ditadura militar: a Rede Globo de Televisão. Vi o
senhor ser mencionado, por exemplo, no Bom Dia Brasil, Jornal Nacional e
Fantástico. Queriam expandir sua já proeminente fama, por certo!
Da sua gestão tenho guardada e
resguardada uma imagem comovente: a fotografia em que aparece a Professora Antônia Lucimeire
Oliveira, que teve repercussão nacional ao ser fotografada chorando em decorrência do
desrespeito com que ela e demais educadores foram tratados pelo senhor. O
resultado foi a manifestação que culminou com seu – que horror! – confinamento
no Banco do Brasil. Nesta ocasião eu estive lá e, recentemente, li um cordel alusivo
a este acontecimento que tanto o fez sofrer. Trata-se do cordel de estreia de
Lívio do Sertão: No dia em que o povo de
Juazeiro ocupou as ruas ou a história do prefeito enjaulado. Sem dúvidas um
texto que ataca sua pessoa com mordacidade, e que registra um recorte
importante da cidade que o senhor administra tão dedicadamente.
Sua dedicação é tanta que temos
visto grandes ações em seu governo: uma fotografia sua, outro dia, não mostrou
seu empenho na tentativa de limpar um esgoto a céu aberto com um palitinho? Sua rádio, a Vale FM, não tem exposto seu desempenho com ares de que o senhor seria digno de admiração e louvor? As ruas não estão com o melhor em
termos de organização e asfaltamento? Drenagens não foram realizadas com rigor
em bairros que sofriam em épocas de chuva? Hospitais e postos de saúde não têm
desenvolvido atividades exemplares, por serem assistidas por profissionais bem
pagos que dispõem de medicamentos e produtos hospitalares em quantidade e
qualidade irreprocháveis? A educação não tem sido prioridade, com professores
valorizados e alunos tratados com dignidade?
Prefeito, senhor prefeito, não seria
possível observar com maior afeição o que ainda precisa ser realizado a favor
do povo cuja vontade o colocou no poder? Precisa fazer só um pouquinho e tudo
será melhorado: quase não se vê problema na cidade, não é? Não se vê...
Recentemente, escrevi um texto sobre
a violência que tem tirado a paz da população. Lá eu fui um tantinho malvado
com o senhor, pois eu me indagava, ingenuamente, sobre a causa de tanta
violência. A causa desta seria a má distribuição de renda, o crescimento
desordenado da cidade, a péssima (só um pouquinho péssima, pútrida,
desavergonhada, infame, claro!) administração impulsionadora das discrepâncias
sociais mais que nítidas? Haverá resposta?
A propósito de minha mania de perguntar: no primeiro
parágrafo eu perguntava qual o grau de afeto que o senhor despendia em relação
à histórica cidade de Juazeiro do Norte. Agora eu vou perguntar algo
relacionado a isto, porém de outro modo: por que o senhor odeia, hostiliza,
despreza e repudia com tanta veemência a cidade em que nasci, fui criado e que
vi ser administrada por prefeitos cujo compromisso quase nunca condizia com o
que era prometido nos discursos em época de eleição?
Não vá chorar, porque não o quero triste. Para preservá-lo,
não vou transcrever o seguinte trecho de uma crônica que postei em meu blog, e
que intitulei: Obviedades sobre uma
cidade, um estado e um país.
Nascido e criado em Juazeiro do Norte, terra de valor histórico
incomensurável, terra de Maria de Araújo – a santa sem sepulcro –, acompanho
com olhar mais crítico a administração de minha cidade apenas há alguns anos. A
“lucidez” só nos vem com certa idade – falo por mim e por alguns, apenas,
porque gente há que sequer tal “lucidez” foi capaz de fazê-la
acordar.
Esgoto a céu aberto
na maior parte das ruas, terrenos baldios que funcionam como lixões, bairros
que necessitam de obras de drenagem, bairros – maior parte da cidade – que não
têm saneamento, praças carcomidas e desmatadas e sujas, ausência de lixeiro em
quase todos os espaços de maior movimentação, falta d’água diária em alguns
bairros – sobretudo em época de romaria –, centro da cidade desestruturado e
vitimado por poluição sonora e visual, impostos gritantes e abusivos pouco
revertidos em melhoria para a população, decadência de escolas, defasagem dos
vencimentos do funcionalismo público, desrespeito explícito contra os
visitantes que vêm para a cidade em época de romaria, desrespeito diário aos
moradores da cidade que vivem à mercê da própria sorte ante a crescente violência,
ruas com péssimas camadas de asfaltos, cultura pouco valorizada, o universo
artístico pouco incentivado, em decorrência da chuva um mundo de enchentes e
ampliação ou abertura de novos buracos, deficiência mordaz e vergonhosa da
saúde, assaltos, assassinatos, transporte público indigno, desestrutura total e
absoluta e absurda do trânsito, vereadores em sua maioria omissos, prefeitos –
desde que eu nasci – absolutamente negligentes e apáticos à causa do povo e
tirânicos e opressores e frágeis de caráter e sem inteligência e pútridos em
suas condutas (des) administrativas...
