Esta decisão, obviamente,
é cômoda, porque bastaria uma passagem comprada e eu teria gente com quem
passar o feriado natalino! Mas e se não houvesse condição para comprar a
passagem, se não houvesse familiar ou amigo a quem encontrar? Estar sozinho,
neste caso, seria uma tragédia existencial dolorosa demais!
Quando saí de casa, na noite de natal, para descansar a mente, vi pouquíssimas pessoas pelas ruas. Bairro
de estudante fica vazio em período de recesso da universidade, sobretudo em dia
de feriado tão bem reputado nacionalmente. Além disto, a maior parte deles deve ter viajado
porque tinha esta opção – assim espero!
Como disse, foi possível ver pessoas pelas ruas. Numa parada do ônibus, por exemplo, uma idosa
entrava em si mesma com seu fixo olhar à espera de um transporte público que a
conduziria para um destino, tomara Deus, menos obscuro que aquele ponto solitário em
que ela estava a ruminar a solidão. Numa esquina, mais à frente, um rapaz
tentava vender frutas aos poucos carros que atravessavam a avenida principal do
bairro – com que disposição ele se erguia da calçada quando o sinal fechava
para ouvir nãos que se repetiam por meio de gestos ou sons de vozes distanciadas.
Recostada a um poste, no meio de um dos quarteirões, uma moça passeava uma das
mãos pelos cabelos. Ela me olhou temerosa, afinal eu era um dos poucos viventes
a andar naquela hora – e era cedo da noite – em sua direção, depois baixou a vista para nunca mais
erguê-la sob meu olhar que a devassou discretamente até que por ela passei. Um idoso sujo,
desgrenhado, barbudo, espargia impropérios contra outro idoso que ria de alguma
coisa – ambos pareciam alcoolizados – de frente a uma agência bancária. E só.
Choveu na noite
anterior, o dia nublou sem águas, a noite de natal foi um tanto fria. Os estabelecimentos
comerciais estavam livres da opressão cotidiana a que seus funcionários são
submetidos. Meu passeio desolador findou quando cheguei à iluminada Praça da Paz. Realmente, a paz reinava
ali – ao menos aparentemente. Havia pouca gente espalhada em seus espaços. Chamou
minha atenção uma moça e um rapaz que tão próximos estavam um do corpo do outro,
num abraço, que fiquei perplexo: ainda há singeleza no mundo! Depois, duas
crianças corriam sob vigilância do pai abobalhado e da mãe ensimesmada que os
vislumbrava afastada. O pai, meu Deus, como era cúmplice na simplicidade
excedente de seus filhos risonhos! E este pai, que desprezava meu olhar
discreto, porém perscrutador, abraçou o filho com amor sincero e o beijou na
testa. A filha, enciumada, certamente, exigiu dele o mesmo gesto e ele,
obediente como um adulto frágil, abraçou a ciumenta dando-lhe mil beijos que
fizeram rir a criança e a mãe que distante os observava.
Não suportei flagrar tanto
amor. Fugi depressa, antes que a luz me ofuscasse e meu silêncio se transformasse
em súplica. Vinha um ônibus, entrei... Um homem me desejou boa noite com
bondade no tom de voz. O motorista tinha os olhos cansados. Um rapaz escutava, de
olhos fechados e assanhados cabelos, indiferente ao movimento do coletivo,
alguma canção que eu desconhecerei por toda uma eternidade. Desci do transporte,
andei um pouco, sob efeito de escuro e silêncio, e agradeci a Deus por ter
chegado intacto em casa. Tenho dúvida: cheguei intacto?
Depois, comi restos do almoço, escrevi um pouco, tomei um banho triste e tentei dormir. As pessoas temem a
solidão – palavra mais linda da língua portuguesa, para mim –, porque a solidão
tem peso de chumbo. Estar só pode ser entrar demais em si mesmo e,
sinceramente, neste mundo superficial, e de felizes natais desejados de modo
tão automatizado, olhar para si mesmo, e descobrir-se a olhar para os outros,
pode assustar. Eis uma experiência que me enriqueceu, certamente. Mas não quero
me acostumar demais com esse exercício, pois devemos aproveitar as pessoas que
temos, e amamos, enquanto elas podem ser amadas. E foi assim.
Émerson Cardoso
26/12/15
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