terça-feira, 27 de maio de 2025

EXPERIÊNCIAS ESCOLARES EXITOSAS QUE DEIXARÃO SAUDADE

Em 2025, a EEM Governador Adauto Bezerra vivenciou duas experiências escolares exitosas envolvendo a criatividade e o esforço da Prof.ª Ma. Éricka Sobreira[1]: 1) o Projeto práticas corporais de aventuras (que consiste em realizar a tradicional subida ao Horto) e 2) o Projeto 2º Grau em Ação.

Projeto práticas corporais de aventuras consiste em conduzir estudantes do 2º ano do Ensino Médio (a Professora Éricka ministra a disciplina de Educação Física para estudantes dessa série) ao ponto turístico mais relevante da cidade de Juazeiro do Norte-CE. Durante o trajeto, estudantes realizam a caminhada na denominada Rua do Horto (espaço de peregrinação de romeiros que visitam a cidade e que tem se transformado, cada vez mais, em lugar para atividades físicas). A caminhada termina no ponto mais alto da cidade, local em que está localizada a imagem do Padre Cícero Romão Batista.




Ao propor essa atividade, a Professora Éricka promove atividade de Educação Física, mas também contribui para que estudantes vivenciem uma experiência de contato com: 1) a história da cidade, 2) o ponto turístico dos mais visitados do Nordeste, 3) um dos espaços de preservação do Geopark Araripe e 3) o contato com a realidade sociocultural e sócio-histórica da denominada cidade dos romeiros. Durante a experiência, existe o contexto de interação entre professores e estudantes, o que torna o momento lúdico, interativo e agradável.

Quanto ao Projeto 2º Grau em Ação, que está em sua décima sexta edição, neste ano, ele foi idealizado e realizado, ao longo desses anos, para alcançar a comunidade escolar em seu todo. Com isso, estimula o protagonismo dos estudantes, promove saúde física e bem-estar, cria momentos de interação e, do meu ponto de vista, caracteriza-se por ser de grande relevância para a construção identitária da escola. 



O 2º Grau em Ação é desenvolvido com o envolvimento de estudantes, o que nos possibilita dizer que o protagonismo juvenil é vivenciado na prática. Embora receba apoio da Gestão Escolar e do Corpo Docente, o 2º Grau em Ação é desenvolvido, intensamente, desde o processo de organização até o momento em que tem sua culminância, pelo esforço da Professora Éricka e dos estudantes supervisionados por ela.  

No contexto de sua realização, que ocorreu no dia 21 de maio, foram oferecidos atendimentos diversos: 1) brinquedoteca, 2) teste de glicemia e de outras questões de saúde, 3) aferimento de pressão arterial, 4) tipagem sanguínea, 5) limpeza de pele, 6) massagem, 7) roda de conversa, 8) orientações de saúde física e psicológica, 9) orientação jurídica, 10) oficina de educação financeira, 11) oficina de defesa pessoal, 12) cinema para divulgação da Língua Brasileira de Sinais–LIBRAS etc.

As turmas da 2ª Série do Ensino Médio são, novamente, as envolvidas no Projeto. Elas são articuladas, com apoio da idealizadora do projeto, e organizam-se com o objetivo de tornar possível o evento. Enquanto as ações são realizadas, a comunidade escolar espalha-se nos corredores, nos pátios e nas salas de aulas reorganizadas para os atendimentos.

Essa edição do Projeto 2º Grau em Ação, em especial, se realizou envolta na seguinte sensação: ela fecha um ciclo, com chave de ouro, pois a Professora Éricka completará, neste ano, o tempo de que necessitava para cumprir sua missão em nossa escola. 

Enquanto as atividades do 2º Grau em Ação aconteciam, pensei que esse projeto foi significativo demais para o desenvolvimento da escola, porque propagou saberes, proporcionou interações, bem-estar comunitário e, sobretudo, construiu memórias afetivas.

Desde sua fundação, em 1977, a EEM Governador Adauto Bezerra contou com muitos profissionais que contribuíram para torná-la uma escola de referência. A Professora Éricka também faz parte desse grupo dedicado que merece reconhecimento. Ela também olhou para a escola com dedicação, mesmo quando os desafios que se impõem no âmbito educacional foram adversos a seu desejo de tornar a escola um lugar de amplas possibilidades.  

