quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

CRÔNICA: QUANDO ISSO PASSARÁ?



Estava pensando: quando a sensação de incompletude, que atravessa minha existência da infância à fase adulta, passará? Será que passa? Será que um dia, ainda que por um breve segundo, haverá festa de riso na descoberta de estar completo?

Quando a sensação de desencontro passará? A melancolia impregnada de domingo à tarde, quase dor de perfuração e sangue, passará? 

O sentimento de vazio latente, mesmo quando se tem ao lado a melhor das companhias, um dia passará? A sensação de deslocamento, de não fazer parte, de não se sentir compreendido, de existir com o pior das máscaras, hein, passará?

Quando meu sorriso ecoa, prometo, é verdade o que ele esparge, mas não deixe de perceber que na sequência ele vem com amarelas quedas e sombrios deslocamentos. O desespero, não se engane, tem vestimentas de riso fácil. Quando, por Deus, a incapacidade de ser verdadeiramente alegre passará? 

Quando cesso a palavra, isso parece estranho, mas ao falar o estranhamento se faz maior. Quando, pergunto aflito, quando isso passará? Quando terei a coragem de dizer sim ou não com a firmeza do querer o sim e do querer o não? 

Quando terei forças além da palavra escrita? Passará esse aperto do peito que simula pancada e queda? Essa vertigem de encontrar benesses no que é comum por não saber participar desse comum, por favor, quando isso passará? 

Nasce o dia, morre a noite e o nada galopa entre um tormento e outro. Nada, absolutamente nada, altera o impacto desse existir sem cor. Então, cenários de conquista e sucesso e benesse e festejo e aplauso parecem destoar do meu olhar caindo. Sim, caindo sempre, com chão aberto ou solo pavimentado, é assim o mote do riso em chamas e da boca em gelo. 

Eu só queria implodir a torre de culpa, o aceno de medo, o cansaço de não ter força para convívios... Quando passará, por tudo o que é mais sagrado, ou profano, quando isso deixará de existir? 

Estava pensando: existe alguma coisa aos gritos em mim. Por ouvir vozes por todos os lados, fico impedido de responder à altura, aí a queda já faz apelo e eu não sei dizer um não. 

Aflição! 

Émerson Cardoso

18.01.2024