quarta-feira, 18 de junho de 2025
TRILOGIA DO CARIRI CEARENSE: PEÇA TEATRAL "A REVOLTA DE ANTONINA"
Antígona, a insubmissa filha de Édipo, serviu de inspiração para que eu criasse Antonina — a sonoridade do nome e os fatos que constituem o enredo da peça evidenciam isso. Diferente da jovem grega, Antonina é uma sertaneja nordestina, viúva, sem familiares próximos, que acaba de perder um filho e depara-se com a tirania de um coronel que a impede de sepultá-lo. Três pontos nortearam minha escrita:
1) Decidi escrever essa peça em continuidade a uma ideia que tive de discorrer sobre o Cariri cearense em três obras realizadas em gêneros diferentes: poesia, teatro e narração;
2) Antonina é uma personagem feminina que, como tantas outras mulheres nordestinas fadadas a viverem sozinhas, pelas circunstâncias da vida, traz em si a força de resistir em meio a um espaço que exige da mulher, por vezes, força física, condição sine qua non para manutenção de sua sobrevivência, e também força psicológica para encontrar em si coragem de enfrentar o poder de certo coronel que manda e desmanda em uma típica localidade do Cariri cearense;
3) Antonina é uma personagem que reúne as mulheres fortes de minha família. Ela, como toda boa mãe nordestina, atribui ao filho grande valor, porém o destino (ou as ações/reações da vida?) faz com que ela experimente a pior dor que uma mãe poderia experimentar: ver um filho morto. Para sepultá-lo, ela tem que buscar forças para enfrentar a mão de ferro de um coronel tirânico e sádico, vestido em pele de cordeiro.
No mais, espero que Antonina alcance seu objetivo e seja compreendida em suas dores. Espero, para ela, cumplicidade. Lembremo-nos de que ela fala por quem, muitas vezes, não tem voz contra o poderio de gente desalmada.
Tenha acesso, gratuitamente, à peça no link:
terça-feira, 27 de maio de 2025
EXPERIÊNCIAS ESCOLARES EXITOSAS QUE DEIXARÃO SAUDADE
Em 2025, a EEM Governador Adauto Bezerra vivenciou duas experiências escolares exitosas envolvendo a criatividade e o esforço da Prof.ª Ma. Éricka Sobreira[1]: 1) o Projeto práticas corporais de aventuras (que consiste em realizar a tradicional subida ao Horto) e 2) o Projeto 2º Grau em Ação.
O Projeto práticas corporais de aventuras consiste em conduzir estudantes do 2º ano do Ensino Médio (a Professora Éricka ministra a disciplina de Educação Física para estudantes dessa série) ao ponto turístico mais relevante da cidade de Juazeiro do Norte-CE. Durante o trajeto, estudantes realizam a caminhada na denominada Rua do Horto (espaço de peregrinação de romeiros que visitam a cidade e que tem se transformado, cada vez mais, em lugar para atividades físicas). A caminhada termina no ponto mais alto da cidade, local em que está localizada a imagem do Padre Cícero Romão Batista.
Ao propor essa atividade, a Professora Éricka promove atividade de Educação Física, mas também contribui para que estudantes vivenciem uma experiência de contato com: 1) a história da cidade, 2) o ponto turístico dos mais visitados do Nordeste, 3) um dos espaços de preservação do Geopark Araripe e 3) o contato com a realidade sociocultural e sócio-histórica da denominada cidade dos romeiros. Durante a experiência, existe o contexto de interação entre professores e estudantes, o que torna o momento lúdico, interativo e agradável.
Quanto ao Projeto 2º Grau em Ação, que está em sua décima sexta edição, neste ano, ele foi idealizado e realizado, ao longo desses anos, para alcançar a comunidade escolar em seu todo. Com isso, estimula o protagonismo dos estudantes, promove saúde física e bem-estar, cria momentos de interação e, do meu ponto de vista, caracteriza-se por ser de grande relevância para a construção identitária da escola.
