quinta-feira, 28 de maio de 2015

LEITURA: "ROMANCE XIV OU DA CHICA DA SILVA", DE CECÍLIA MEIRELES


(Cecília Meireles)

(Isso foi lá para os lados
do Tejuco, onde os diamantes
transbordavam do cascalho.)

Que andor se atavia
naquela varanda?
É a Chica da Silva:
A Chica-que-manda!

Cara cor da noite,
olhos de cor de estrela.
Vem gente de longe
para conhecê-la.

(Por baixo da cabeleira,
tinha a cabeça raspada
e até dizem que era feia.)

Vestida de tisso,
de raso e de holanda,
– é a Chica da Silva:
A Chica-que-manda!

Escravas, mordomos,
seguem, como rio,
a dona do dono
do Serro do Frio.

(Doze negras em redor
– como as horas, nos relógios.
Ela, no meio, era o sol!)

Um rio que, altiva,
dirige e comanda
a Chica da Silva:
a Chica-que-manda.

Esplendem as pedras
por todos os lados:
são flechas em selvas
de leões marchetados.

(Diamantes eram, sem jaça,
por mais que muitos quisessem
dizer que eram pedras falsas.)

Mil luzeiros chispam,
à flexão mais branda
da Chica da Silva
da Chica-que-manda!

E curvam-se, humildes,
fidalgos farfantes,
à luz dessa incrível
festa de diamantes.

(Olhava para os reinóis
e chamava-os “marotinhos”!
Quem viu desprezo maior?)

Gira a noite, gira,
dourada ciranda
da Chica da Silva,
da Chica-que-manda.

E em tanque de assombro
veleja o navio
da dona do dono
do Serro do Frio.

(Dez homens o tripulavam,
para que a negra entendesse
como andam barcos nas águas.)

Aonde o leva a brisa
sobre a vela panda?
– À Chica da Silva:
à Chica-que-manda.

À vênus que afaga,
soberba e risonha,
as luzentes vagas
de Jequitinhonha.

(À Rainha de Sabá,
num vinhedo de diamantes
poder-se-ia comparar.)

Nem Santa Ifigênia,
toda em festa acesa,
brilha mais que a negra
na sua riqueza.

Contemplai, branquinhas,
na sua varanda,
a Chica da Silva,
a Chica-que-manda!

(Coisa igual nunca se viu.
Dom João Quinto, rei famoso,
não teve mulher assim!)


MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. Porto Alegre: LP&M, 2013.

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