Quero me despedir. Sim, quero me despedir do cotidiano com suas tramas. Quero me despedir dos tentáculos diários que se manifestam sem que a vida consiga libertar-se. Também me despeço da ilusão de paz, da suposta harmonia buscada com desespero e da ânsia pelo mundo de calmaria. O mundo desenha caos e instabilidade, de modo que, sem compreender e aceitar isso, será impossível existir.
Quero me despedir de mim. Desta mente tumultuada em busca de perfeição, controle, organização e estabilidade. Sim, que se vá o meu eu, este ser em busca de luz diária, de caminhos perfeitos, de horizontes estáveis e de santidade indiscriminada. O pior da vida é pensar que é possível ser feliz. Viver, por si só, é engolir o dissabor inevitável e aceitar o horror da finitude.
Em Dogman, de Luc Besson (2023), o protagonista diz que: "Reclamar é orar para o demônio!" Eu, de tanto conviver com quem viveu de reclamações, aprendi a fazê-lo. Parece que minhas orações diárias, porque as conservo apesar da crença e da espiritualidade oscilantes, não conseguem suprimir em mim a reclamação constante. Reclamar, ao que parece, foi o modo possível de existir no mundo, mas isso cansa. Então, me despeço desse projeto de inexistência.
Quero me despedir desse cansaço, dessa ausência de saúde, desse mundo insuportável que me destrói cada vez em que não posso expandir minha alma. Expandir minha alma seria viver para a literatura, a pesquisa e a educação sem precisar sofrer por querer viver esses três atos de uma peça que me aprisiona.
Quero me despedir das relações humanas incapazes de sinceridade ou de escutar o não. Quero dizer não e não ser importunado por exigências de sim. Quando respeito não nos é ofertado, parece insuportável ter que exigir isso (é sempre triste dizer o óbvio).
Quero me despedir dos rancores. Tenho na alma um caderno com nomes que mereciam sofrer, no entanto, para sorte dessa gentalha, sou vingativo só na imaginação (não concretizo meus projetos criativos de ódio). Para me libertar, quero apagar esses nomes, deixar para trás os traumas, esquecer da gente vulgar que não merece permanecer em minha memória.
Quero despedidas da criança ferida que, teimosa, triste e frágil, se alojou em mim e não me deixa. Quero que se vá o adolescente desajustado, inseguro e triste que se martiriza por existir. Quero me livrar do adulto infeliz que luta, desde sempre, e teme a frustração, a incerteza e o tédio. Quero aceitar, se me vier, a velhice com seus poderes adquiridos ou podridões possíveis.
Quero despedidas do sofrer por tudo. Quero amenizar as intensidades. Não suporto mais tanta sensibilidade descontrolada. Não aceito pensar e repensar cada cena ou cenário que acontece em meu entorno. Estou desolado sempre, de modo que não consigo mais existir assim. Preciso deixar para trás esses infortúnios existenciais.
Quero despedidas dessa maldita culpa. Da culpa infame, da culpa insuportável, da culpa por existir. Tenho culpa por observar, perceber e saber demais. Culpa pelos erros do mundo, pelos erros cometidos por mim, pelos erros cometidos pelas pessoas que deveriam ter me amparado, mas me deixaram à mercê das maldições do mundo.
Enfim, chega de tantas despedidas, pois a despedida que importa é a da pessoa capaz de julgamentos, de intolerâncias e de exclusões (sim, esta pessoa cheia de defeitos sou eu e eu não a quero mais). Dizem que o ser humano, em verdade, age sempre em busca de ser amado, aceito e amparado. Talvez faça sentido. Eu, definitivamente, só queria me libertar de ser tão apegado, intransigente e aprisionado ao medo que me tritura e à sensação de doer por tudo. Em meio a tantos apegos, tecer despedidas não é tarefa das mais fáceis. Apesar disso, não tenho outra saída. Então, para minha vida continuar, eu me despeço desses monstros que trago em mim.
Por fim, uma pitada de adeus a gosto!
Émerson Cardoso
30/08/2025
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