segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

RESENHA DO ENSAIO: "A CONSAGRAÇÃO DA IMPERTINÊNCIA (MACHADO DE ASSIS, BORGES, GUIMARÃES ROSA E A TEORIA DO CONTO)", DO LIVRO "MACHADO DE ASSIS DESCE AOS INFERNOS"



GOUVEIA, Arturo. A consagração da impertinência (Machado de Assis, Borges, Guimarães Rosa e a teoria do conto). In: GOUVEIA, Arturo e SEVERO, Sulenita (Org.). Machado de Assis desce aos infernos. 2. ed. Coleção Ambiente 4. João Pessoa: Ideia, 2011. p. 11 - 80.


Resultante de pesquisas realizadas no Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade Federal da Paraíba, a obra "Machado de Assis desce aos infernos" reúne ensaios que se remetem à contística deste que é considerado um dos maiores expoentes da Literatura Brasileira. Dentre os ensaios que compõem esta obra, tratarei, brevemente, sobre o primeiro deles: "A consagração da impertinência (Machado de Assis, Borges, Guimarães Rosa e a teoria do conto)", do Prof. Dr. Arturo Gouveia.
Neste texto, o ensaísta discorre sobre o fato de que alguns estudiosos, ao tentar teorizar o conto, restringem-se a construir concepções por vezes generalizantes e inadequadas sobre o assunto. Com as variantes que o gênero comporta, determinar as diretrizes que devem nortear a análise do conto pode se caracterizar como um problema. 
Inicialmente, o ensaísta apresenta as incursões teóricas sobre o conto apontadas por Julio Cortázar. Para Cortázar – que sequer concebe seu texto como teoria, uma vez que seu texto trata-se de uma conferência proferida em Cuba com acentuado teor político – sua discussão sobre o tema caracteriza-se apenas como uma tentativa de apontar os aspectos mais recorrentes do gênero conto, e centra-se, nesta perspectiva, muito mais numa abordagem que critica o (p. 14) "realismo ingênuo e de compreensão imediata, instrumentalizado pela revolução".
Após apontar incongruências no discurso de Cortázar, sobretudo no que concerne ao perceptível lirismo com que este trata o tema, o ensaísta afirma que as inferências deste escritor, assim como as de Edgar Allan Poe, "chegaram a constituir escola" e pouco, ou o que é pior, "nada de substancial" acrescentaram à teoria literária.
O autor do ensaio ataca, também, a visão de Anderson Imbert que parte do existencialismo para estipular as concepções que, do ponto de vista deste estudioso, seriam imprescindíveis para a compreensão do conto. Essas concepções seriam "inconvincentes", além de coadunarem com as já repetidas pelos demais teóricos.
As concepções de Massaud Moisés são também discutidas pelo ensaísta que admite considerar válidas algumas delas. Este teórico teria, ao referir-se à estrutura do conto a partir de unidades, utilizado apenas exemplos cabíveis às suas explanações, mas teria deixado de lado outros exemplos que contrariariam suas ideias. Uma das falhas cometidas por esse teórico, segundo o autor deste ensaio, diz respeito ao fato de que sua visão se adéqua à tendência tão comum de alguns teóricos que costumam universalizar "deduções particulares" criando "dogmas" que pouco podem contribuir para a ampliação do conhecimento científico.
Ao longo da discussão, são explanados conceitos como: significação, intensidade e tensão. O autor do ensaio tece críticas a Cortázar desta feita por ele discutir estes conceitos de modo "superficial e insuficiente". Em seguida, o ensaísta elabora uma explanação sobre contos que seriam denominados "atípicos", ou seja, contos que transgridem ao aspecto tradicional das (p. 45) "unidades de tempo, espaço, ação e tom." Neste caso, ele aponta as ideias propostas por Massaud Moisés que enfatiza as unidades em suas incursões sobre a estrutura do gênero.
Contos de autores como Jorge Luís Borges, João Guimarães Rosa e Machado de Assis são utilizados pelo ensaísta como exemplos profícuos na tentativa de refutar os paradigmas estipulados por esses teóricos muitas vezes equivocados em suas afirmações. Inúmeras dessas concepções perderiam a utilidade se fossem utilizadas para analisar, conforme muito bem aponta o ensaísta, para ficarmos apenas com um exemplo, textos cuja narrativa se estabeleceria por meio do fluxo de consciência.
O autor conclui seu texto afirmando que (p. 80) "ou a teoria do conto parte para uma maior operacionalidade de seus princípios, o que requer revisão categórica de suas concepções fechadas, ou corre o risco de tornar-se obsoleta e improdutiva."
O Prof. Dr. Arturo Gouveia realizou, portanto, um trabalho imprescindível para quem pretende compreender como têm se estabelecido na atualidade as tentativas de teorização do conto. Ao longo de suas sessenta e nove páginas, este ensaio traça uma valiosa contribuição sobre o gênero com uma linguagem objetiva, uma acuidade analítica incontestável e uma coerente, e substancial, discussão teórica que poderá redimensionar as discussões sobre o gênero no país.
Arturo Gouveia é Doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP, Professor Adjunto da Universidade Federal da Paraíba, poeta, romancista e ensaísta. Escreveu, dentre outras obras, "O Evangelho segundo Lúcifer" e "Santíssimas Trevas".


Texto de: Émerson Cardoso

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