domingo, 12 de outubro de 2014

RESENHA CRÍTICA: "HANNAH ARENDT: IDEIAS QUE CHOCARAM O MUNDO"



HANNAH ARENDT: IDEIAS QUE CHOCARAM O MUNDO. Direção de Margarethe von Trotta. Produção: Heimatfim Gmbh. Elenco: Barbara Sukowa, Axel Milberg, Janet McTeer.  Alemanha / França: 2012. Filme (109 min). Drama.

No filme O Leitor (2009), de Stephen Daldry – que rendeu a Kate Winslet, vivendo a personagem Hanna Schmitz, os mais importantes prêmios cinematográficos de 2009 –, uma personagem feminina é julgada e condenada por seus crimes contra a comunidade judaica. O enredo conduz o expectador a acompanhar o drama dessa personagem e compreender que, de certa forma, ela estava condicionada a cumprir ordens sem, necessariamente, pensar sobre seus atos, muito menos questioná-los. Este filme é baseado na obra de mesmo título do escritor alemão Bernhard Schlink, publicada em 1995.
Em Hannah Arendt: ideias que chocaram o mundo (2013), de Margarethe von Trotta,  vem à tona, desta feita baseada na história de Hannah Arendt (1906 – 1974), vivida pela atriz Barbara Sukowa, as ideias instigantes dessa pensadora que, com a finalidade de escrever uma reportagem para o The New Yorker sobre o julgamento de Adolf Eichmann, em Israel, produziu uma das obras mais polêmicas do século XX: Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal (1963).
Para o mundo (e o filme de Trotta retrata isto enfaticamente), foi considerado paradoxal o fato de que uma judia, que sofreu de perto a experiência proporcionada pelos ideais nazistas, tenha considerado, em detrimento da opinião pública, que Adolf Eichmann não era tão monstro como todos o consideravam, por ocasião de seu julgamento.
Ao considerar que nem todos os que praticaram os crimes de guerra eram monstros, e que alguns judeus participaram da matança dos seus iguais, Hannah Arendt foi “bombardeada” por críticas até de pessoas mais próximas. Alguns a consideraram fria, inflexível e arrogante.
Em carta endereçada a Gershom Scholem, Hannah Arendt afirma (TEIXEIRA, 2013, p. 102)[1]: “O pensamento tenta atingir a profundidade, tocar nas raízes, e, no momento em que se ocupa do mal, se frustra porque não encontra nada”.
Uma das principais discussões de Hannah Arendt, que surge de modo recorrente ao longo de sua obra, diz respeito à sua concepção sobre “o mal” – desta feita, o mal que vai ao seu extremo por meio do totalitarismo que teria nos campos de concentração nazista, disseminados por Adolf Hitler, sua manifestação por excelência. O mal, conforme nos apresenta Hannah Arendt, já perpassara o absurdo em decorrência dos conflitos envolvendo, por exemplo, a Alemanha e seus ideais nazistas. Pensar os atos dos envolvidos nos campos de concentração numa perspectiva do mal, portanto, suscitaria repensar a própria ideia de mal. Desse modo, ao assumir, submetidos a imposições burocráticas, a condição de executores de judeus nos campos de extermínio, estes estariam cumprindo ordens que estariam além de suas capacidades de pensar sobre a ação que executavam.
Com isso, Hannah Arendt concebe a ideia de “banalização do mal” que consistiria na ideia de que o indivíduo não concebe mais pensamentos por si mesmo, antes este estaria vinculado a uma lógica que o forçaria a submeter-se e o tornaria incapaz de conceber um pensamento que problematizasse aquilo a que, burocraticamente, estaria forçado a fazer.   
          Em Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal, Hannah Arendt discorre com mais precisão sobre o que ela denomina “banalização do mal”. Sua tese é a de que Eichmann, frente ao absurdo proveniente do nazismo, seria “a personificação” dessa banalidade. Ele, nesta perspectiva, não passaria de um funcionário público impelido a cumprir, inopinadamente, seu dever.
Em suma, a racionalidade e o cientificismo, para Hannah Arendt, se constituem como condição sine qua non para que cerca de seis milhões de judeus fossem mortos. A tecnologia empregada para fins de extermínio mostrou-se uma ação tão cínica quanto eficiente, tão malevolente quanto burocratizada e, em decorrência disso, vários funcionários públicos, obrigados a cumprir o que era determinado pelo cargo que exerciam, tornaram-se produto do nazismo. A estes era dada uma ordem e eles eram, segundo Hannah Arendt, obrigados a cumpri-la por serem impossibilitados de pensar sobre seus atos.
Além das atuações vigorosas, essa obra cinematográfica acerta quanto à discussão de temas complexos que dá à obra a tensão necessária para que o expectador se aproxime das ideias dessa personalidade feminina complexa. O filme retoma fatos importantes da vida de Hannah Arendt por meio de flashbacks, apresenta diálogos criativos e bem delineados. São merecedores de elogio, também, a direção e a edição do filme. Trata-se de um filme que merece ser visto e que, além de instigar o expectador a conhecer as ideias dessa filósofa-professora-repórter, também suscita uma reflexão sobre a capacidade que o indivíduo deveria trazer em si de pensar.
Hannah Arendt nasceu em 14 de outubro de 1906, na Alemanha, e faleceu em 04 de dezembro de 1974, nos Estados Unidos. Dentre suas principais obras podemos destacar: As origens do totalitarismo (1951), A condição humana (1958), Sobre a revolução (1963) e Eichmann em Jerusalém (1963). E a diretora alemã Margarethe von Trotta, além de dirigir Hannah Arendt: ideias que chocaram o mundo, dirigiu também: Os anos de chumbo (1981), Rosa de Luxemburgo (1986), Felix (1987) e A promessa (1995).                                                      

Cícero Émerson do Nascimento Cardoso




[1] TEIXEIRA, Jerônimo. A radicalidade da inteligência. In: Revista Veja,  São Paulo, jul. de 2013, p. 100 – 102. 

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