Andrea Beltrão engoliu tua estirpe e a vomitou sobre nós, trágica irmã, com que entrega de corpo e alma! Sabe atriz impelida ao que não é medo, mas intensidade e força? Sabe mulher com olhar despido cuja vida subiu à grandeza inestimável? Sabe um ser humano que traça uma curva entre o existir e o despejar sua arte com sensibilidade para nos ampliar em alegria-dor?
Antígona, de dentro de Andrea Beltrão percebi teus cabelos, teus olhos e tua boca jamais silente. O corpo de teu irmão, Antígona, em cenário construído no rebrilhar do gesto fez Andrea Beltrão ressuscitá-lo por ti, também matá-lo, para obrigar-te a sepultá-lo mais uma vez. Ela, atriz sem trégua, abriu caminhos para te fazer cumprir o destino em nova batalha.
Andrea Beltrão desapareceu em cena. Não é ela quem está sob luz e direção. A estirpe de Laio entra e sai de sua voz insone, profunda e complexa. Vozes sobem e descem da atriz, que invoca filhos de Édipo para nos fazer sofrer por eles e por nós mesmos. Adereços, Antígona, ela os utilizou com maestria. Quantas vezes ela reviveu essa história nada simples tão ampla em sensibilidade e violência?
Antígona, Andrea Beltrão é atriz que nos oferece luz nestes nossos tempos sombrios. Creonte apodreceu nas hamartias colecionadas, enquanto ela nos fez reviver mil personagens assegurada sempre pelo destemor que a perpassa. Com quem ela mais se identifica, dentre as vozes que lhe percorrem? Quando uma atriz se apaga para fazer brotar a Grécia trágica, o que dizer para ser justo no elogio que ela tanto merece? Andrea Beltrão não tem cordas que ousem tolher sua atuação irreprochável.
Andrea Beltrão, se pudesses me ver, aqui, na plateia, poderias ler as emoções derramadas em meu olhar? Ele diria, o meu olhar, que nosso país se fraterniza com tua existência! Cada palavra tua é imersão e busca, sabes disso? Cada gesto é retorno a um tempo de antigos cabelos, sabes disso? Antígona grita destemida em tuas mãos de precisos gestos, saiba disso!
Antígona, irmã de tristeza e luta, Andrea Beltrão te honrou. Ela te honrou e fez o país reencontrar teus entes queridos com perfeição difícil de mensurar. Vamos construindo pontes, Antígona, tu com tua capacidade de reivindicar, Andrea Beltrão com a natureza tempestuosa que a fez ocupar todos os lugares do palco-tela e eu com minha escrita em busca de algum estilo.
Temos sede de honrar, também, neste momento doloroso, nossos mortos que sucumbiram pelo descaso das tiranias. Não iremos, tenho por certo, não iremos nos calar jamais. A arte abre portas e pede passagem. Esperança.
Émerson Cardoso
25/10/2021
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