quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

CARTA AO ATUAL PREFEITO DA CIDADE DE JUAZEIRO DO NORTE - CE


Senhor Prefeito,

Inicio esta carta com um questionamento um tanto sentimentaloide: em que grau afetivo – se é que podemos estipular graus para o afeto de alguém – o senhor se encontra em se tratando da cidade de Juazeiro do Norte?
            Talvez eu tenha iniciado meu texto com este evidente apelo emocional porque desejo sensibilidade de sua parte – terá sido uma falha exigir de um homem “devotado” à esfera pública resquícios de sensibilidade? Talvez não, porque testemunhas oculares dão conta de que o senhor era tão solícito com algumas pessoas: até nas tradicionais renovações de algumas delas era possível vê-lo refestelando-se antes e durante sua campanha eleitoral!
Eu suponho que tomarei um rumo mais objetivo em minha escrita, daqui para frente. Falarei, portanto, de sua popularidade por ocasião da campanha cujo slogan era: Pela vontade do povo, se não estou equivocado. Aludia-se, neste caso, abertamente à sua simpática proximidade com a população juazeirense porque, como o senhor enfatizava com pungência, o senhor é um romeiro que, como tantos outros, acorreu à terra do Padre Cícero e, por amor e devoção a esta, pretendia fazer dela um espaço melhor para a população e para seus visitantes romeiros.
         O senhor foi eleito, desse modo, “pela vontade do povo”, fez carreatas comemorativas, foi aclamado por uma parcela da população e tomou posse, pela segunda vez, como prefeito com uma porcentagem de 51,55% dos votos. É chamado carinhosamente de Raimundão, o que só comprova sua amistosa ligação com o povo e suas idiossincrasias.
           Não quero tocar em assuntos embaraçosos, para preservar sua saúde, e promover seu bem-estar, mas poucos meses após sua posse já se ouvia falar em possibilidade de cassação – que chato! –, insatisfação das pessoas pela falta de pulso administrativo, também por sua tendência a querer livrar-se das críticas com explicações não muito convincentes – seja pela fragilidade dos argumentos, seja pela dicção, que alguns dizem ser constrangedora.
         O Cariri cearense sempre teve destaque nacional pelos valores culturais de que é dotado. O senhor, como pode ser comprovado fazendo uma simples pesquisa por sites da internet, divulgou para o país a imagem de Juazeiro do Norte em jornais a que os brasileiros recorrem com frequência, na simpática “dona” do Brasil que nasceu sob a égide da famigerada ditadura militar: a Rede Globo de Televisão. Vi o senhor ser mencionado, por exemplo, no Bom Dia Brasil, Jornal Nacional e Fantástico. Queriam expandir sua já proeminente fama, por certo!
            Da sua gestão tenho guardada e resguardada uma imagem comovente: a fotografia em que aparece a Professora Antônia Lucimeire Oliveira, que teve repercussão nacional ao ser fotografada chorando em decorrência do desrespeito com que ela e demais educadores foram tratados pelo senhor. O resultado foi a manifestação que culminou com seu – que horror! – confinamento no Banco do Brasil. Nesta ocasião eu estive lá e, recentemente, li um cordel alusivo a este acontecimento que tanto o fez sofrer. Trata-se do cordel de estreia de Lívio do Sertão: No dia em que o povo de Juazeiro ocupou as ruas ou a história do prefeito enjaulado. Sem dúvidas um texto que ataca sua pessoa com mordacidade, e que registra um recorte importante da cidade que o senhor administra tão dedicadamente.
            Sua dedicação é tanta que temos visto grandes ações em seu governo: uma fotografia sua, outro dia, não mostrou seu empenho na tentativa de limpar um esgoto a céu aberto com um palitinho? Sua rádio, a Vale FM, não tem exposto seu desempenho com ares de que o senhor seria digno de admiração e louvor? As ruas não estão com o melhor em termos de organização e asfaltamento? Drenagens não foram realizadas com rigor em bairros que sofriam em épocas de chuva? Hospitais e postos de saúde não têm desenvolvido atividades exemplares, por serem assistidas por profissionais bem pagos que dispõem de medicamentos e produtos hospitalares em quantidade e qualidade irreprocháveis? A educação não tem sido prioridade, com professores valorizados e alunos tratados com dignidade?
            Prefeito, senhor prefeito, não seria possível observar com maior afeição o que ainda precisa ser realizado a favor do povo cuja vontade o colocou no poder? Precisa fazer só um pouquinho e tudo será melhorado: quase não se vê problema na cidade, não é? Não se vê...
            Recentemente, escrevi um texto sobre a violência que tem tirado a paz da população. Lá eu fui um tantinho malvado com o senhor, pois eu me indagava, ingenuamente, sobre a causa de tanta violência. A causa desta seria a má distribuição de renda, o crescimento desordenado da cidade, a péssima (só um pouquinho péssima, pútrida, desavergonhada, infame, claro!) administração impulsionadora das discrepâncias sociais mais que nítidas? Haverá resposta?
A propósito de minha mania de perguntar: no primeiro parágrafo eu perguntava qual o grau de afeto que o senhor despendia em relação à histórica cidade de Juazeiro do Norte. Agora eu vou perguntar algo relacionado a isto, porém de outro modo: por que o senhor odeia, hostiliza, despreza e repudia com tanta veemência a cidade em que nasci, fui criado e que vi ser administrada por prefeitos cujo compromisso quase nunca condizia com o que era prometido nos discursos em época de eleição?
Não vá chorar, porque não o quero triste. Para preservá-lo, não vou transcrever o seguinte trecho de uma crônica que postei em meu blog, e que intitulei: Obviedades sobre uma cidade, um estado e um país.

