quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

HINÁRIO DA INDEPENDÊNCIA: OU NÃO APOLOGIA À DESINTELIGÊNCIA BRASILEIRA


Quando Frei Tito de Alencar – preso político vítima do (des) governo ditatorial – saiu da cela, por ocasião de seu exílio conquistado por meio da luta de jovens que sequestraram um embaixador, os demais companheiros cantavam, através das janelas, trechos do Hino da Independência.
A propósito do Hino da Independência, recordo-me de que o aprendi quando era aluno da 4ª série do fundamental. Foi Dona Ieda, minha professora, quem o ensinou à turma. Não consigo escutar esse hino sem que me venha à mente o rosto e a voz dessa professora – ela, que se atirou da janela de um hospital psiquiátrico na tentativa de libertar-se, fez de tudo para que o aprendêssemos corretamente.
A propósito, nasci no Brasil, Nordeste, Ceará, Cariri, Juazeiro do Norte – e como queria ser orgulhoso de ser brasileiro! Como queria cantar o Hino da Independência com a convicção de que cada vocábulo, de fato, poderia ser efetivado em nossa sociedade ainda assaltada por visões obsoletas! Queria orgulhar-me por ser dessa terra, porém, do ponto de vista político, não sei se isto é possível... Como fazê-lo se Brasil e corrupção são sinônimos? Não sei se posso, diga-se de passagem, cantar o Hino da Independência contente por ver a “mãe gentil” ser iluminada pelo sol da liberdade que raiou em seu horizonte se tal liberdade sequer existe. Não sei se posso me sentir parte de uma “brava gente” capaz de morrer para alcançar a liberdade dessa pátria. No meu serviço militar, dentro de coturno e fardamento, fui instigado a crer na pátria como algo de imenso valor e que eu deveria, com o sacrifício da vida, preservá-la, no entanto...
Sou filho de uma pátria outrora colonizada por megalomaníacos europeus e, desde o início da colonização, um breve passeio pela história nos mostra que fomos construídos sob domínio de condições pouco amistosas. Posteriormente, os europeus não conseguiram ver, nos nativos, possibilidades simpáticas de exploração do trabalho, caiu sobre os ombros dos negros, vindos de alguns países africanos em situações subumanas, a marca abjeta da escravização, vergonhosamente necessária para a manutenção do poder de brancos sem escrúpulos. Como orgulhar-me disso?
Tantas coisas aconteceram de lá para cá... O Brasil foi o covil do rei de Portugal, vivenciou a escravatura e viu: a república ser implantada por marechais, Canudos ser destruída, um governo militarista destruir a paz da população, após a democracia ser restituída morrer o presidente eleito, uma emissora aberta de poucos escrúpulos manipular uma eleição a favor de um dos candidatos (e este ser retirado do poder posteriormente) e um sociólogo ser presidente e desejar privatizar, dentre outras instituições, universidades públicas. Como orgulhar-me disso?
E agora, alguns anos após a redemocratização ter sido conquistada a duras penas – o governo militar durou vinte e um anos, não podemos esquecer esta afronta ao bom senso! –, alguns brasileiros têm ido às ruas com intenções de se manifestar contra o atual governo. Uns querem externar o descontentamento proporcionado pela reeleição da candidata do “PT” que venceu as eleições contra o candidato do “PSDB”, outros querem reclamar pelas medidas de urgência tomadas pela presidenta no começo do ano – e até, neste caso, têm razão, porque ela alterou obscenamente leis trabalhistas. Alguns confundem um momento de manifestar suas indignações, inclusive o desejo de que ocorra “impeachment” da presidenta, com uma apologia a algo que eu considero grave demais: falam em intervenção militar ou retomada do governo ditatorial ou novo golpe militar...
Pergunto: quando raiará a liberdade no horizonte do Brasil? Sobretudo a liberdade intelectual: quando ela surgirá? Um brasileiro ser capaz de manifestar-se a favor de que haja intervenção militar somente porque não aceita a vitória de um candidato numa eleição, ou porque não suporta medidas tomadas por este, não me parece algo crível. Se, assim como eu, a população brasileira clama por uma reforma política, isto é louvável – e quanto melhor será que essa população de fato se manifeste –, mas não consigo entender cartazes que alguns erguem sob o sol da nação fazendo menções à ditadura militar. Será que a desinteligência pode estar tão presente assim na consciência (não) política de alguns brasileiros?
“Não temais ímpias falanges, / Que apresentam face hostil; / Vossos peitos, vossos braços / São muralhas do Brasil”? Quem dera ante “ímpias falanges” de “face hostil” nós brasileiros fôssemos capazes de nos tornar muralhas aptas a, em uníssono, clamar por melhores dias para nosso país. Mas, pelo que me consta, ir às ruas, para alguns, tem sido sinônimo de defesa de interesses excessivamente particulares – a pátria parece ser lembrada apenas em algumas cores presentes em seus figurinos. Temo que as “ímpias falanges” de “face hostil”, de que trata o hino, sejam formadas, no momento, por brasileiros. Desse modo, as muralhas formadas por nossos peitos e nossos braços deveriam proteger o Brasil contra a face de alguns dos seus próprios filhos pouco abertos à reflexão e à coerência?
Frei Tito de Alencar, meu caro conterrâneo, mártir nacional fustigado pela ditadura, como queria que sua imagem não fosse profanada por certos brasileiros capazes de implorar pelo retorno dos anos de chumbo! Dona Ieda, minha professora inesquecível, que canta sempre o Hino da Independência em minha memória, como queria poupá-la de cantar esse hino que, para alguns, traz apenas palavras de pouco significado e motivações pouco exequíveis!
Uma reforma política, contra a gentalha dada à bestialidade típica de quem deseja o poder, seria viável agora, porém me parece pouco provável que certos brasileiros sejam capazes de buscar isso com o mesmo afinco com que são capazes de escrever, em português ruim, mensagens que fazem apologia à ditadura militar! E isso tudo me entristece... 
Texto: Émerson Cardoso
15/03/15




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