O 2º Grau em Ação é desenvolvido com o envolvimento de estudantes, o que nos possibilita dizer que o protagonismo juvenil é vivenciado na prática. Embora receba apoio da Gestão Escolar e do Corpo Docente, o 2º Grau em Ação é desenvolvido, intensamente, desde o processo de organização até o momento em que tem sua culminância, pelo esforço da Professora Éricka e dos estudantes supervisionados por ela.
No contexto de sua realização, que ocorreu no dia 21 de maio, foram oferecidos atendimentos diversos: 1) brinquedoteca, 2) teste de glicemia e de outras questões de saúde, 3) aferimento de pressão arterial, 4) tipagem sanguínea, 5) limpeza de pele, 6) massagem, 7) roda de conversa, 8) orientações de saúde física e psicológica, 9) orientação jurídica, 10) oficina de educação financeira, 11) oficina de defesa pessoal, 12) cinema para divulgação da Língua Brasileira de Sinais–LIBRAS etc.
As turmas da 2ª
Série do Ensino Médio são, novamente, as envolvidas no Projeto. Elas são
articuladas, com apoio da idealizadora do projeto, e organizam-se com o
objetivo de tornar possível o evento. Enquanto as ações são realizadas, a
comunidade escolar espalha-se nos corredores, nos pátios e nas salas de aulas reorganizadas
para os atendimentos.
Essa edição do Projeto 2º Grau em Ação, em especial, se realizou envolta na seguinte sensação: ela fecha um ciclo, com chave de ouro, pois a Professora Éricka completará, neste ano, o tempo de que necessitava para cumprir sua missão em nossa escola.
Enquanto as atividades do 2º Grau em Ação aconteciam, pensei que esse projeto foi significativo demais para o desenvolvimento da escola, porque propagou saberes, proporcionou interações, bem-estar comunitário e, sobretudo, construiu memórias afetivas.
Desde sua fundação, em 1977, a EEM Governador Adauto Bezerra contou com muitos profissionais que contribuíram para torná-la uma escola de referência. A Professora Éricka também faz parte desse grupo dedicado que merece reconhecimento. Ela também olhou para a escola com dedicação, mesmo quando os desafios que se impõem no âmbito educacional foram adversos a seu desejo de tornar a escola um lugar de amplas possibilidades.
Como a vida é de impermanências, a sensação que temos, por vezes, é a de que tudo passa rápido demais. Desse modo, pode parecer que não conseguimos realizar os projetos idealizados, mas a Professora Éricka pode se alegrar, porque em sua vida profissional (seja em sala de aula, seja fora dela) conseguiu realizar grandes feitos (a prova disso são esses dois projetos, dentre os vários que ela realizou, que mostram o quão bem-sucedida ela foi).
O tempo parece levar tudo sem considerar, quando ele passa, o quão frágeis nós somos. O tempo já não levou dezesseis anos desse evento que tanto amplia a experiência de nossa escola? Quando se vai, ele tende a querer apagar os cenários nos quais vivemos, mas ainda nos é dado guardar memórias.
Esses projetos ficarão em nossas memórias, certamente, também o exemplo de dedicação e de envolvimento da Professora Éricka, que teve a coragem de transformar uma ideia em realidade.
Agora, enquanto escrevo, parece justo dizer da alegria que sinto por ter visto em nossa Escola, por três vezes, o Projeto práticas corporais de aventuras e o Projeto 2º Grau em Ação ganharem vida. Nós que compartilhamos do afeto por nossa escola, repleta de boas memórias construídas, apesar dos desafios do cotidiano, só temos a agradecer à Professora Éricka. Ela é consciente de sua função social e, por ser uma profissional admirável (seja pela firmeza de caráter, seja pela dedicação ao trabalho), não se permitiu (e não se permite) passar pela escola sem torná-la um lugar digno e acolhedor, repleto de aprendizagens e de interações, o que nos ensina uma grande lição: é preciso ter coragem para enfrentar os desafios e concretizar nossos ideais.
