quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

RESENHA: "O FILHO DE SAUL", DE LÁSZLÓ NEMES




Sófocles legou ao Ocidente, com a personagem Antígona, que tenta sepultar seu irmão Polinice independentemente da oposição de Creonte, um dos maiores modelos de abnegação, persistência e devoção fraterna de todos os tempos.
Enquanto na tragédia grega Antígona defende seu ethos familiar, e paga um alto preço por isto, no filme O Filho de Saul (2015), longa de estreia do diretor húngaro László Nemes, deparamo-nos com um pai que tenta, a todo custo, preparar o corpo do filho para o sepultamento.
Este filme apresenta uma abordagem inovadora para a temática do holocausto – tema muito explorado, mas inesgotável em suas possibilidades de análise e reflexão sobre a condição humana. László Nemes posiciona a câmera na maior parte do tempo às costas de Saul – interpretado pelo ator húngaro Géza Röhrig – e, através deste mecanismo, leva-nos a enxergar as cenas contundentes do campo de concentração sob o ângulo de visão do protagonista. Saul, que realiza a função de limpar câmaras de gás no campo de concentração em que está confinado, tem uma meta: ao encontrar o corpo do filho entre os de outros judeus decide dar um sepultamento digno a ele.
Para cumprir sua meta, inúmeros empecilhos se impõem em sua trajetória. Jogos de poder, nos bastidores do campo de concentração, tornam sua meta uma árdua batalha contra suas próprias limitações e contra o sistema totalitário que o torna vulnerável, mas que não o impele a arrefecer em sua missão autoimposta.
            Assistir a este filme vencedor do Grande Prêmio do Festival de Cannes, do Globo de Ouro e do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, foi uma experiência enriquecedora. Do ponto de vista estético, o filme excede em lirismo, beleza e acuidade técnica. Do ponto de vista temático, deparamo-nos com temas como a impotência humana, a perda diante da morte, a persistência resultante de uma meta que o indivíduo assume para si. Consideramos que o tema desse filme é, por excelência, a barbárie humana e o que dela resulta: a coisificação do homem, o poder e sua tendência destruidora e, sobretudo, a morte e suas consequências nefastas para quem tem que lidar com o luto.
            Ao tentar sepultar o filho, Saul nos aproxima de um cenário absurdo – o campo de concentração é a barbárie humana em sua forma concreta, tangível e avassaladora. Somos levados, através do olhar dessa personagem silenciosa, a percorrer sendas infernais que nos conduzem para sensações de sufocamento e impotência. O olhar de Saul, no entanto, grita como na tragédia grita Antígona diante da tirania de Creonte, rei de Tebas: “Deixa-me, deixa que minha loucura se afunde em horrores. Não padecerei, com certeza, nada que não seja morrer gloriosamente”.


CARDOSO, Cícero Émerson do Nascimento. Resenha: “O Filho de Saul”, de László Nemes. Sétima Revista de Cinema, n. 39, p. 17 – 18, jan. 2017.  

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