sábado, 26 de fevereiro de 2022

RESENHA CRÍTICA: "ENQUANTO A CHUVA CAÍA E OUTRAS HISTÓRIAS", DE JEAN PAULINO


SOUZA, Francisco Jean Paulino de. Enquanto a chuva caía e outras histórias. São Paulo: All Print Editora, 2021. 

O livro "Enquanto a chuva caía e outras histórias" apresenta dezesseis contos e cinco microcontos. Entre enredos românticos e cômicos, temos nesse livro uma passarela de personagens invariavelmente bem construídas.

No primeiro conto, Jeremias (em verdade, Jairo Messias cujo nome prenuncia o tom paródico que se desenvolve em torno do atual presidente do Brasil) aproveita-se de certa posição de privilégio e arquiteta uma realidade mentirosa para a população de uma cidade. O contexto é de pandemia. A gripe espanhola, que assolava a Europa no início do século XX, se aproxima do Rio de Janeiro e da cidade interiorana na qual Jeremias é carteiro. Ele se esforça para criar uma atmosfera de aparente tranquilidade ante a notícia alarmante de um vírus mortal que, na concepção negacionista dele, não passa de uma "gripezinha". Assim, de carteiro a pastor, de pastor a prefeito, ele alcança status e credibilidade, mas termina por ser vítima da gripe espanhola que ele tanto quis esconder e negar. O texto lembra, em vários aspectos, o universo de Lima Barreto, seja no trato irônico que configura as personagens, seja no tom de parábola satírica que configura o enredo. 

Da pertinente crítica social, o autor vai para o romance rasgado. No conto O caso da moça da fotografia, o protagonista se apaixona por uma moça encontrada numa foto, em um cemitério, e fica obcecado por ela. Depois, ele morre. Um desencontro de almas gêmeas se dá, porque uma jornalista (com as características da moça da foto), anos após a morte do rapaz, também se apaixona pela foto dele. Temos nesse texto uma atmosfera novelesca, melodramática e gótico-romântica. 

Um romance também configura o conto Lembranças da Lene. Neste caso, um rapaz inconformado com a perda de seu grande amor não suporta qualquer alusão a ela, o que o torna uma personagem patética em sua busca desenfreada para fugir daquilo que tanto o massacra afetivamente. O humor caracteriza esse texto de perda e desilusão, sobretudo porque na tentativa de fugir de sua amada ele está cada vez mais preso a ela. Além disso, o rapaz não contava com a capacidade de vingança do primo Juca, personagem que é responsável pelo desfecho cômico do texto que tem perspectivas de anedota. O desfecho inusitado que conduz ao riso confirma essa possibilidade de diálogo com o gênero anedota. 

Em seguida, o texto Deixa eu ir "no" banheiro confirma a inclinação do autor para a comicidade. O ambiente é a sala de aula e o contexto é um diálogo entre professor e estudantes durante uma sôfrega aula de Gramática da Língua Portuguesa. O alheamento dos estudantes só não é maior do que a paciência (com momentos de extrema impaciência) do professor na tentativa de obter da turma o conceito de verbo. Esse texto é dinâmico e, por meio do humor, recria o universo de caos ou alegrias que pode ser a sala de aula. Com esse conto percebemos que o autor é um fidelíssimo pupilo de Luís Fernando Veríssimo.

No texto A rosa, o muro e a flor o autor cria uma espécie de apólogo que, através das personagens evocadas no título, apresenta a seguinte moral: é preciso valorizar o que se tem, é pertinente observar o entorno com gratidão (enquanto se tem possibilidades para isso), é preciso não permitir a construção de muros que possam representar distanciamentos e separações. O autor também é pupilo de Rubem Alves!

O presente de Lurdinha segura a atenção do leitor em torno de um presente dado, por engano, para uma moça insegura e ingênua cuja grande angústia é ter que conviver com suas parentas amargas e escarnecedoras. O texto poderia retomar a comicidade que tem sido a tônica de alguns contos, mas termina por optar pelo teor folhetinesco ao criar no desencontro o encontro de almas afinadas. 

CONTINUA...



Um comentário:

  1. Embora ainda ansioso pelo término de sua ampla e respeitada análise, antecipadamente agradeço o tempo despendido para tal iniciativa, Emerson Cardoso! Sua contribuição enriquece muito minha modesta obra. Depois você me diz qual foi seu conto preferido deste livro, ok? Fiquei curioso!:)

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