Para encerrar, gostaria de dizer que a Professora Éricka é bisneta de uma figura histórica importante de nossa cidade: o comerciante Aureliano Pereira da Silva[2]. Ele foi o romeiro alagoano a quem o Padre Cícero vaticinou que seria pai de 36 filhos que contribuiriam para o desenvolvimento de Juazeiro do Norte. Sendo assim, a Professora Éricka está de parabéns, pois pode comemorar por ter cumprido, por suas contribuições na Educação, a profecia do Padre Cícero, que disse que os descendentes de seu bisavô contribuiriam para o desenvolvimento de nossa cidade.
Que o legado dessa Professora notável nunca seja esquecido!
Émerson Cardoso
28/05/2025
[1]
Éricka Maria Pereira Sobreira de Araújo é graduada em Educação Física, tem
especialização em Planejamento e Políticas Educacionais e em Gestão
Escolar. Professora de Educação Física com ampla experiência, com atuação
no Ensino Fundamental, no Ensino Médio e no Ensino Superior, ela é mestra em Saúde
da Criança e do Adolescente e tem diversas várias práticas de projetos em
suas atividades docentes.
[2]
A história de Aureliano Pereira da Silva foi contada no romance O Padre e o
Romeiro, de Geraldo Menezes Barbosa. Ele também é retratado à mesa o Padre
Cícero no Museu Vivo localizado no Horto.
segunda-feira, 5 de maio de 2025
A PEÇA "SERTÃO CONFEDERADO" ENCANTA O CARIRI
No
dia 02 de maio de 2025, às 19h, o escritor Mailson Furtado realizou, na Biblioteca
Pública Municipal do Crato, o lançamento do livro Sertão Confederado. Nacionalmente
conhecido por sua trajetória literária no âmbito da poesia, o autor também é um
dramaturgo notável, sobretudo se considerarmos a obra mencionada, que foi
construído em colaboração com o Grupo Criar de Teatro, Cia Prisma de
Artes e Herê Aquino.
No dia seguinte ao lançamento do
livro, às 20h, os dois grupos teatrais apresentaram, no Teatro Adalberto Vamozi,
a peça Sertão Confederado. Como é evocado no título, a obra
discorre sobre o movimento político ocorrido no Nordeste do Brasil, há 200
anos, denominado Confederação do Equador.
Quando o público entra, é recebido
por duas imagens: uma visual e uma sonora. A imagem visual se dá pela
apresentação da personagem Ana Triste, que escreve, sentada em uma cadeira
postada sobre um móvel de madeira, com caderno e pena nas mãos — uma espécie de
diário ou livro de memória? O espectador constata, desde o início, que ela será
a narradora da ação da peça. A imagem sonora, por sua vez, se dá ao som do
violão que conduz os espectadores (como se fossem levados a viajar por um túnel
do tempo) à atmosfera que remete ao contexto histórico explanado na
peça.
Essas duas imagens, simbolicamente,
prevalecerão no enredo. A narrativa de Ana Triste, entre intensa e
introspectiva, é o fio condutor da ação dramática. A música, onipresente no
espetáculo, reforça a pretensão do texto de envolver o público, sobretudo emocionalmente,
quanto aos eventos políticos do Brasil após a independência.
Explicitado o contexto histórico da
peça, ela faz um recorte: trata da presença (em tudo relevante) do Ceará nesse
movimento, que envolveu vários estados do Nordeste, contra o governo brasileiro
do início do século XIX — um governo lastreado pela monarquia. Desse modo, o
elenco se move pelo palco em cenário minimalista (com falas, cantos ou danças),
dando vida às figuras históricas cujos nomes são conhecidos
(mas ainda não suficientemente reconhecidos) pela efetiva
participação na Confederação do Equador.
Esse recorte é muito bem delineado no
texto dramático, de autoria de Mailson Furtado (que dá vida ao herói Tristão
Gonçalves de Araripe e também oferece ao espetáculo seu conhecimento musical),
uma vez que a dramaturgia apoia-se em apurada pesquisa histórica e cultural. Os
diversos conteúdos colhidos são transformados em componentes de ação capazes de
envolver o público. Nesse sentido, em meio à explanação de aspectos históricos,
políticos e memorialísticos, o autor acerta na linguagem empregada, uma vez que
articula: 1) a retórica dos discursos políticos e eclesiásticos com
criatividade, 2) o lirismo do discurso de Ana Triste (que é melancólico, mas
transgressor e provocativo, de modo que ela transgride tempo e espaço em sua
narrativa repleta de prolepses e analepses) e 3) o
prosaico nos discursos, sobretudo, de personagens secundárias em contexto
cômicos etc.
