CARDOSO, Cícero Émerson do Nascimento. Resenha Crítica da obra "Ma Mère" (Minha Mãe), de Christophe Honoré. Revista Sétima de Cinema, n. 09, p. 06 - 07, nov. de 2013.
MA MÈRE (Minha
Mãe). Direção de Christophe Honoré. Produção: Paulo Branco & Bernard-Henry
Lévy. Elenco: Isabelle Huppert, Louis Garrel, Emma de Caunnes e Joana Preiss.
França: 2004. Filme (110 min), DVD.
Contundente?
Excedente e de forte teor apelativo? Imoral, indecente e pervertido? Muitos
questionamentos (ou insatisfações pautadas em juízos de valor falso
moralistas?) a obra cinematográfica francesa, do diretor Christophe Honoré,
instiga. “Ma Mère” (Minha Mãe), baseado no livro de mesmo título de Georges
Bataille, não parece agradar de fato a olhares mais ortodoxos.
No
elenco, Isabelle Huppert e Louis Garrel dão vida, respectivamente, à Hélène (a
Mãe) e Pierre (o Filho). No enredo, Pierre vê na mãe um objeto afetivo para
além da relação materna típica de uma família tradicional e, em decorrência disto,
vive a angústia: como lidar, no auge dos seus 17 anos, com a sensação de culpa
que traz em si por devotar à sua mãe, também eroticamente, um intenso amor?
Pierre
fora criado pelos avós e, após a morte destes, reencontra a mãe num momento
cruciante de sua vida. Incertezas, sensação de desamparo e carência afetiva o
conduzem, talvez inconscientemente, a buscar nos pais o afeto que estes lhe negaram
em sua infância. Em seguida ao seu retorno à casa dos pais (um filho pródigo às
avessas?), seu pai também morre. Resta-lhe, portanto, na figura materna a
possibilidade de reencontrar o afeto outrora negado. Ante tantas perdas, a mãe passou
a representar-lhe segurança e proteção – sua visão, no entanto, não
correspondia à realidade: sua mãe era dada a condutas pouco arquetípicas do que
se convencionou, socialmente, para uma mãe. As atitudes de Hélène eram antípodas
a tudo o que Pierre idealizava – ela, no entanto, fez com que ele a
acompanhasse em suas saídas noturnas para que, assim, se o filho a quisesse
amar, a amasse por aquilo que ela de fato era. Hélène tenta desconstruir no
filho a visão idealizada que ele construíra, como podemos perceber por suas
palavras extremamente (não) maternais: “Sou uma porca, uma vaca, ninguém me
respeita!”
As
perguntas que iniciaram esta breve explanação ainda suscitam resposta. Sim,
este filme é contundente, excedente em nudez e erotismo, mas é dotado também de
uma pungência extrema por mostrar a fragilidade humana em sua mais deplorável
manifestação: o corpo, que no auge de suas vicissitudes encontra, na busca pela
satisfação do prazer, um norte, parece cair na mais deprimente sensação de
desamparo e solidão.
Para
fugirem da sensação de abandono as personagens desse filme parecem utilizar-se
do corpo e suas possíveis experiências como um subterfúgio para superar uma
existência fadada à deterioração moral, física e psicológica. Se o diretor, por
meio desse filme, tenta mostrar um Complexo
de Édipo mal resolvido, ou se tenta chocar pelo tema que aborda, o que
podemos afirmar é que o enredo hiperboliza a necessidade que o corpo tem de
encontrar conforto na satisfação dos desejos. Quando a mãe percebeu a ligação que tinha com o
filho e tentou afastar-se, o que poderia sugerir uma necessidade de reprimir o que
ela também provavelmente sentia por ele, parece-nos ter sido em vão o afastamento, pois as perversões
do sexo, tão vivenciados pela mãe, foram fácil e intensamente assimiladas pelo filho.
Voyeurismo,
sadomasoquismo, bissexualidade, homoafetividade feminina e masculina, incesto, nudez,
conflito religioso, drogas, saídas noturnas, sensações de culpa, vida, morte,
prazer, autodestruição psíquica e física, que culminam com o suicídio de
Hélène, compõem a atmosfera de desconforto, mal-estar e náusea mais que
recorrentes nessa obra provocadora.
Não
é uma obra recomendável para quem busca no cinema: leveza, tradicionalismos
familiares, beleza como a concebe o senso comum e um enredo que não discorra
sobre personagens mórbidas e sob efeito de conflitos psicológicos expressivos. Quem
resolver assistir à obra de Honoré deve, antes de tudo, despir-se de uma visão
mais puritana e adentrar (nem precisa ser empaticamente!) não sem choro e
ranger de dentes na atmosfera lúgubre em que Hélène e Pierre estão envoltos.
Vale considerar que a canção “Happy Together”, na interpretação da banda “The
Turtles”, canção que também é trilha sonora de pelo menos mais três outros
filmes polêmicos, foi uma boa escolha para compor a cena mais marcante e, ao mesmo tempo,
deprimente de todo o enredo.
Christophe
Honoré nasceu em 10 de abril de 1970, em Carhaix-Plouguer, e é diretor,
roteirista e escritor. Diretor de filmes como “Les chansons d’amour” e “Les bien-aimés”,
discorre sobre temáticas por vezes polêmicas e nada amistosas para quem não
suporta mergulhos intensos na alma humana.
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