segunda-feira, 14 de março de 2016

"ROMANCE LXXX OU DO ENTERRO DE BÁRBARA ELIODORA", DE CECÍLIA MEIRELES



Nove padres vão rezando
– e com que tristeza rezam! –
atrás de um pequeno vulto,
mirrado corpo, que levam
pela nave, além das grades
e ao pé do altar-mor enterram.

Dona Bárbara Eliodora,
tão altiva e tão cantada,
que foi Bueno e foi Silveira,
dama de tão alta casta
que em toda terra das Minas
a ninguém se comparara,

lá vai para a fria campa,
já sem nome, voz nem peso,
entre palavras latinas,
velas brancas, panos negros,
– lá vai para as longas praias
Do sobre-humano degredo.

Nove padres vão rezando...
(Dizei-me se ainda é preciso!...
Fundos calabouços frios
devoraram-lhe o marido.
Quatro punhais teve n’alma,
na sorte de cada filho.

E, conforme a cor da lua,
viram-na, exaltada e brava,
falar às paredes mudas
da casa desesperada,
invocar Reis e Rainhas,
clamar às pedras de Ambaca.)

Ela era a Estrela do Norte,
ela era Bárbara, a bela...
(Secava-lhe a tosse o peito,
queimava-lhe a febre a testa.)
Agora, deitam-na, exausta,
num simples colchão de terra.

Nove padres vão rezando
sobre seu pálido corpo.
E os vultos já se retiram,
e a pedra cobre-lhe o sono,
e os missais já estão fechados
e as velas secam seu choro.

Dona Bárbara Eliodora
toma vida noutros mundos.
Grita a amigos e parentes,
quer saber de seus defuntos:
ronda igrejas e presídios,
fala aos santos mais obscuros.

Transparente de água e lua,
velha poeira em sonho de asa,
Dona Bárbara Eliodora
move seu débil fantasma
entre o túmulo e a memória:
mariposa na vidraça.

Nove padres já rezaram.
Já vão longe, os nove padres.
Uma porta vai rodando,
vão rodando grossas chaves.
Fica o silêncio pensando,
nessa pedra, além das grades.

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