Como a vida é de impermanências, a sensação que temos, por vezes, é a de que tudo passa rápido demais. Desse modo, pode parecer que não conseguimos realizar os projetos idealizados, mas a Professora Éricka pode se alegrar, porque em sua vida profissional (seja em sala de aula, seja fora dela) conseguiu realizar grandes feitos (a prova disso são esses dois projetos, dentre os vários que ela realizou, que mostram o quão bem-sucedida ela foi). 

O tempo parece levar tudo sem considerar, quando ele passa, o quão frágeis nós somos. O tempo já não levou dezesseis anos desse evento que tanto amplia a experiência de nossa escola? Quando se vai, ele tende a querer apagar os cenários nos quais vivemos, mas ainda nos é dado guardar memórias. 

Esses projetos ficarão em nossas memórias, certamente, também o exemplo de dedicação e de envolvimento da Professora Éricka, que teve a coragem de transformar uma ideia em realidade. 

Agora, enquanto escrevo, parece justo dizer da alegria que sinto por ter visto em nossa Escola, por três vezes, o Projeto práticas corporais de aventuras e o Projeto 2º Grau em Ação ganharem vida. Nós que compartilhamos do afeto por nossa escola, repleta de boas memórias construídas, apesar dos desafios do cotidiano, só temos a agradecer à Professora Éricka. Ela é consciente de sua função social e, por ser uma profissional admirável (seja pela firmeza de caráter, seja pela dedicação ao trabalho), não se permitiu (e não se permite) passar pela escola sem torná-la um lugar digno e acolhedor, repleto de aprendizagens e de interações, o que nos ensina uma grande lição: é preciso ter coragem para enfrentar os desafios e concretizar nossos ideais.    

Para encerrar, gostaria de dizer que a Professora Éricka é bisneta de uma figura histórica importante de nossa cidade: o comerciante Aureliano Pereira da Silva[2]. Ele foi o romeiro alagoano a quem o Padre Cícero vaticinou que seria pai de 36 filhos que contribuiriam para o desenvolvimento de Juazeiro do Norte. Sendo assim, a Professora Éricka está de parabéns, pois pode comemorar por ter cumprido, por suas contribuições na Educação, a profecia do Padre Cícero, que disse que os descendentes de seu bisavô contribuiriam para o desenvolvimento de nossa cidade. 

Que o legado dessa Professora notável nunca seja esquecido!

Émerson Cardoso

28/05/2025



[1] Éricka Maria Pereira Sobreira de Araújo é graduada em Educação Física, tem especialização em Planejamento e Políticas Educacionais e em Gestão Escolar. Professora de Educação Física com ampla experiência, com atuação no Ensino Fundamental, no Ensino Médio e no Ensino Superior, ela é mestra em Saúde da Criança e do Adolescente e tem diversas várias práticas de projetos em suas atividades docentes.

[2] A história de Aureliano Pereira da Silva foi contada no romance O Padre e o Romeiro, de Geraldo Menezes Barbosa. Ele também é retratado à mesa o Padre Cícero no Museu Vivo localizado no Horto.

 





segunda-feira, 5 de maio de 2025

A PEÇA "SERTÃO CONFEDERADO" ENCANTA O CARIRI

          

Foto: sintafce.org.br

No dia 02 de maio de 2025, às 19h, o escritor Mailson Furtado realizou, na Biblioteca Pública Municipal do Crato, o lançamento do livro Sertão Confederado. Nacionalmente conhecido por sua trajetória literária no âmbito da poesia, o autor também é um dramaturgo notável, sobretudo se considerarmos a obra mencionada, que foi construído em colaboração com o Grupo Criar de Teatro, Cia Prisma de Artes e Herê Aquino.

 

No dia seguinte ao lançamento do livro, às 20h, os dois grupos teatrais apresentaram, no Teatro Adalberto Vamozi, a peça Sertão Confederado. Como é evocado no título, a obra discorre sobre o movimento político ocorrido no Nordeste do Brasil, há 200 anos, denominado Confederação do Equador.