Algo a ser considerado, também, nessa
perspectiva, é o uso de fugas cômicas no plano da ação e da linguagem que, sem
descaracterizar o tom sério e de contornos trágicos predominantes no texto,
consegue incitar ao riso em vários momentos. O texto mostra, na superfície e em
suas camadas profundas, a presença da configuração trágica. Apesar disso, se
permite a atos de comicidade em momentos pontuais — o que o torna dinâmico e
instigante.
Além disso, outro aspecto notável da
peça é o uso de componentes das tradições orais. Isso fica nítido,
principalmente, quando canções e danças concentram, em suas melodias e
coreografias, valores que remetem à cultura popular. As composições exibidas e as
coreografias apresentadas tornam a peça lúdica, ágil, expressiva e lírica. A
plateia interage, em vários momentos, com o elenco. Nas coreografias, não é
difícil localizar menções ao reisado, maneiro-pau, coco de roda etc.
Sendo essa a apresentação de estreia,
é notório o potencial dessa obra, que conseguiu expor o contexto
histórico-político sem cair em didatismos impertinentes, linearidades acríticas
ou clichês narrativos. Ao contrário disso, os recursos dramatúrgicos, utilizados
com originalidade, tornam a experiência de adentrar o universo complexo da
Confederação do Equador algo prazeroso.
A propósito, a peça é dirigida pela
experiente e criativa Herê Aquino, que faz um trabalho notável em torno do
texto dramático de Mailson Furtado. Quanto à cenografia, certamente em nítido
diálogo com a diretora, Chico Henrique opta pela criação de um cenário conciso,
objetivo e prático na transição de cenas. Por exemplo, o móvel sobre o qual Ana
Triste se apresenta sentada, no início e no desenvolvimento da ação da peça,
transforma-se em diversos outros itens — de mesa utilizada para reunião de
Bárbara de Alencar com seus adeptos, a barco utilizado por Thomas Cochrane,
esse móvel concentra surpresas que funcionam perfeitamente a serviço da
dramaturgia.
Aspecto notável no espetáculo é o
elenco e a caracterização primorosa das personagens. Estamos diante de dois
grupos teatrais com atores e atrizes que dão vida a personalidades históricas
marcadas por dois ângulos de visão: o propagado pela oficialidade histórica e o
propagado pelo imaginário.
Com base nisso, são retomadas: 1)
figuras femininas como Bárbara de Alencar (Luisete Carvalho), a matriarca cujas
ideias tornaram-na a primeira presa política do país, e Ana Triste (Yane
Cordeiro), a fiel esposa que se enlutou, para sempre, depois da morte do marido
amado; e 2) figuras masculinas como Tristão Gonçalves Araripe (Mailson
Furtado), líder do movimento no Ceará, Pereira Filgueiras (Raimundo Moreira),
comandante das armas, e José Martiniano Pereira de Alencar (Maycon Wiliam),
dentre outras personalidades relevantes da Confederação do Equador.
Merece nota o fato de que os/as
artistas se revezam na interpretação de uma mesma personagem, também assumem
outras atividades no desenvolvimento da ação — especialmente no trabalho com a
música, que é um dos pontos altos do espetáculo. Embora ocorra essa amplitude
de funções, o elenco as realiza com leveza e fluidez, criando harmonia cênica.
As personagens são compostas, com
maestria, pelos dois grupos teatrais unidos para realização dessa obra.
Reforçam a caracterização delas excelente trabalho de figurino, cabelo e
maquiagem. O figurino, criado por Chico Henrique e Ivanio Sousa, é significativo
para a dramaturgia: no figurino permanente, prevalecem tons claros
com uso de vermelho e amarelo. Quando uma personagem surge na cena,
ela é representada, também, pelo figurino que muda: é possível reconhecer a
transição das personagens por meio da sobreposição de vestimentas. Além disso,
é pertinente observar o azul, principalmente nas vestimentas
masculinas.
