segunda-feira, 14 de outubro de 2013

CRÔNICA POUCO APOLOGÉTICA: A FELICIDADE DE SER PROFESSOR NO BRASIL

Antônia Lucimeire Oliveira
Imagem que representou, nacionalmente,
o desrespeito contra o profissional da educação

Na segunda semana do mês de maio de 2011, mais precisamente do dia 09 ao dia 13, o Jornal Nacional (jornaleco televisivo que prefere referir-se a manifestante com a alcunha de vândalo) exibiu uma série de reportagens que aludiam à situação crítica em que se encontra a Educação no país. No dia 12 de maio, o jornal tratou diretamente do problema relacionado à realidade do Professor.
A reportagem exibiu uma sala de aula em que um professor perguntava aos alunos que profissão estes escolheriam. Ao ser mencionada a profissão de Professor, dois braços ergueram-se tímidos, e a câmera deu ênfase a uma das duas mãos que se ergueu no fundo da sala. Um aluno entrevistado afirmou: “Não vejo futuro em ser Professor!” Outro aluno expôs: “Ser Professor não compensa!” A reportagem mostrou, ainda, com um fundo musical triste, alguns profissionais da área que afirmavam ser desprestigiados, desvalorizados e, principalmente, sobrecarregados.
O Ministro da Educação – Fernando Haddad – fez um breve e nada elucidativo comentário a respeito, mas a reportagem terminou com a seguinte constatação: a profissão vive uma terrível – cito o narrador – “falta de horizontes”.
Como me senti com a alma devassada por uma sensação de mal-estar completo, por ser parte dessa classe que sofre as consequências da profissão escolhida, precisei discutir e compartilhar de algum modo a minha sensação de desconforto, após ver o quanto este país se cala diante dos problemas educacionais tão evidentes.
A aprendizagem do aluno, supõe-se, é o foco principal da Educação. Ter alunos e ensinar coerentemente conteúdos a fim de torná-los aptos – numa naçãozinha que preza o trabalho braçal mais que o intelectual – ao mercado de trabalho, sem dúvidas, é um dos objetivos do processo educacional. Estimular o aluno ao exercício de sua cidadania, torná-lo capaz de refletir sobre temáticas inúmeras que norteiam o cotidiano que o perpassa, são tópicos indispensáveis para o trabalho do Professor.
Não se pode entender, porém, como o ensino-aprendizagem será viável se o profissional responsável por esse processo não tem salário digno, valorização ou tempo suficiente para realização do seu trabalho. Além disso, como pode ministrar aulas um profissional que tem entre 40 e 45 alunos numa sala de aula sem, muitas vezes, suporte para ampliar seus métodos de explanação conteudística? Controlar alunos, desenvolver trabalho burocrático, controlar o nível de aprendizagem do aluno através de uma avaliação plausível, realizar inferências conteudísticas quando há escassez de materiais para isso, cumprir um papel que deveria ser da família, são desafios intoleráveis à condição física, psicológica e temporal do Professor.
Confirmo, com a explanação desses poucos detalhes sobre o que, neste país, é ser Professor, a assertiva do aluno entrevistado na reportagem acima mencionada: “Ser professor não compensa!” Por mais que ainda tenhamos alunos que façam valer a pena o esforço, por mais que encontremos algum bem-estar em planejar uma aula e ser capaz de ministrá-la, ainda que sejamos recompensados com a amizade de certos alunos que conseguem olhar com humanidade para a delicada condição do Professor, não é possível fechar os olhos para o sofrimento vivido diariamente por este que é, para poucos no país, o responsável pelas mudanças mais significativas da nação.
Em 2009, em propaganda realizada pelo MEC, exibida em emissoras abertas, reprisada exaustivamente também em 2010, são apresentadas imagens que representam paisagens marcantes de inúmeros países. Em certo momento da propaganda, o narrador afirma ter feito uma pesquisa em outras nacionalidades e várias pessoas das respectivas nações respondem à seguinte pergunta: quem é responsável pelo desenvolvimento do seu país nos últimos 30 anos? Em várias línguas pode ser constatada a resposta: o PROFESSOR!
No final da propaganda, uma atriz muito bonita e jovem, usando o “subosso” comum a todo profissional da Educação – os óculos –, se encontra com um grupo de crianças num cenário que sugere a escadaria de um colégio e, olhando sorridentemente para a câmera, convida a quem assiste à sua performance artística a ser um professor. Para isso, utiliza-se de forte recurso de convencimento através do uso expressivo da função conativa da linguagem.
