segunda-feira, 31 de julho de 2023

NOTAS A RESPEITO DO LIVRO "O SOL NA CABEÇA", DE GEOVANI MARTINS

Foto: www.puxadinhogeek.com.br

"O sol na cabeça", de Geovani Martins, apresenta treze contos. 

"Rolézim"

"Espiral"

"Roleta-russa"

"O caso da borboleta"

"A história do periquito e do macaco"

"Primeiro dia"

"O rabisco"

"A viagem"

"Estação Padre Miguel"

"O cego"

"O mistério da vila"

"Sextou"

"Travessia"



CRÔNICA: CARTA PARA MIM MESMO EM PREPARAÇÃO PARA O PERÍODO EM QUE MAIS FICO DEPRESSIVO


Entre agosto e setembro, quando a temperatura sobe e o mundo torna-se insustentável para mim, eu tenho tendência a ficar depressivo. Deslocado que sou no mundo, sinto que a depressão faz parte de minha jornada e, sem querer apagá-la de mim, porque já a aceito em meu processo de existir, escrevo com um objetivo muito definido: quero atravessar esse meu deserto com algum preparo.

Será que minha angústia vem do fato de que as férias acabam e eu tenho que voltar a trabalhar? Não, não tem a ver com isso, porque apenas em 2023 eu tive, de fato, férias em toda a minha vida. Também não considero que sala de aula seja espaço angustiante a ponto de me causar depressão. Meus conflitos nunca estiveram vinculados à sala de aula, especificamente, porque a escola dói é no que não é estudante em busca de algum futuro. A escola dói, em verdade, é na inautenticidade de outros componentes que deveriam ser união e força e não o são. 

Será que minha angústia vem do aparente conflito interno que demonstro por ter uma mente que só está pacificada, no momento, porque mergulhada em oceano de Escitalopran e de Trazodona? Não, eu também estou melhor porque há tempos faço análise com um psicanalista lacaniano e isso tem me dado melhores dimensões sobre minha estrutura psíquica. 

Será que minha angústia vem de ser exigente com os outros? Não, não mesmo, porque se faço exigências é em relação a mim, que me percebo falho demais e vivo de autocobranças. Culpa, a propósito, tem sido um desafio. Estou na luta para me livrar dessa arrebatadora de vidas. A culpa é uma destruidora voraz de vidas. 

Será que minha angústia vem do passado? Traumas? Família disfuncional? Infância infeliz? Sobreviver, devo dizer, foi o maior dos atos nessa minha existência capaz de compreensões apesar do endurecimento das relações. Também a análise tem me dado novas percepções dessa vida que é caos, no entanto merece alguns esforços de continuidade. 

Será que minha angústia vem de... 

Chega! 

Não importa saber de onde ela vem. Importa saber apenas como existir apesar do que ela pode no devorar da carne. Importa, além disso, saber das esperanças motivadoras sem esquecer das fragilidades e das crueldades das relações. Tenho medo de altura, mas dificilmente não me inclinaria ao desafio de subir uma montanha. 

Minha angústia, eu estou aberto a conversar e torná-la parte de um todo que sou sem, contudo, percebê-la infame quando vem em enxurrada. 

Depressão, não me faça deitar em berço esplêndido e esperar que gritem às margens plácidas quando eu posso emitir meu próprio grito. 

Acolho, portanto, esse momento que me virá sem revolta, mas não com aceitação passiva, e quero estar pronto para seguir meu andar sem medo, sem amarras e sem cansaços aprisionadores. Em breve, quando passar essa nuvem de poeira, vamos prosseguir com novas motivações. Eu estou aberto às possibilidades de viver, mesmo que em alguns momentos eu não consiga encontrar no horizonte, senão, um constante ocaso. 

Émerson Cardoso
31/07/2023



quarta-feira, 26 de julho de 2023

CRÔNICA: "O QUE É INSUPORTÁVEL PARA MIM?"



Eu fico exaurido de tanto ter que usar máscaras. Eu as afixo em mim com milhões de pregos nos cotidianos da vida. Algumas pessoas pensam e sentem diferentemente de mim, de modo que as respeito, mas eu sinto exaustão, mal-estar e dor física ao conviver em excesso com as pessoas. Devo me explicar, antes que me demonizem pela afirmação? 

Convivo bem com as pessoas. Juro. É sempre prazeroso conversar e compartilhar ideias com pessoas inteligentes, bem humoradas, simples e que buscam serem práticas sem confundir a praticidade com grosseria. Eu convivo com muitas pessoas assim, mas convivo, também, com pessoas que são bem diferentes disso que aponto como o meu "ideal" de pessoas boas para conviver.

Quando tenho que conviver com pessoas com as quais sou exigido por alguma questão inevitável, devo confessar que a solidão pode ser um alívio, porque estar sozinho ameniza ansiedades e urgências e traumas e frustrações e tristezas. Fugir do convívio, como se pode constatar, não nos amplia. Conviver prepara-nos o espírito, torna-nos mais fortes e capazes de crescimentos. Apesar de saber disso, eu ainda preferiria a solidão a ter que estar em más companhias. Dizem até que elas destroem hábitos úteis, não é? 