Nascido e criado em Juazeiro do Norte, terra de valor histórico incomensurável, terra de Maria de Araújo – a santa sem sepulcro –, acompanho com olhar mais crítico a administração de minha cidade apenas há alguns anos. A “lucidez” só nos vem com certa idade – falo por mim e por alguns, apenas, porque gente há que sequer tal “lucidez” foi capaz de fazê-la acordar.  
Esgoto a céu aberto na maior parte das ruas, terrenos baldios que funcionam como lixões, bairros que necessitam de obras de drenagem, bairros – maior parte da cidade – que não têm saneamento, praças carcomidas e desmatadas e sujas, ausência de lixeiro em quase todos os espaços de maior movimentação, falta d’água diária em alguns bairros – sobretudo em época de romaria –, centro da cidade desestruturado e vitimado por poluição sonora e visual, impostos gritantes e abusivos pouco revertidos em melhoria para a população, decadência de escolas, defasagem dos vencimentos do funcionalismo público, desrespeito explícito contra os visitantes que vêm para a cidade em época de romaria, desrespeito diário aos moradores da cidade que vivem à mercê da própria sorte ante a crescente violência, ruas com péssimas camadas de asfaltos, cultura pouco valorizada, o universo artístico pouco incentivado, em decorrência da chuva um mundo de enchentes e ampliação ou abertura de novos buracos, deficiência mordaz e vergonhosa da saúde, assaltos, assassinatos, transporte público indigno, desestrutura total e absoluta e absurda do trânsito, vereadores em sua maioria omissos, prefeitos – desde que eu nasci – absolutamente negligentes e apáticos à causa do povo e tirânicos e opressores e frágeis de caráter e sem inteligência e pútridos em suas condutas (des) administrativas...


Não leve a sério minha tendência a atirar contra o senhor minhas reivindicações. Não suporto ver pessoas constrangidas. Espero que os juazeirenses, sobretudo os que o tratam amavelmente como Raimundão, continuem apáticos e silenciosos, porque assim sua cabeça continuará deitando-se no travesseiro com a consciência tranquila – mais tranquila do que Raskólnikov, de Crime e castigo, após utilizar-se de sua machadinha para fins beneficentes, enfatize-se.
   Direciono uma pergunta, agora, para mim mesmo: como seria se um dia minha cidade dispusesse de um político capaz de olhar, com coerência, para as necessidades do seu povo e para suas possibilidades de desenvolvimento? Já pensou, senhor prefeito, se os romeiros chegassem aqui, um dia, e vissem minha cidade revitalizada! Quem dera! Eu fugirei destas visões romantizadas, obviamente, porque elas são tão exequíveis quanto a possibilidade de um político – sem menção ao presente nestas linhas, claro! – ser honesto no Brasil.
  No último aniversário da minha cidade escrevi um poema – uma paródia do poema Romance da Guarda Civil Espanhola, de Federico García Lorca – para homenageá-la. Em verdade, escrevi mais um texto de revolta, senhor prefeito. Não o quero ver sofrer – não quero mesmo... Não vou transcrever o tal poema, não vou! O título dele é Ode inconformada para Juazeiro do Norte.

 Ó cidade dos romeiros
Que à mercê da própria sorte
Debulha preces sentidas:
Quem te dará proteção
Contra facínoras, crápulas,
Que te roubam vorazmente
Eleição pós eleição?

Ó cidade atormentada
Pela falta de respeito
De monstruosos políticos:
Quem brigará por tuas lutas
Quem te dará novos homens
Que resguardem teus valores
E que tenham gestos dignos?

Ó cidade inconformada
De trânsito insuportável
E precária infraestrutura:
Quem te vê que não deseja
Novos rumos, novas eras,
Renovação dos teus bairros,
A segurança nas ruas?

Ó cidade sobranceira
De nordestinas sapiências
E de imponente memória:
Quem salvará do abandono
Teus recantos e riquezas?
Esqueceram-se de ti
Desprezaram tua história...

Queria limpar-te as feridas
Lavar teus olhos chorosos
Verter abraços queria
Sobre ti, cidade minha!

Queria salvar-te, Juazeiro,
Dar-te futuro honroso
Abrir-te as mãos com preclaras
Aconchegar-te em meu peito...

Ó cidade resistente,
Tenho pouco para dar-te:
Meus versos inconformados
São um presente simplório...

Mas os entrego, saudoso,
E espero ver-te, quem sabe,
Assistida e refulgente
A vestir novas roupagens!

Concluo, caro prefeito, afirmando que precisamos ver com urgência novas perspectivas para a cidade de Juazeiro do Norte. Não sei quanto seria suficiente para dar novas roupagens à nossa terra – o senhor, por um acaso, pediu os 22 milhões emprestados com esta intenção? Empréstimo será realmente uma boa ideia, hein? Sem mais, certo de que o senhor refletirá sobre minhas simplórias palavras, despeço-me com votos de que o senhor seja muito feliz, e de que o senhor tenha muitos anos de vida – afinal de contas, somente com muitos anos de vida o senhor poderá aproveitar a modesta quantia que o senhor tem colecionado com os muitos mandatos que já experimentou.
Atenciosamente:

Émerson Cardoso

6 comentários:

  1. Parabéns pelo papel social demonstrado em precisas linhas. Uma carta que exige e cativa.

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  2. Publica no jornal. Texto mais-que-perfeito.

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  3. Perfeito... mas, mais de dois meses se passaram e o nosso prefeito continua rindo da nossa cara... queria que a vontade do povo o tirasse da prefeitura do mesmo jeito que o colocou, mas a população de Juazeiro continua omissa na defesa da nossa cidade.

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    1. É lamentável o que nossa cidade tem passado! Concordo que as pessoas precisam ser menos omissas! Abraço!

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