Quero enumerar algumas sensações que me percorrem, agora, quem sabe assim eu não consiga expurgar um pouco das angústias que me fazem doer corpo e alma!
A primeira sensação que me vem à alma é medo: quem sobreviverá, os meus sobreviverão, eu sobreviverei? Até quando estaremos rendidos, perdidos, desesperados e inseguros? Quem sobreviverá para contar a história? Quem poderá segurar minha mão agora e dizer, me olhando nos olhos, que vai passar, sim, tudo isso vai passar! E como poderei desenvolver em mim essa crença?
A segunda sensação é de impotência: não tenho muito a fazer a não ser aceitar minhas limitações diante do caos e torcer para que algo externo a mim, um deus ex machina, talvez, salve-nos finalmente. Uma vacina, uma medicação, uma luz no fim do túnel, uma esperança que seja, ó Deus: quem nos protegerá de nós mesmos em meio a tanta impotência?
A terceira sensação é de surpresa: nunca enfrentei pandemia nesta proporção. Mesmo as barbáries do século XX, como as tão próximas guerras mundiais, que me pareciam as piores experiências em proporção mundial dos últimos tempos, elas me vinham à mente como acontecimentos que foram vencidos, que acabaram e que, portanto, deveriam ficar na lembrança como exemplo do que nunca mais deveria acontecer. Eu me deixei iludir: pensei que nunca aconteceria comigo tragédia tamanha. Entre doenças de larga escala e guerras, sei que aconteceram algumas, desde meu nascimento, mas eu as via com o olhar de lamento distante. Quem me perdoará por me ater apenas ao lirismo dos acontecimentos e não à realidade?
A quarta sensação é de raiva: como podemos suportar o fato de que temos que lidar com certos governantes incapazes de um mínimo de bom-senso em momento tão funesto? Como podemos aceitar que cientistas estejam perdendo bolsas de incentivo à pesquisa neste momento fulcral para o fomento à ciência? Como podemos entender seres humanos dizendo que outros seres humanos deverão morrer, sim, mas a economia deve prevalecer para que o país não pereça? Burgueses unidos, em seus empreendimentos diversos pautados nos lucros e na exploração de trabalhadores, jamais serão vencidos, é isto? Eu terei que aceitar com amor no coração algo tão descabido e indigno?
A quinta sensação é de dor: pelos mortos, pelos que sofreram perdas familiares, pelos que não têm como se alimentar, pelos que perderam empregos, pelos que não terão o que fazer para reverter o quadro de dor nas próximas datas, pelos que moram nas ruas, pelos que choram...
A sexta sensação é de desconfiança: por que eu, que já enfrentei momentos pesados na vida, ando tão fragilizado? Não era para eu ser forte agora, depois de tantos ensaios de sofrimento? Alguém poderia me dar uma dose cavalar de esperança ou força? Por que ainda há tanta ignorância, egoísmo e falta de solidariedade envolvidas nessa guerra contra um vírus monstruoso que nos faz tatear o chão? Se bem que descer ao chão, nele estar caído, é experiência das mais profundas. A vaidade humana precisa do chão, também de algumas quedas, de vez em quando. Deus, podemos conversar sobre o que tenho sentido, ou o Senhor acha melhor que eu me reequilibre primeiro?
A sétima e última sensação é de algo que não sei nomear. Eu não sei nomear porque a trago em mim desde o nascimento. Sabe quando se olha o mundo com saudade de algo que não há ou nunca houve no mundo? Sei que é difícil de entender na mesma proporção que é difícil de explicar. Saudade, talvez, ou mesmo dor de não estar em ou com. Sim, é mais ou menos isso: saudade do que poderia ter sido e não é, não foi e não será. Enquanto tenho que lidar com isso, eternamente enquanto dure, preciso dizer que estou triste pelo mundo, pelas pessoas em meu derredor e por mim mesmo. Autocomiseração, será? Não sei, tem mais a ver com o desejo de sobreviver para prosseguir na marcha que me daria a mim mesmo um ser humano melhor do que sou. Também quero pedir... Não, quero implorar: que me venha uma esperança! Vou erguer a mão e pedir, ainda que permaneça com ela estendida até o fim dos tempos. Quem sabe assim eu não entenda, definitivamente, o que me trouxe aqui neste mundo: a humildade de estender uma mão pedindo algo é o maior reencontro existencial consigo mesmo que a vida pode proporcionar. Então, com mãos estendidas, peço: uma esperança, pelo amor de Deus, uma esperança!
Émerson Cardoso
03/04/2020
C'est parfait!
ResponderExcluirCompartilho de tudo o que está sentindo, inclusive desta saudade de um lugar apaziguador para a minha alma, que ainda não sei onde fica e nem tenho conseguido visitar nestes últimos dias.
Também tenho sentido muita culpa: "Eu deveria estar fazendo algo para reverter esta situação", numa espécie de síndrome do super-herói.
E o que tem me salvado de mim mesma neste período tão hostil é, como sempre foi, a arte, embora eu tenha tido umas ideias bem escabrosas kkkkkk
No mais, pode contar com a minha mão.
Fiquemos bem.
Saudade de ti!
Olá, Sara! De fato, a arte tem nos salvado em vários aspectos! Obrigado por sua leitura e pelas impressões, sempre inteligentes e gentis! Abraço!
ExcluirSaudade de você também! Abraço!
ExcluirMagnífico texto, como sempre.
ResponderExcluirObrigado pela gentileza e pela leitura! Abraço!
ExcluirÓtimo texto amigo. Compartilho,também, essas sensações enumeradas. A última sensação me intrigou um pouco, pois a medida que vc diz ser bem pessoal/particular, cria-se um distaciamento e, ao mesmo tempo, uma proximidade. Neste sentido, creio que somos frutos da mesma árvore.
ResponderExcluirObrigado pelas palavras! De fato, na parte final eu discorro sobre uma sensação que trago em mim desde sempre, que tem a ver com uma certa melancolia que me assola a existência e, ao mesmo tempo, me torna mais sensível ao mundo. Coisa assim! Sim, somos frutos da mesma árvore - e isto me faz feliz, porque não me sinto sozinho no mundo, pois você existe! Abraço e obrigado!
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