 

Quando o público entra, é recebido por duas imagens: uma visual e uma sonora. A imagem visual se dá pela apresentação da personagem Ana Triste, que escreve, sentada em uma cadeira postada sobre um móvel de madeira, com caderno e pena nas mãos — uma espécie de diário ou livro de memória? O espectador constata, desde o início, que ela será a narradora da ação da peça. A imagem sonora, por sua vez, se dá ao som do violão que conduz os espectadores (como se fossem levados a viajar por um túnel do tempo) à atmosfera que remete ao contexto histórico explanado na peça.  

 

Essas duas imagens, simbolicamente, prevalecerão no enredo. A narrativa de Ana Triste, entre intensa e introspectiva, é o fio condutor da ação dramática. A música, onipresente no espetáculo, reforça a pretensão do texto de envolver o público, sobretudo emocionalmente, quanto aos eventos políticos do Brasil após a independência.  

 

Explicitado o contexto histórico da peça, ela faz um recorte: trata da presença (em tudo relevante) do Ceará nesse movimento, que envolveu vários estados do Nordeste, contra o governo brasileiro do início do século XIX — um governo lastreado pela monarquia. Desse modo, o elenco se move pelo palco em cenário minimalista (com falas, cantos ou danças), dando vida às figuras históricas cujos nomes são conhecidos (mas  ainda não suficientemente reconhecidos) pela efetiva participação na Confederação do Equador.

 

Esse recorte é muito bem delineado no texto dramático, de autoria de Mailson Furtado (que dá vida ao herói Tristão Gonçalves de Araripe e também oferece ao espetáculo seu conhecimento musical), uma vez que a dramaturgia apoia-se em apurada pesquisa histórica e cultural. Os diversos conteúdos colhidos são transformados em componentes de ação capazes de envolver o público. Nesse sentido, em meio à explanação de aspectos históricos, políticos e memorialísticos, o autor acerta na linguagem empregada, uma vez que articula: 1) a retórica dos discursos políticos e eclesiásticos com criatividade, 2) o lirismo do discurso de Ana Triste (que é melancólico, mas transgressor e provocativo, de modo que ela transgride tempo e espaço em sua narrativa repleta de prolepses analepses) e 3) o prosaico nos discursos, sobretudo, de personagens secundárias em contexto cômicos etc.

 

Algo a ser considerado, também, nessa perspectiva, é o uso de fugas cômicas no plano da ação e da linguagem que, sem descaracterizar o tom sério e de contornos trágicos predominantes no texto, consegue incitar ao riso em vários momentos. O texto mostra, na superfície e em suas camadas profundas, a presença da configuração trágica. Apesar disso, se permite a atos de comicidade em momentos pontuais — o que o torna dinâmico e instigante.

 

Além disso, outro aspecto notável da peça é o uso de componentes das tradições orais. Isso fica nítido, principalmente, quando canções e danças concentram, em suas melodias e coreografias, valores que remetem à cultura popular. As composições exibidas e as coreografias apresentadas tornam a peça lúdica, ágil, expressiva e lírica. A plateia interage, em vários momentos, com o elenco. Nas coreografias, não é difícil localizar menções ao reisado, maneiro-pau, coco de roda etc.

 

Sendo essa a apresentação de estreia, é notório o potencial dessa obra, que conseguiu expor o contexto histórico-político sem cair em didatismos impertinentes, linearidades acríticas ou clichês narrativos. Ao contrário disso, os recursos dramatúrgicos, utilizados com originalidade, tornam a experiência de adentrar o universo complexo da Confederação do Equador algo prazeroso.

 

A propósito, a peça é dirigida pela experiente e criativa Herê Aquino, que faz um trabalho notável em torno do texto dramático de Mailson Furtado. Quanto à cenografia, certamente em nítido diálogo com a diretora, Chico Henrique opta pela criação de um cenário conciso, objetivo e prático na transição de cenas. Por exemplo, o móvel sobre o qual Ana Triste se apresenta sentada, no início e no desenvolvimento da ação da peça, transforma-se em diversos outros itens — de mesa utilizada para reunião de Bárbara de Alencar com seus adeptos, a barco utilizado por Thomas Cochrane, esse móvel concentra surpresas que funcionam perfeitamente a serviço da dramaturgia.

