domingo, 24 de março de 2024

REFORMA DA REFORMA: A FALÁCIA DO NOVO ENSINO MÉDIO

Foto divulgação: sinprofd.org.br

Por Émerson Cardoso

PARA COMEÇO DE CONVERSA

A Prof.ª Drª. Ana Paula de Oliveira Corti (que tem relevante pesquisa na área da Educação e que, desde 2022, desenvolve o projeto de pesquisa intitulado: “Mudanças curriculares e melhoria do ensino público”) concedeu entrevista ao Jornal Central do Brasil, em 21 de março de 2024, e apontou inúmeras reflexões necessárias para esse momento crítico em que a Educação do Brasil se encontra. 

Digo isso, porque o Projeto de Lei 5.230/2023 propõe algumas alterações (do meu ponto de vista, nada significativas) na Reforma do Novo Ensino Médio que, por sua vez, foi gestado no caldeirão do mal de Michel Temer. Esse famigerado Projeto de Lei 13.415/2017, como temos percebido, tem causado preocupações às diversas esferas do campo educacional, principalmente no contexto das escolas públicas. 

A Educação, como temos visto historicamente, nunca foi prioridade em nenhum governo do Brasil. Não tenho receio de ser generalizante — bastaria tempo para pesquisa, e espaço para divulgação de resultados, e eu teria minha assertiva comprovada. Se olharmos com atenção e criticidade para o que tem ocorrido na Educação do país, hoje, será fácil comprovar o que digo.  

Corti (2024) comenta, na entrevista mencionada acima, sobre sua participação em uma pesquisa realizada pelo Grupo Escola Pública e Democracia (e pela Rede Escola Pública e Universidade). A proposta da pesquisa era observar a primeira geração de Estudantes que, no contexto educacional de São Paulo, cursaram o Novo Ensino Médio. A pesquisa ouviu 696 estudantes e obteve os seguintes resultados: 

  • 1. Os estudantes, em sua maioria, desaprovam o modelo do Novo Ensino Médio; 
  • 2. Seis, em cada dez estudantes, não cursaram os Itinerários Formativos escolhidos;
  • 3. 81% dos estudantes estão insatisfeitos com os componentes curriculares propostos nesse "novo" modelo. 

Além disso, quanto à expansão da carga horária, segundo Corti (2024), mais de 60% do Estudantes entrevistados não cursaram as aulas correspondentes a essa expansão, também algumas disciplinas não foram ofertadas pela escola (algumas foram ministradas virtualmente, apesar das dificuldades que o uso de tecnologias no contexto da escola pode implicar).  

Alunos reclamaram, conforme Corti (2024), em relação à perda de muitos conteúdos que seriam ofertados em disciplinas que lhes dariam condições para a realização do Exame Nacional do Ensino Médio — os Estudantes perceberam o esvaziamento do currículo proposto. Em decorrência disso, mas não só disso, os Estudantes, conforme a pesquisadora aponta, demonstraram desalento quanto ao projeto de futuro. Com a formação educacional reduzida, eles não conseguem vislumbrar a entrada nas universidades via ENEM, tampouco veem a possibilidade de preparação para a inserção no mercado de trabalho com os conteúdos obtidos em sala de aula. 

Apesar das nítidas manifestações de desconforto e de insatisfação, no dia 20 de março de 2024, a Câmara dos Deputados Federais aprovou o Projeto de Lei 5.230/2023, que discorre sobre a Nova Reforma do Ensino Médio (uma espécie de reforma da reforma). O Projeto, agora, vai para a apreciação do Senado Federal. 

O Projeto de Lei tem o objetivo de rever a reforma orquestrada, em 2017, no desgoverno golpista do cínico perverso Michel Temer. Não dá para considerar positivo um modelo educacional desenvolvido com a anuência de figura política tão grotesca, também não dá para considerar positiva uma reforma que entrou em vigência sem consulta pública e sem a participação de Estudantes, de Professores, de demais Profissionais da Educação e da comunidade escolar. Além disso, devo dizer, essa reforma atendia (e atende) a modelos neoliberais de Educação — muito ao gosto do Ministro Camilo Santana. Quanto ao Ministro, ele até poderia realizar algum trabalho positivo no atual governo, mas não no Ministério da Educação, porque sei do que ele fez quando foi Governador do Estado do Ceará. 

As alterações apresentadas (e aprovadas pela Câmara de Deputados Federais) não foram suficientes para resolver a conflitiva condição em que se encontra a Educação Nacional frágil e fragilizante, principalmente nesse momento em que estamos lutando, em apoio ao Governo Lula, para reorganizar o país após o desmonte promovido pelo desgoverno de caráter autoritário que, direta e indiretamente, ainda nos assombra. 

