1 – Perceber que o tempo passa, e que você envelhecerá, o incomoda?
Profundamente. Se morrer
não fosse tão amedrontador, preferiria sair do mundo antes que isto acontecesse. E digo isto não porque lamento a velhice, pois se há seres humanos que merecem respeito, admiração, afeto e proteção, sem dúvidas, são os que conseguiram sobreviver ao caos que é a vida e podem dizer, finalmente, que são idosos. Digo isso porque viver, em si, é um tormento - eu vivo porque é o jeito e porque, quando penso em morrer, lembro-me também de que tenho obras literárias que
ainda preciso publicar e muitos livros que ainda preciso ler...
2 – Como você acha que vai morrer?
Não sei, mas se fosse possível optar: queria morrer
de modo que fosse possível driblar a dor, a solidão e o medo que, com certeza, são
comuns no momento da passagem.
3 – O que você acha que
vai encontrar quando você morrer? Com
quem você, se pudesse, desejaria se encontrar?
Entre dúvidas e
certezas, creio que pode haver uma vida espiritual – eu me apoio nisto para não
morrer! Se eu não acreditasse num possível mundo espiritual eu já teria tentado
fugir deste mundo, certamente. Se fosse viável encontrar-me com alguém no mundo espiritual,
creio que desejaria encontrar as pessoas com as quais, aqui na terra, tivesse
mantido amizades reais e duradouras. Também alguns familiares...
4 – Você considera
importante que as pessoas professem uma crença religiosa?
Fui muito católico e
depois evangélico. Creio, portanto, que professar uma crença foi importante para
meu crescimento em certo momento. Se hoje não tenho vínculo direto com religião
alguma é porque não consigo mais, no entanto considero valiosa a relação das
pessoas com a religião independente da religião que se professa, desde que a
pessoa se torne um ser humano melhor para si e para o outro.
5 – Você prefere a
certeza ou o risco?
A certeza, em alguns casos. Tenho medo
imenso de coisas incertas e que despertam minha insegurança natural. Tenho medo do que não
está bem delineado e sob meu controle, mas não gostaria de ter certeza sobre a morte, por exemplo. Detesto a palavra risco!
6 – Você teria como
responder a pergunta feita por Neruda: “Será a vida um túnel entre duas vagas
claridades, ou uma claridade entre dois triângulos escuros?”
Não me atrevo a
responder algo tão profundo. Sequer me aproximaria, mesmo que eu tentasse, de
uma possível solução para o problema que Neruda loucamente apresenta.
7 – O que é a vida?
Insuportável! Vivo como
se não tivesse outra opção senão viver. Tentarei explicar melhor: eu estou no
mundo sem querer e não me sinto parte do mundo em que estou inserido. Por ser
capaz de ter alguma crença, não tenho coragem de cometer suicídio, mas aguardo
com ansiedade o dia em que poderei retomar – embora tenha medo da morte – o “suposto”
mundo espiritual em que deposito meus resquícios de esperança. Metaforizo a
vida da seguinte forma: tenho que subir uma montanha inóspita com um fardo nas
costas sem que eu possa, ante o desejo de desistir, pular abismo abaixo. Tenho
que ir até onde me foi dado andar, mas subir a tal montanha não me parece ter
sentido.
8 – A vida é uma causa perdida?
Sem dúvidas, mas tento me apoiar em alguns objetivos a serem alcançados para que eu não enlouqueça... E como existe a arte, ainda é possível vislumbrar um subterfúgio!
9 – A felicidade é uma causa velha?
Para mim, felicidade
não existe. Como as pessoas precisam de algo em que se apoiar para subir a
montanha que citei anteriormente, utilizam a abstrata felicidade como um fim a
ser alcançado. Imagino que a frustração será grande quando chegarem ao topo!
10 – Qual foi sua grande frustração nesta vida?
Não ter nascido numa
família funcional capaz de me dar o amparo e a segurança que tanto precisei durante toda a vida.
11 – O que mais pesa em sua cabeça: as dores ou as
recordações?
Ambas. Minha mente
reproduz com facilidade cenas vividas na infância e na adolescência: elas vêm
sempre repletas de vazios, dores e sofrimentos que ainda não foram superados.
12 – Em que época você queria ter vivido?