Na peça, existem momentos
emblemáticos: 1] a cena da marcha (momento em que há uma apresentação de música
e dança com coreografia remetendo à marcha dos revolucionários); 2] a cena da
mesa de reunião (espécie de santa ceia de rebelados?) na qual Bárbara de
Alencar tem destaque; 3] a cena do diálogo entre Pereira Filgueiras e o
Governador Sampaio que, por meio de recursos cômicos (com espaço para um jogo
metalinguístico), é realizado com auxílio de um mensageiro (Gal Saldanha) capaz
de transgredir tempo e espaço para levar e trazer as correspondências dos dois
políticos; 4] a cena da chegada de Thomas Cochrane (Maycon Wiliam) com o
ajudante (Gal Saldanha), que é dos momentos mais cômicos da peça (Gal Saldanha
e Maycon Wiliam estão excelentes na cena); 5] a cena em que ocorre o breve
monólogo de Ana Triste ante a morte de Tristão Gonçalves (nesse momento, Yane
Cordeiro emprega forte carga dramática e leva o espectador à comoção); 6] a
cena em que Tristão Gonçalves é assassinado e levado em cortejo (deixando Ana
Triste desolada).
Essas e tantas outras cenas são
dignas de notas. Em verdade, é pertinente dizer: a peça em seu todo é rica em
forma e conteúdo, é criativa em sua maneira de apresentar a Confederação do
Equador, é dinâmica em sua predisposição a alternar o que é trágico e cômico; é
harmônica em sua composição dramática; é consciente em sua articulação dos
recursos dramáticos a serviço de contar uma história esteticamente constituída;
é uma obra de arte, porquanto concentra itens indispensáveis ao que é
artístico.
Sertão Confederado é
uma experiência teatral intensa em vários aspectos, pois ela é atual em suas
reflexões políticas, históricas e memorialísticas, também é rica pelo texto
dramático e pelas atuações. Música, dança, canto e atuações tornam essa obra
uma profusão de lirismo, dinamismo e vida.
REFERÊNCIAS:
FURTADO, Mailson. Sertão confederado.
Varjota: Edições CriAr/Edições Fundação SINTAF, 2025.
Émerson Cardoso
03/05/2025
segunda-feira, 21 de abril de 2025
TRILOGIA PARA O CARIRI CEARENSE: ROMANCE "O CASARÃO SEM JANELAS"
Um escritor inseguro quanto ao seu ofício depara-se com uma cena: há uma velhinha sentada no alpendre de um casarão construído, há anos, no sopé da Chapada do Araripe, floresta que corta, dentre outras cidades, Crato – cidade das mais relevantes do Ceará.
A partir dessa imagem, o escritor decide contar uma história. Quem construiu o casarão? Por que o construiu sem janelas? Quem era aquela velhinha solitária cujo olhar comovente parecia perder-se em cenário tão desolador? Na tentativa de desvendar o olhar anônimo dessa personagem, o escritor passa a contar a história do casarão, construído sem janelas, e a história de seus habitantes.
Para contar essa história, o escritor dá voz a algumas personagens para que elas apresentem suas versões dos fatos. Com uma linguagem que tenta reproduzir as idiossincrasias linguísticas da região em que as personagens estão inseridas, surgem os depoimentos de Augusta (a ex-escravizada cujo comportamento ambíguo movimenta consideravelmente a trama) e das irmãs: Maria dos Anjos (dona do casarão e responsável por sua revitalização), Angelita (que, após um casamento conturbado, foge do marido e vai buscar abrigo no casarão da irmã) e Lina (a versão jovem da velhinha que, no início do romance, aparece no alpendre e estimula o escritor a desvendar sua história).