Não leve a sério minha tendência a atirar contra o
senhor minhas reivindicações. Não suporto ver pessoas constrangidas. Espero que
os juazeirenses, sobretudo os que o tratam amavelmente como Raimundão,
continuem apáticos e silenciosos, porque assim sua cabeça continuará
deitando-se no travesseiro com a consciência tranquila – mais tranquila do que Raskólnikov, de Crime e castigo, após utilizar-se de sua machadinha para fins beneficentes, enfatize-se.
Direciono
uma pergunta, agora, para mim mesmo: como seria se um dia minha cidade
dispusesse de um político capaz de olhar, com coerência, para as necessidades
do seu povo e para suas possibilidades de desenvolvimento? Já pensou, senhor
prefeito, se os romeiros chegassem aqui, um dia, e vissem minha cidade
revitalizada! Quem dera! Eu fugirei destas visões romantizadas, obviamente, porque
elas são tão exequíveis quanto a possibilidade de um político – sem menção ao
presente nestas linhas, claro! – ser honesto no Brasil.
No último
aniversário da minha cidade escrevi um poema – uma paródia do poema Romance da Guarda Civil Espanhola, de
Federico García Lorca – para homenageá-la. Em verdade, escrevi mais um texto de
revolta, senhor prefeito. Não o quero ver sofrer – não quero mesmo... Não vou
transcrever o tal poema, não vou! O título dele é Ode inconformada para Juazeiro do Norte.
Ó
cidade dos romeiros
Que à mercê da própria sorte
Debulha preces sentidas:
Quem te dará proteção
Contra facínoras, crápulas,
Que te roubam vorazmente
Eleição pós eleição?
Ó cidade atormentada
Pela falta de respeito
De monstruosos políticos:
Quem brigará por tuas lutas
Quem te dará novos homens
Que resguardem teus valores
E que tenham gestos dignos?
Ó cidade inconformada
De trânsito insuportável
E precária infraestrutura:
Quem te vê que não deseja
Novos rumos, novas eras,
Renovação dos teus bairros,
A segurança nas ruas?
Ó cidade sobranceira
De nordestinas sapiências
E de imponente memória:
Quem salvará do abandono
Teus recantos e riquezas?
Esqueceram-se de ti
Desprezaram tua história...
Queria limpar-te as feridas
Lavar teus olhos chorosos
Verter abraços queria
Sobre ti, cidade minha!
Queria salvar-te, Juazeiro,
Dar-te futuro honroso
Abrir-te as mãos com preclaras
Aconchegar-te em meu peito...
Ó cidade resistente,
Tenho pouco para dar-te:
Meus versos inconformados
São um presente simplório...
Mas os entrego, saudoso,
E espero ver-te, quem sabe,
Assistida e refulgente
A vestir novas roupagens!
Concluo, caro prefeito, afirmando que precisamos ver
com urgência novas perspectivas para a cidade de Juazeiro do Norte. Não sei
quanto seria suficiente para dar novas roupagens à nossa terra – o senhor, por
um acaso, pediu os 22 milhões emprestados com esta intenção? Empréstimo será
realmente uma boa ideia, hein? Sem mais, certo de que o senhor refletirá sobre
minhas simplórias palavras, despeço-me com votos de que o senhor seja muito
feliz, e de que o senhor tenha muitos anos de vida – afinal de contas, somente
com muitos anos de vida o senhor poderá aproveitar a modesta quantia que o
senhor tem colecionado com os muitos mandatos que já experimentou.
Atenciosamente:
Émerson Cardoso
Parabéns pelo papel social demonstrado em precisas linhas. Uma carta que exige e cativa.
ResponderExcluirObrigado pela gentileza das palavras!
ExcluirPublica no jornal. Texto mais-que-perfeito.
ResponderExcluirBoa ideia, Ildevania!
ResponderExcluirPerfeito... mas, mais de dois meses se passaram e o nosso prefeito continua rindo da nossa cara... queria que a vontade do povo o tirasse da prefeitura do mesmo jeito que o colocou, mas a população de Juazeiro continua omissa na defesa da nossa cidade.
ResponderExcluirÉ lamentável o que nossa cidade tem passado! Concordo que as pessoas precisam ser menos omissas! Abraço!
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