ALGUMAS PAUTAS PARA CONTINUAR COM A CONVERSA

Depois de assistir a vídeos, de ler matérias sobre o assunto e de analisar os Projetos de Lei em pauta, organizei alguns tópicos sobre o assunto com a intenção de discutir, de forma didática, a bagunça dessa proposta:  

  • O Projeto de Lei 5.230/2023, que propõe algumas alterações, não tem tantas alterações assim, mas vai para o Senado Federal e talvez consiga passar também (o que é lastimável);
  • A carga horária do Ensino Médio continua sendo de 3.000 horas (1.000 horas ao ano, em 200 dias letivos, e 05 horas por dia);
  • Antes, Estudantes em geral teriam 1.800 horas na Formação Geral Básica (disciplinas obrigatórias) e 1.200 horas nos Itinerários Formativos (disciplinas optativas), mas com a reforma teremos: 2.400 horas na Formação Geral Básica (o que pode ser considerado uma conquista) e 600 horas nos Itinerários Formativos (disciplinas optativas que serão denominadas, com a reforma, de Trilhas de Aprendizagem); 
  • Não houve revogação, efetiva, na Reforma do Ensino Médio (como gostaria a maioria dos Profissionais da Educação e dos Estudantes), sobretudo porque ela manteve alguns pontos críticos da reforma (os Itinerários Formativos, por exemplo, não foram alterados, e mesmo com as 2.400 horas, que conseguimos alterar, ainda há abertura de espaço para que sejam ofertadas disciplinas que não são da Educação Básica e, desse modo, corremos o risco de serem propostas disciplinas que poderiam ser distantes da real necessidade formacional do Estudante);
  • Para os Estudantes que optarem pelo Ensino Técnico e Profissional, serão ofertadas 1.800 horas, para a Formação Geral Básica, com 1.200 horas direcionadas para o curso técnico escolhido (diferente da carga de outras disciplinas optativas);
  • As 2.400 horas de Formação Geral Básica (disciplinas obrigatórias), com a reforma atual, não será garantia de que haja um processo de Ensino e de Aprendizagem que prepare o Estudante para sua formação acadêmica e sua formação profissional, pois o texto não assegura, em nenhum momento, que a reposição das 2.400 horas exija a oferta de disciplinas que são relevantes, de fato, para a construção do currículo da Educação Básica;
  • Os Itinerários Formativos são organizados com 1.200 horas, mas, com a reforma, eles terão apenas 600 horas;  
  • O Ensino Técnico pode ter até 1.200 horas de disciplinas optativas (Itinerários Formativos), no entanto, com a reforma, 2.100 horas serão para disciplinas obrigatórias e até 300 horas para Formação Geral Básica e Ensino Técnico (esse ensino poderá ser realizado em cooperação com instituições credenciadas e duas trilhas devem ser escolhidas pelo Estudante);
  • A Escola de Tempo Integral terá, com a reforma, 2.400 horas de Formação Geral Básica e 1.800 horas de Trilhas de Aprendizagem; 
  • Disciplinas obrigatórias (as tradicionais) são: 1. Matemática e suas tecnologias, 2. Ciências Humanas (integradas com História, Geografia, Filosofia e Sociologia), 3. Ciências da Natureza (integradas com Química, Física e Biologia) e 4. Linguagens (Língua Portuguesa e suas Literaturas, Arte, Educação Física, Inglês e Espanhol); 
  • A reforma não diferencia o ensino de Literatura e de Produção Textual como componentes distintos da Disciplina de Língua Portuguesa, porém aponta que essas áreas devem ser inseridas nessa disciplina;
  • A disciplina Projeto de Vida não foi abordada, especificamente, no Projeto de Lei (deverá ser mantida a proposta da BNCC);
  • A disciplina de Espanhol, infelizmente, não foi colocada como disciplina obrigatória;
  • Os Itinerários Formativos, atualmente, são determinados, quanto à quantidade de carga horária e quanto às disciplinas a serem ofertadas, pelas redes públicas de ensino (essa autonomia pode ser positiva e negativa dependendo da linha ideológica dessas redes);
  • A disciplina de Cultura e Tecnologia Digital deve ser trabalhada dentro da Formação Geral Básica (não se sabe como ela será assimilada dentro das disciplinas da Formação Geral Básica ou se haverá um componente específico);
  • Quanto aos períodos das disciplinas que foram suprimidas na reforma, como as de Natureza (Biologia, Química e Física perderam 50% da carga horária) e as de Humanas (História e Geografia perderam 50% da carga horária, enquanto Filosofia e Sociologia perderam 70%), o Conselho Nacional de Educação ainda discorrerá sobre como as escolas deverão adequar a carga horária dos Itinerários; 
  • Itinerários Formativos tiveram redução de 1.200 horas para 600 horas (isso poderá ser dividido em 200 horas para cada ano do Ensino Médio, isto é, em torno de 05 períodos por semana devem ofertar );
  • Antes, os Itinerários Formativos eram apresentados em conformidade com a determinação das redes públicas de ensino (e isso, naturalmente, cria a maior das confusões);
  • Cada escola poderá ofertar, no mínimo, dois Itinerários Formativos (com exceção do Ensino Técnico);
  • Serão delimitados os Itinerários Formativos (Trilhas de Aprendizagem) a serem ofertados em quatro linhas gerais: 1. Linguagens e suas Tecnologias, 2. Ciências Humanas e Sociais aplicadas, 3. Matemática e suas Tecnologias e 4. Ciências da Natureza e suas Tecnologias (em escolas técnicas se desenvolverá a Formação Técnica e Profissional);
  • Cada escola deverá ofertar, no mínimo, dois Itinerários Formativos (Trilhas de Aprendizagem) para escolha do Estudante (na escola em que não é ofertado o Ensino Técnico): 1. Primeira Trilha de Aprendizagem — Linguagens, Matemática e Ciências da Natureza, 2. Segunda Trilha de Aprendizagem — Linguagens, Matemática e Ciências Humanas e Sociais, 3. Terceira Trilha de Aprendizagem — Linguagens, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Natureza; 4. Quarta Trilha de Aprendizagem — Matemática, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Natureza;
  • Os Cursos a Distância podem, atualmente, ser ofertados on-line a partir de instituições que realizam trabalhos de Educação a distância, porém, com a reforma, a carga horária da Formação Geral Básica deverá ser oferecida presencialmente e poderá ser admitido por meios tecnológicos somente com base em regulamento a ser elaborado previamente. 