Eu, sinceramente, não
queria ter vivido em tempo algum, mas creio que teria sido interessante conviver
com alguns artistas do final do século XIX e início do século XX.
13 – Você se considera politizado?
Ser politizado, para
mim, é ser capaz de pensar no que a coletividade precisaria para ter dignidade.
Ter dignidade é dispor de educação, saúde, segurança, moradia, justiça,
participação nas decisões do estado, dentre outros valores. Como nada disso
existe de fato neste país ridículo em que vivo, não posso dizer que o povo tem
dignidade. Se sou capaz de pensar sobre estas questões, se sou capaz de não me
conformar diante de tanto absurdo, se me sinto no dever de denunciar os abusos
a que somos submetidos, me sinto politizado sim. Não sou, nem quero, filiação
com partido político algum, mas tenho me preocupado com as problemáticas do meu
tempo, obviamente.
14 - Há esperança para o mundo?
Não. O mundo está falido e nós somos herdeiros desta
falência. Existe, no entanto, a arte... E isto ameniza o calvário!
15 – E para o Brasil?
Muito menos. Um país
que não dá o devido valor à educação, e que é governado por seres
zoomorfizantes, não pode ser detentor de qualquer possibilidade de esperança.
16 – Você tem humor?
Quem pode viver sem
humor num mundo como este? Já fui mais bem humorado, mas ainda conservo a
capacidade de rir de mim mesmo, sobretudo. Antes eu não conseguia diferenciar o
que era engraçado do que era patético, hoje consigo rigorosamente.
17 – Você já deu vexame?
Tantas vezes. Acusaram-me
diversas vezes de ser inconveniente e inconsequente. Além disso, fui por tanto
tempo inconsciente de mim mesmo. Acho que minha insegurança, medo do mundo e
ansiedade deram o tom perfeito para que eu fosse capaz de fazer coisas
absurdas... Mas eu sobrevivi.
18 – Qual foi a maior imprudência da sua vida?
Tantas vezes fui imprudente: sou adepto da segurança
e certeza, mas também tenho uns rompantes que me tornam capaz de realizar as
mais inimagináveis ações. Não dá para enumerar o rol de minhas imprudências...
19 – Você diz que a
frase de sua predileção é de Marguerite Yourcenar: “O verdadeiro lugar de
nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar inteligente
sobre nós mesmos.” Comente:
Ser capaz de, nem que
seja tardiamente, parar, olhar para si mesmo e começar a repensar a vida em
todos os sentidos é algo que deve ser visto com bons olhos, porque mudar,
sobretudo para o bem, é uma dádiva.
20 – Em que você se
considera melhor que os outros?
Sou capaz de me
sensibilizar com facilidade e sou criativo. Isto me torna, em alguns aspectos,
mais compreensivo e, consequentemente, um ser humano melhor. Também tenho, em
doses certas, uma ampla astúcia e uma benévola perspicácia que me torna capaz
de perceber coisas que outras pessoas jamais conseguiriam perceber...
21 – Em que você se considera
pior que os outros?
Em tantos pontos...
Desde o aspecto físico até o aspecto intelectual, sinto que eu poderia ser
sempre melhor. Em verdade, sinto-me sempre o pior de todos porque, em verdade, queria mesmo era ser melhor do que eu sou.
22 – Qual a
manifestação de Arte que você prefere?
Todas as manifestações
artísticas amenizam o fardo da vida, no entanto a Literatura, o Cinema e a
Música, na ordem em que as apresentei, são as minhas preferidas.
23 – Por qual personagem da Literatura você sente
maior admiração?
Na Literatura
Brasileira: Maria Moura, da obra Memorial
de Maria Moura, de Rachel de Queiroz; na Literatura de Língua Francesa: Fantine,
da obra Os Miseráveis, de Victor Hugo, e Emma Bovary, da obra Madame Bovary, de Flaubert;
na Literatura de Língua Espanhola: Úrsula, da obra Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.
24 – E da História?
Francisco de Assis, o
santo; Gandhi, o pacificador insubmisso; Lampião, o rebelado...
25 – O que você lê atualmente?
Memórias
do subsolo, de Dostoiévski, e Clarice Lispector: uma literatura pensante, de Evando Nascimento.
26 – Cite um autor de que você gosta muito:
Não posso citar apenas um, então o melhor é dizer
que gosto principalmente de autoras da Literatura Brasileira e Portuguesa.
