sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

MEUS POEMAS DE CECÍLIA MEIRELES


ENCOMENDA

Desejo uma fotografia
como esta - o senhor vê? - como esta:
em que para sempre me ria 
como um vestido de eterna festa.

Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.

Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia...
Não... Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia. 

RETRATO

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração 
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança, 
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

INSCRIÇÃO NA AREIA 

O meu amor não tem
importância nenhuma.
Não tem o peso nem
de uma rosa de espuma.

Desfolha-se por quem?
Para quem se perfuma?

O meu amor não tem
importância nenhuma.

MOTIVO

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- Mais nada.

A AVÓ DO MENINO

A avó 
vive só.
Na casa da avó
o galo liró faz "cocorocó!"
A avó bate pão-de-ló
E anda o vento-t-o-tó
Na cortina de filó.
A avó 
vive só.
Mas se o neto meninó
Mas se o neto Ricardó
Mas se o neto travessó
Vai à casa da avó,
Os dois jogam dominó.



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