 

Aspecto notável no espetáculo é o elenco e a caracterização primorosa das personagens. Estamos diante de dois grupos teatrais com atores e atrizes que dão vida a personalidades históricas marcadas por dois ângulos de visão: o propagado pela oficialidade histórica e o propagado pelo imaginário.

 

Com base nisso, são retomadas: 1) figuras femininas como Bárbara de Alencar (Luisete Carvalho), a matriarca cujas ideias tornaram-na a primeira presa política do país, e Ana Triste (Yane Cordeiro), a fiel esposa que se enlutou, para sempre, depois da morte do marido amado; e 2) figuras masculinas como Tristão Gonçalves Araripe (Mailson Furtado), líder do movimento no Ceará, Pereira Filgueiras (Raimundo Moreira), comandante das armas, e José Martiniano Pereira de Alencar (Maycon Wiliam), dentre outras personalidades relevantes da Confederação do Equador.  

 

Merece nota o fato de que os/as artistas se revezam na interpretação de uma mesma personagem, também assumem outras atividades no desenvolvimento da ação — especialmente no trabalho com a música, que é um dos pontos altos do espetáculo. Embora ocorra essa amplitude de funções, o elenco as realiza com leveza e fluidez, criando harmonia cênica.

 

As personagens são compostas, com maestria, pelos dois grupos teatrais unidos para realização dessa obra. Reforçam a caracterização delas excelente trabalho de figurino, cabelo e maquiagem. O figurino, criado por Chico Henrique e Ivanio Sousa, é significativo para a dramaturgia: no figurino permanente, prevalecem tons claros com  uso de vermelho e amarelo. Quando uma personagem surge na cena, ela é representada, também, pelo figurino que muda: é possível reconhecer a transição das personagens por meio da sobreposição de vestimentas. Além disso, é pertinente observar o azul, principalmente nas vestimentas masculinas.   

 

Na peça, existem momentos emblemáticos: 1] a cena da marcha (momento em que há uma apresentação de música e dança com coreografia remetendo à marcha dos revolucionários); 2] a cena da mesa de reunião (espécie de santa ceia de rebelados?) na qual Bárbara de Alencar tem destaque; 3] a cena do diálogo entre Pereira Filgueiras e o Governador Sampaio que, por meio de recursos cômicos (com espaço para um jogo metalinguístico), é realizado com auxílio de um mensageiro (Gal Saldanha) capaz de transgredir tempo e espaço para levar e trazer as correspondências dos dois políticos; 4] a cena da chegada de Thomas Cochrane (Maycon Wiliam) com o ajudante (Gal Saldanha), que é dos momentos mais cômicos da peça (Gal Saldanha e Maycon Wiliam estão excelentes na cena); 5] a cena em que ocorre o breve monólogo de Ana Triste ante a morte de Tristão Gonçalves (nesse momento, Yane Cordeiro emprega forte carga dramática e leva o espectador à comoção); 6] a cena em que Tristão Gonçalves é assassinado e levado em cortejo (deixando Ana Triste desolada).

 

Essas e tantas outras cenas são dignas de notas. Em verdade, é pertinente dizer: a peça em seu todo é rica em forma e conteúdo, é criativa em sua maneira de apresentar a Confederação do Equador, é dinâmica em sua predisposição a alternar o que é trágico e cômico; é harmônica em sua composição dramática; é consciente em sua articulação dos recursos dramáticos a serviço de contar uma história esteticamente constituída; é uma obra de arte, porquanto concentra itens indispensáveis ao que é artístico.

 

Sertão Confederado é uma experiência teatral intensa em vários aspectos, pois ela é atual em suas reflexões políticas, históricas e memorialísticas, também é rica pelo texto dramático e pelas atuações. Música, dança, canto e atuações tornam essa obra uma profusão de lirismo, dinamismo e vida.

 

REFERÊNCIAS:

 

FURTADO, Mailson. Sertão confederado. Varjota: Edições CriAr/Edições Fundação SINTAF, 2025.

 

Émerson Cardoso

03/05/2025