27 – Qual o grande autor que você ainda não descobriu?
Como eu me detive a ler
mais autores brasileiros, não tive contato com muitos autores estrangeiros,
embora tenha lido um ou outro. Mas falam tanto de Jorge Luís Borges, Albert
Camus e James Joyce. Não posso morrer sem ler tudo o que for viável destes três
autores.
28 – Que obra literária vem à
sua mente sempre que alguém pergunta sobre qual é sua obra preferida?
Não posso delimitar, é
impossível. No entanto, se eu fosse dizer sem muita reflexão pela ordem das obras que aparecem em minha mente caótica, eu diria: O Quinze, A Beata Maria do Egito e Memorial de Maria Moura, de Rachel de Queiroz; Grande Sertão: veredas, Miguilim e Dão La-la-lão, de Guimarães Rosa; A hora da estrela, Laços de Família e A Paixão Segundo G. H., de Clarice Lispector; Vidas Secas, de Graciliano Ramos; Nove, Novena, de Osman Lins; Verão no Aquário, Venha ver o pôr do sol, A confissão de Leontina e outros fragmentos, de Lygia Fagundes Telles; Antígona, de Sófocles; Navalha na carne, de Plínio Marcos; Morangos Mofados, de Caio Fernando Abreu; Romanceiro da Inconfidência, Viagem, Oratório de Santa Maria Egipcíaca, de Cecília Meireles; Livro de Mágoas e Livro de Sóror Saudade, de Florbela Espanca... Dentre as obras estrangeiras: Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez; Romanceiro Cigano, de Federico García Lorca; Madame Bovary, de Flaubert; A Náusea, Entre quatro paredes e O Muro, de Sartre; A cor púrpura, de Alice Walker; Os Miseráveis, de Victor Hugo; Crime e Castigo e Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski; Hamlet, de Shakespeare; Alexis ou o tratado do vão combate, de Marguerite Yourcenar... Paro por aqui, não é possível dizer tudo...
29 – Que obra você leu –
se é que conseguiu finalizar a leitura – e que você não suporta e não recomenda
ao pior inimigo?
Farda, fardão, camisola de dormir, de Jorge Amado.
30 – Qual é o maior equívoco que as pessoas poderiam
cometer ao falar sobre você?
Estaria equivocada a
pessoa que me considerasse um ser dotado de excessiva inteligência - minha inteligência é pseudagem! Dizem, algumas pessoas, que sou previsível, harmonioso e calmo. Embora eu preze a racionalidade,
a segurança e o controle de tudo ao meu redor, sou sempre instável demais. Como eu posso ser previsível se sou capaz de atos os mais absurdos para o bem ou para o mal? Como posso ser harmonioso e calmo se minha mente processa mil pensamentos por segundo?
31 – Você chora? Por quê?
Não suporto chorar na frente
dos outros. Quando estou sozinho, choro sem muitos problemas. Confesso que choro
por tudo: quando estou preocupado, quando estou desanimado... Creio que no dia em que eu conseguir chorar na frente do analista - faço análise desde outubro de 2012 - creio que não precisarei mais ir, pois estarei curado. Choro, no entanto, de fato, quando alguma coisa me comove: seja uma obra literária, cinematográfica
ou musical, ou mesmo quando presencio uma cena, quando a injustiça atinge
pessoas que não sabem se defender... Pessoas idosas me causam uma imensa
comoção, nem sei bem o motivo. Minha capacidade de comoção é incrível!
32 – Diga algo que, se
você tivesse tido oportunidade, você teria dito, mas que até então você, por
vários motivos, não pôde dizer:
Eu detesto a falta de
respeito com que a educação é tratada neste país, mas eu já disse isto várias vezes. Não suporto mais conviver com
a mediocridade com que a educação é vista e estou cansado de ver o quanto os
governantes são acusados, mas não são punidos pelas baixezas a que submetem o
povo brasileiro. Eu fui obrigado a ter título de eleitor - democracia barata! -, no entanto não voto mais em político nenhum!
OBS.: Perguntas elaboradas pelo autor do Blog a partir das entrevistas realizadas por Antônio Abujamra, do programa de entrevistas "Provocações", da TV Cultura, em 26/09/13.
Que autoentrevista, hein? Muito profundo!
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