PARA CONCLUIR

A Presidenta Executiva do Programa Todos pela Educação, Priscila Cruz, que menciona o Novo Plano Geral de Educação como algo que também está, no momento, em processo de reconfiguração, demonstra satisfação e regozijo com a aprovação do Projeto de Lei. Ela comenta, com se isso fosse algo positivo, que a "essência" do Projeto de Lei, em vigor, foi mantido. Fica nítido que ela coaduna com a perspectiva neoliberal explicitamente adotada por Camilo Santana em seu Ministério que tem deixado a desejar. A propósito, ele tem sido enfático na defesa da reforma (alguns a denominam de "deforma"), que se materializa nesse Projeto de Lei acrítico, absurdo e incapaz de observar a realidade educacional brasileira com a atenção e a criticidade que ela merece. 

Quanto à Reforma do Novo Ensino Médio, sabe o que penso? Ela não resolverá nada. Se amenizou em um ponto, prosseguiu com a acriticidade em outros. Sou Professor, escrevo com conhecimento de causa, por isso quero destacar que essa reforma deveria passar, antes, por esses pontos seguintes: 

1. Valorização salarial dos Profissionais da Educação (com melhores condições de trabalho, incentivo e estímulo à formação profissional);

2. Abertura de novas salas de aulas nas escolas para que, com isso, haja redução da quantidade de Estudantes por sala (amontoar de 35 a 45 Estudantes em quatro paredes fechadas, e querer uma boa Educação para o país, é um absurdo sem precedentes);

3. Distribuir livros didáticos de qualidade para os Estudantes (assim os Professores não precisariam sofrer procurando milhões de materiais extras com o intuito de substituir um livro didático mal elaborado e restritivo);

4. Proporcionar melhores condições de Ensino nas escolas do Brasil (do transporte à merenda escolar, passando pela disponibilidade de materiais pedagógicos indispensáveis à realização de aulas, temos urgência na resolução de problemas práticos dos cotidianos escolares, nada homogêneos, das cinco regiões do país);

5. Realizar uma reorganização do modelo curricular, sim, no entanto com a consulta real, objetiva, coerente, qualitativa, reflexiva e participativa de Profissionais que atuam em sala de aula (e não consultando profissionais cuja atuação educacional se restringe aos gabinetes e cuja visão acrítica faz-lhes se sentirem no direito de falar por quem está longe da realidade das escolas);

6.  Direcionar verbas para melhoria das escolas em todos os aspectos para que, assim, Estudantes se sintam acolhidos no âmbito escolar, tenham condições de estudar conscientes do papel da Educação em suas vidas, com a oferta de disciplinas escolares, sim, mas não só, pois as escolas precisam: de Psicólogos Escolares, de fomento aos Esportes, de incentivo às Artes, de condições dignas para a vivência de experiências de aprendizagens múltiplas, de acesso à Informática, de Bibliotecas bem equipadas, dentre outros itens não menos relevantes.

