A
propósito do Hino da Independência,
recordo-me de que o aprendi quando era aluno da 4ª série do fundamental. Foi
Dona Ieda, minha professora, quem o ensinou à turma. Não consigo escutar
esse hino sem que me venha à mente o rosto e a voz dessa professora – ela, que
se atirou da janela de um hospital psiquiátrico na tentativa de libertar-se,
fez de tudo para que o aprendêssemos corretamente.
A
propósito, nasci no Brasil, Nordeste, Ceará, Cariri, Juazeiro do Norte – e como
queria ser orgulhoso de ser brasileiro! Como queria cantar o Hino da Independência com a convicção de
que cada vocábulo, de fato, poderia ser efetivado em nossa sociedade ainda assaltada
por visões obsoletas! Queria orgulhar-me por ser dessa terra, porém, do ponto de vista político, não sei se isto é possível... Como fazê-lo
se Brasil e corrupção são sinônimos? Não sei se posso, diga-se de passagem, cantar o Hino da
Independência contente por ver a “mãe gentil” ser iluminada pelo sol da
liberdade que raiou em seu horizonte se tal liberdade sequer existe. Não sei se posso
me sentir parte de uma “brava gente” capaz de morrer para alcançar a liberdade
dessa pátria. No meu serviço militar, dentro de coturno e fardamento, fui
instigado a crer na pátria como algo de imenso valor e que eu deveria, com o sacrifício
da vida, preservá-la, no entanto...
Sou
filho de uma pátria outrora colonizada por megalomaníacos europeus e, desde o
início da colonização, um breve passeio pela história nos mostra que fomos
construídos sob domínio de condições pouco amistosas. Posteriormente, os
europeus não conseguiram ver, nos nativos, possibilidades simpáticas de exploração do trabalho, caiu sobre os ombros dos negros, vindos de alguns países africanos em situações
subumanas, a marca abjeta da escravização, vergonhosamente necessária para a manutenção do poder
de brancos sem escrúpulos. Como orgulhar-me disso?
Tantas
coisas aconteceram de lá para cá... O Brasil foi o covil do rei de Portugal,
vivenciou a escravatura e viu: a república ser implantada por marechais,
Canudos ser destruída, um governo militarista destruir a paz da população, após
a democracia ser restituída morrer o presidente eleito, uma emissora aberta de
poucos escrúpulos manipular uma eleição a favor de um dos candidatos (e este
ser retirado do poder posteriormente) e um sociólogo ser presidente e desejar
privatizar, dentre outras instituições, universidades públicas. Como orgulhar-me disso?
E
agora, alguns anos após a redemocratização ter sido conquistada a duras penas –
o governo militar durou vinte e um anos, não podemos esquecer esta afronta ao
bom senso! –, alguns brasileiros têm ido às ruas com intenções de se manifestar
contra o atual governo. Uns querem externar o descontentamento proporcionado
pela reeleição da candidata do “PT” que venceu as eleições contra o candidato
do “PSDB”, outros querem reclamar pelas medidas de urgência tomadas pela
presidenta no começo do ano – e até, neste caso, têm razão, porque ela alterou
obscenamente leis trabalhistas. Alguns confundem um momento de manifestar suas
indignações, inclusive o desejo de que ocorra “impeachment” da presidenta, com uma apologia a algo que eu considero grave demais: falam em intervenção militar ou retomada do governo
ditatorial ou novo golpe militar...
Pergunto:
quando raiará a liberdade no horizonte do Brasil? Sobretudo a liberdade intelectual:
quando ela surgirá? Um brasileiro ser capaz de manifestar-se a favor de que
haja intervenção militar somente porque não aceita a vitória de um candidato numa eleição, ou porque não suporta medidas tomadas por este, não me parece algo crível.
Se, assim como eu, a população brasileira clama por uma reforma política, isto
é louvável – e quanto melhor será que essa população de fato se manifeste –, mas
não consigo entender cartazes que alguns erguem sob o sol da nação fazendo menções à ditadura militar. Será que a desinteligência pode estar tão presente
assim na consciência (não) política de alguns brasileiros?
“Não
temais ímpias falanges, / Que apresentam face hostil; / Vossos peitos, vossos
braços / São muralhas do Brasil”? Quem dera ante “ímpias falanges” de “face hostil”
nós brasileiros fôssemos capazes de nos tornar muralhas aptas a, em
uníssono, clamar por melhores dias para nosso país. Mas, pelo que me consta, ir
às ruas, para alguns, tem sido sinônimo de defesa de interesses excessivamente particulares
– a pátria parece ser lembrada apenas em algumas cores presentes em seus figurinos. Temo que as “ímpias falanges” de “face
hostil”, de que trata o hino, sejam formadas, no momento, por brasileiros. Desse modo, as
muralhas formadas por nossos peitos e nossos braços deveriam proteger o Brasil
contra a face de alguns dos seus próprios filhos pouco abertos à reflexão e à coerência?
Frei
Tito de Alencar, meu caro conterrâneo, mártir nacional fustigado pela ditadura,
como queria que sua imagem não fosse profanada por certos brasileiros capazes
de implorar pelo retorno dos anos de chumbo! Dona Ieda, minha professora
inesquecível, que canta sempre o Hino da
Independência em minha memória, como queria poupá-la de cantar esse hino que,
para alguns, traz apenas palavras de pouco significado e motivações pouco exequíveis!
Uma
reforma política, contra a gentalha dada à bestialidade típica de quem deseja o
poder, seria viável agora, porém me parece pouco provável que certos brasileiros
sejam capazes de buscar isso com o mesmo afinco com que são capazes de
escrever, em português ruim, mensagens que fazem apologia à ditadura militar! E isso tudo me entristece...
Texto:
Émerson Cardoso
15/03/15
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