         Agora, utilizando-me de inferências “outorgadas” a mim pela mãe das disciplinas, a Filosofia, eu pergunto: ser professor é tão ruim que o MEC precisa fazer propaganda para incentivar seres humanos, de bom coração, a realizar o heroico ato de ser Professor? Será que fazer propagandas é mais fácil do que tentar olhar com sensibilidade para o profissional da Educação?
Que minha capacidade crítico-reflexiva de Professor – que optou pela profissão – seja resguardada para não se esboroar com esse discurso. Propaganda muito bonita, mas patética por expor, dentre outros discursos, a ingenuidade do governo em tentar uma chamada urgente para que algum brasileiro suporte, mediante sacrifício intenso, a árdua tarefa de ser Professor.
        Incomoda-me o fato de que, para afirmar o Professor como desenvolvimentista, foi preciso confiar na opinião de cidadãos de outras nacionalidades. Supõe-se, com isso, que se algum brasileiro fosse entrevistado sobre o assunto a opinião poderia ser bem diferente. Lógico, o Brasil ainda não resolveu sequer problemas mais práticos, como saberá resolver problema tão denso? E a voz de estrangeiros ecoa num recurso de convencimento que reforça – na França, Alemanha, Inglaterra, Finlândia, Espanha, Coreia do Sul, dentre outros países que de fato investem na Educação – o quanto o Professor merece “respeito”.
            No ano de 2011, diga-se de passagem, o MEC resolveu convencer um pouco mais o país de que ser Professor é importante. A nova propaganda exibe imagens sugestivamente desenvolvidas com giz – símbolo do arcaísmo, a meu ver, que perpassa a Educação nacional – e, numa melodia comovente, afirma mil vezes que o Professor é o responsável pela formação de todas as outras profissões. Linda música de teor valorativo, mas fico pensando: se o Professor é de fato o que é apresentado na tal propaganda, por que o governo não deixa de gastar dinheiro com propagandas inverossímeis e não investe, efetivamente, em possíveis mudanças que a profissão, gritantemente, exige?
            Alguém pode achar que eu desconsidero as mudanças realizadas nos últimos anos, ou que sou dramático, ou pessimista demais, mas, sinceramente, se eu me contentar com essas supostas mudanças, a mim insignificantes, não terei condições de permanecer na profissão que escolhi por muito tempo. Ou a abandonarei, ou terei problemas físicos e psicológicos irreversíveis se o silêncio e o conformismo forem minhas bases aliadas.
            Mas eu espero, não sem dor e sofrimento, que o meu choro e ranger de dentes sejam passageiros, afinal de contas ser Professor não é tão ruim assim. Dá até para comprar medicamentos para sanar as constantes dores de cabeça sentidas e ressentidas.
         Num país em que Professores são tratados com desdém, humilhação, violência, descaso e desrespeito (para ficar apenas com dois exemplos, vide o que ocorreu recentemente nas cidades de Juazeiro do Norte – CE e Rio de Janeiro – RJ), ser Professor parece incongruência e masoquismo: por quanto tempo cursos de licenciatura ainda terão público?
            Faço, para concluir, umas últimas perguntas que me parecem retóricas: ainda é possível ter visões otimistas sobre a nossa profissão? Eu posso falar em sala de aula que este país é democrático se reivindicações são punidas com truculência? Posso dizer que o conhecimento liberta, se quem detém algum conhecimento para compartilhar não pode ter dignidade justamente por ser detentor do conhecimento?
            Repúdio, asco, vergonha de ser brasileiro – e tenho dito!

Texto de: Émerson Cardoso
15/10/11 - 13 

7 comentários:

  1. FANTÁSTICO, MEU CARO COLEGA. TMBM É O QUE EU SINTO: REPÚDIO, ASCO...

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    1. Jader, como não se sentir assim, não é??? Mas sobreviveremos se o conformismo nunca for nossa camisa. Um grande abraço, meu amigo!!!

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  2. Acho que você já sabe o que penso sobre isso,de qualquer forma quero deixar aqui uma frase que me representa ultimamente,depois de ver várias e várias pessoas se juntando aos professores para lutarem lado a lado por um verdadeira "revolução".
    “Num país como o Brasil, manter a esperança viva é em si um ato revolucionário.”
    ―Paulo Freire

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    1. Suspeitei desde o princípio que era você!!! E digo mais: concordo com a frase de Paulo Freire que você mencionou e, sinceramente, espero que a esperança me guie e que o conformismo nunca me apague. Um abraço, Jardel!!!!

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  3. Eloquente e quente protesto. Vou compartilhar seu blog. Boa sorte!

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