Cessarei por aqui, tendo em vista o tom idealizado já em vigor na minha explanação de revolta inerente. A reforma da Reforma do Novo Ensino Médio é uma falácia, uma trapaça discursiva e, portanto, só demonstra, em verdade, o quão acrítico o Brasil é, historicamente, quando o assunto é Educação. 

REFERÊNCIAS

CORTI, Ana Paula de Oliveira. Como fica o Ensino Médio após aprovação do PL na Câmara. Entrevista concedida a Kaique Santos. In: Jornal da Central do Brasil, Canal Brasil de Fato, 21 mar. 2024.  Disponível em: https://www.youtube.com/w. Acesso em; 24. Mar. 2024.

CRUZ, Priscila. Novo Ensino Médio: essência foi mantida, avalia presidente do Todos pela Educação. In: Brasil Meio-Dia, CNN Brasil, 20 mar. 2024. Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=Ts2tubFTlu4. Acesso em: 24 mar. 2024. 

DORNELES JÚNIOR, Eldo. Reforma Aprovada – como será o Ensino Médio em 2025?. 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WzrYseZnoA4&t=97s. Acesso em: 24 mar. 2024.

MAGALHÃES, Vera. Após reuniões tensas, MEC e Câmara chegam a ‘meio-termo’ sobre mudanças do Ensino Médio. In: Viva Voz, Rádio CBN, 20 mar. 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TFo3cInlDvA.

SANTOS, Emily; RODRIGUES, Paloma; BARBIÉRI, Luiz Felipe. Câmara aprova Novo Ensino Médio após acordo sobre carga horária de matérias obrigatórias. 2024. In: Tv Globo e g1 Política. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/03/20/camara-aprova-novo-ensino-medio-apos-acordo-sobre-carga-horaria-de-materias-obrigatorias.ghtml. Acesso em: 24 mar. 2024.


quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

CRÔNICA: QUANDO ISSO PASSARÁ?



Estava pensando: quando a sensação de incompletude, que atravessa minha existência da infância à fase adulta, passará? Será que passa? Será que um dia, ainda que por um breve segundo, haverá festa de riso na descoberta de estar completo?

Quando a sensação de desencontro passará? A melancolia impregnada de domingo à tarde, quase dor de perfuração e sangue, passará? 

O sentimento de vazio latente, mesmo quando se tem ao lado a melhor das companhias, um dia passará? A sensação de deslocamento, de não fazer parte, de não se sentir compreendido, de existir com o pior das máscaras, hein, passará?

Quando meu sorriso ecoa, prometo, é verdade o que ele esparge, mas não deixe de perceber que na sequência ele vem com amarelas quedas e sombrios deslocamentos. O desespero, não se engane, tem vestimentas de riso fácil. Quando, por Deus, a incapacidade de ser verdadeiramente alegre passará? 

Quando cesso a palavra, isso parece estranho, mas ao falar o estranhamento se faz maior. Quando, pergunto aflito, quando isso passará? Quando terei a coragem de dizer sim ou não com a firmeza do querer o sim e do querer o não? 

Quando terei forças além da palavra escrita? Passará esse aperto do peito que simula pancada e queda? Essa vertigem de encontrar benesses no que é comum por não saber participar desse comum, por favor, quando isso passará? 

Nasce o dia, morre a noite e o nada galopa entre um tormento e outro. Nada, absolutamente nada, altera o impacto desse existir sem cor. Então, cenários de conquista e sucesso e benesse e festejo e aplauso parecem destoar do meu olhar caindo. Sim, caindo sempre, com chão aberto ou solo pavimentado, é assim o mote do riso em chamas e da boca em gelo. 

Eu só queria implodir a torre de culpa, o aceno de medo, o cansaço de não ter força para convívios... Quando passará, por tudo o que é mais sagrado, ou profano, quando isso deixará de existir? 

Estava pensando: existe alguma coisa aos gritos em mim. Por ouvir vozes por todos os lados, fico impedido de responder à altura, aí a queda já faz apelo e eu não sei dizer um não. 

Aflição! 

Émerson Cardoso

18.01.2024