Agora, se me permite, existem gestos e palavras e comportamentos humanos, nos diversos grupos aos quais costumo acorrer (obrigatoriamente ou não), que me parecem insustentáveis e insuportáveis. Eu começarei a enumerá-los como forma de expurgação. Talvez seja um ato um tanto quanto passivo-agressivo, mas costumo usar a escrita para esse tipo de expurgação.  Exposta a ressalva, vou começar:

1 - Pessoas competitivas (homens tendem a ser mais competitivos, mas algumas mulheres o são também) e, ainda pior, que competem por bobagens;

2 - Pessoas cujos gestos parecem bondosos quando, em verdade, ocultam maledicências e moralismos e falsidades; 

3 - Pessoas incapazes de guardar segredos por serem indiscretas e por precisarem demais se autoafirmarem;

4 - Pessoas incapazes de fazer autoavaliação, mas que percebem com rigor as posturas negativas dos outros;

5 - Pessoas que, egocêntricas demais ou narcisistas em excesso, são incapazes de um gesto de humildade;

6 - Pessoas que não percebem o quão podem parecer inconvenientes e deselegantes em alguns espaços públicos;

7 - Pessoas que bebem e tornam-se agressivas, desagradáveis e inconvenientes;

8 - Pessoas que precisam de autoafirmação constante a ponto de propagarem demais o bem que fazem aos outros;

9 - Pessoas que mentem com o intuito de prejudicarem outras pessoas; 

10 - Pessoas que não sabem respeitar o espaço do outro;

11 - Pessoas que não têm profundidade em relação a determinado tema e querem passar, equivocada ou acriticamente, por especialistas desse tema;

12 - Pessoas que consideram indispensável leitura de obras literárias para que uma pessoa seja sábia, instigante ou inteligente;

13 - Pessoas que se consideram importantes demais e levam-se a sério demais;

14 - Pessoas mal-humoradas;

15 - Pessoas que são negacionistas e, consequentemente, acríticas em assuntos de política, ou que endeusam excessivamente um partido, uma corrente política, um líder político (o mesmo se aplica a questões de religião);

16 - Pessoas que ligam por meio de celular e passam mais de 15min conversando (eu sempre sinto dor de cabeça quando atendo ligação) ou que prosseguem uma longa conversa depois de uma despedida;

17 - Pessoas que pedem algum favor sem perguntar, previamente, se o outro poderá realizar a ação pedida;

18 - Pessoas que recorrem demais ao conhecimento, ao status e à crença como forma de propagar uma verdade ou maltratar, diminuir e subjugar alguém;

19 - Pessoas que não usam fones de ouvido nos transportes públicos e não públicos para ouvirem música (independentemente do gênero musical);

20 - Pessoas que furam fila;

21 - Pessoas que não gostam de conversar amenidades ou coisas profundas em contexto de encontro com amigos, porque estão presas demais ao celular, a mágoas passadas ou algum mal-estar pessoal; 

22 - Pessoas que confundem amizade com obrigatoriedade de estar disponível sempre; 

23 - Pessoas que usam verbos no imperativo; 

24 - Pessoas que fingem simpatia para forçarem aproximação por interesse;

25 - Pessoas que não compreendem que é preciso manter distanciamento prudente de certos assuntos previamente apontados como desagradáveis por alguém; 

26 - Pessoas que exigem atenção por serem carentes demais;

27 - Pessoas invasivas em qualquer grau ou circunstância; 

28 - Pessoas que são possessivas ou ciumentas;

29 - Pessoas que gostam de subjugar com elogios, favores e atenções desmesuradas como forma de manipular;

30 - Pessoas que tendem a transformar as demais em monstruosas para se colocarem como vítimas das situações. 

Aos que são próximos e aos que são distantes, digo logo que não estou fazendo crítica direta ou indireta a quem quer que seja, porque eu mesmo não estou isento de ter muitos desses comportamentos que enumerei. Quem está livre de ser um ser humano? A questão é que algumas pessoas não têm o cuidado de se autoavaliarem. Não digo que devem se sentir culpadas ou se punirem, mas autoavaliação pode ser um bom caminho. É sempre pertinente se tornar uma pessoa melhor para si, para o outro e para o mundo. 

Como disse, estou longe de ser santo, mas faço o esforço para não ser uma pessoa de todo desagradável. Além disso, procuro cuidar da mente. Faço análise com um psicanalista lacaniano há alguns anos. Tenho melhorado significativamente. Sou sensível demais aos conflitos, tenho dificuldade de dizer não, por isso preciso manter certa prudência. Se não faço isso, a vida se torna insustentável. Devo ser meio lunático, mas já admito para mim esse lado que tenho, pois não quero me forçar a usar máscaras com tanta frequência. Suportar certas posturas é me violentar para agradar ao outro, então preciso rever isso.  

Para encerrar o desabafo, quero dizer o seguinte: familiares, amigos e amigas, relacionamentos possíveis e impossíveis (e tantas outras formas de relações humanas às quais estou inevitavelmente submetido no cotidiano caótico da existência), pode ser que o problema esteja em mim: tenho tendência a me exaurir fácil. Preciso de distanciamentos de tempos em tempos para me recompor. Não me odeiem por isso, mas se odiarem afastem-se discretamente, porque sou capaz de até pedir desculpas por esse texto que escrevi. Eu, no entanto, advirto: estou sendo muito mais eu mesmo ao escrever.

Vou confessar uma última coisa a respeito dessa minha percepção sobre a convivência: as pessoas que mais amo na vida são as que demoro a encontrar e, quando as encontro, tenho a sensação de que as vi no dia anterior. 

E tenho dito. 

27/07/2023