Outras personagens ganham voz na enredística: uma personagem emudecida que se chama Maria Tacita (suas intervenções são indicadas por meio de pontilhados), o Tempo (que, ao narrar, parece primar por intenso lirismo), o Açude (que narra fatos vinculados, especificamente, à personagem Ana, filha de Angelita), o Silêncio (que, em verdade, é o não-dito da personagem Maria Tacita), a Solidão (que enfatiza a visita de Lina a Juazeiro do Norte, momento em que surge o Padre Cícero) e, por fim, o Casarão (que, considerado maldito pela circunvizinhança, apresenta uma versão elucidativa acerca de sua construção e das pessoas que nele habitam).
O título da obra metaforiza a condição das personagens femininas que vivem o enredo. A ausência de janelas no casarão representa, nas camadas profundas do texto, a esterilidade a que a visão patriarcal submete a mulher. Vítimas dos mais diversos conflitos existenciais, as personagens desse romance formam uma confraria de sujeitos femininos que tentam, até mesmo contra o tempo e suas devastações, transgredir regras estipuladas socialmente e sobreviver – mesmo quando a morte parece algo inevitável.
segunda-feira, 24 de março de 2025
OFICINA DE GÊNEROS DIGITAIS (MINISTRANTES: EVELYN E LUIZ HENRIQUE)
O que são gênero digitais?
Os gêneros
digitais são formatos de comunicação e expressão que surgiram ou se
popularizaram com o advento da internet e das tecnologias digitais. Eles são
caracterizados por sua adaptação ao ambiente virtual, combinando texto,
imagens, áudio e vídeo de forma interativa e dinâmica. Esses gêneros são
amplamente utilizados para informar, entreter, educar e conectar pessoas em
diferentes contextos.
Todo gênero textual, seja
ele simples ou complexo, tem o poder de gerar uma resposta. Uma conversa
casual, por exemplo, é um gênero discursivo em que a troca de conhecimento
acontece de forma direta e imediata. Nesse tipo de interação, ambos os
interlocutores assumem um papel ativo, construindo juntos o diálogo e
respondendo instantaneamente às ideias apresentadas.
No entanto, quando nos
voltamos para gêneros mais complexos, como um livro, um artigo ou até mesmo um
filme, a dinâmica da resposta muda. Nesses casos, a reação pode
ser retardada, ou seja, não acontece no mesmo momento em que o conteúdo é
consumido. O leitor ou espectador precisa de tempo para processar as
informações, refletir sobre o que foi apresentado e, só então, formular sua
resposta. Essa resposta pode se manifestar de diversas formas: uma resenha, um
comentário em um blog, uma discussão com amigos ou até mesmo uma mudança de
opinião sobre um determinado assunto.
Voltando
ao Pré-Modernismo, por exemplo, temos um período literário marcado por
discussões profundas que denunciam as injustiças sociais da época. As obras
desse período não apenas retratam as desigualdades e os conflitos do início do
século XX, mas também trazem para o debate temas polêmicos e relevantes, como o
abandono das populações marginalizadas e as tensões entre tradição e
modernidade. Tudo isso é apresentado com base em uma visão crítica girando em
torno dos desafios e das contradições da época.
Vejamos alguns desses
exemplos em grandes obras desse período:
Confira mais sobre o
autor: https://www.ebiografia.com/lima_barreto/
Confira
mais sobre o autor: https://www.ebiografia.com/graca_aranha/
Confira mais sobre o autor: https://www.ebiografia.com/augusto_anjos/
Os trechos selecionados
expressam ideias semelhantes ao que vemos nos dias de hoje? Além disso, propomos
uma reflexão: se os autores dessa época estivessem vivos hoje, como você acha
que se expressariam?
ANEXOS DOS MEMES E TWEETS
REFERÊNCIAS:
ALVES FILHO, Francisco; SANTOS, Leonor
Werneck; RAMOS, Paulo. Gêneros digitais: muito além do hipertexto. In:
MARQUESI, Sueli Cristina; PAULIUKONIS, Aparecida Lino; ELIAS, Vanda Maria
(org.). Linguística textual e ensino. São Paulo: Contexto, 2017.
ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1998.
ARANHA, Graça. Canaã. São Paulo: Martin
Claret, 2013.
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do
Discurso. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016.
BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo
Quaresma. São Paulo: Penguin-Companhia das Letras, 2011.