domingo, 6 de abril de 2014

FOLHETO: "A ARTESÃ DO CHAPÉU OU (PEQUENA BIOGRAFIA DE DONA MARIA RAQUEL)"


Em um dia 15 de abril
Na cidade de Barbalha
O mundo as portas abriu
Numa casinha de palha
Lá nasceu Maria Raquel
Que faria muito chapéu
Na “terra que mais trabalha”

Dezessete o ano era
(Ainda nos novecentos)
Maria Raquel só quisera
Fugir dos vis sofrimentos 
E aqui conto sua história
Para ficar na memória 
E não se perder no tempo

Nasceu no “Santa Tereza”
Sítio barbalhense e bom
Mas a terra da riqueza
Propagada em alto som
Era o santo Juazeiro
D’um povo simples e ordeiro
De fé e paz tinha o dom

A menina se mudou
Com a família todinha
Tudo para traz deixou
Até sua boa casinha
E chegando em Juazeiro
A família foi ligeiro
Fazer uma visitinha:

Na Rua do “pai” São José
Morava o padre mais santo
Padim Ciço rico em fé
Uma alma boa, de encantos
Ele deu consentimento
À família foi dizendo:
“Procurem logo bom canto!”

A família andou e andou
Chegou num certo lugar
O pai boa terra encontrou
E juntos foram morar
A meninada crescia
Como a cidade luzia
Todo mundo a trabalhar

Maria era inteligente
Mas não podia estudar
A necessidade urgente
Do pobre, de trabalhar,
Levava Maria Raquel
A pedir a Deus do céu
Para uma arte encontrar

Talvez tenha sido assim
Que a meninota Raquel
Encontrou a arte enfim
 De fazer belos chapéus
Com palha de carnaúba
Trazidas das “Timbaúbas”
Fazer trança era seu céu

A menina então fazia
Após a palha cortada
Sempre com toda maestria
Tranças muito ordenadas
Numa “forma” costurava
A trança que enfim formava
Chapéu de palha alinhada

Maria Raquel cresceu forte
Fazendo trança e chapéu
Tristezas de toda sorte
A vida abriu como um véu 
Mas buscou sobreviver
Sem nada em vida temer
Pedindo forças a Deus

Na seca de trinta e dois
O pai foi buscar serviço
Em outros caminhos, pois
O tempo era mortiço
A mãe ficou com Maria
E um menor que morria
De lábio branco e castiço

Maria Raquel decidiu
Com Padim Ciço falar
Só em chegar já sentiu
Uma paz lhe atravessar
Passou pela multidão
Entrando no casarão
E assim pôde então falar:

“Venho pedir ao Sinhô
Pra mode minha mãe ir
E peço, por seu favor,
Pra nois ir pro Buriti
A fome devora tudo
Meu irmãozinho tá mudo
De comida a nois pedir...”

Depois de três tentativas
O Padim Ciço a olhou
Perguntou com voz ativa,
Olhar pacificador:
“Quer que sua mãe morra, quer?
Não tem fome quem tem fé!
Faça uma prece co’ardor...”

Chamou Beata Mocinha
Pediu uns tões e vinténs
Entregou-os às mãozinhas
No meio de tantos alguéns
Maria ficou tão contente
Que esqueceu, de repente,
Que a vida tem seus poréns

Mais de três meses foi lá
Em busca dos bons auxílios
Que o santo disse que ia dar
Para os seus sofridos filhos
A seca passou e a vida
Ficou menos dolorida
“O trem voltou pros seus trilhos”

Sempre foi muito teimosa
Desde sempre corpulenta
Tinha alma amistosa
Mas também era briguenta
Numa briga com o irmão
Deixou parede no chão
Foi uma briga violenta

E Maria Raquel cresceu
Tentando sobreviver
Trabalhou, lutou, perdeu
Era agora uma mulher
Sempre bondosa, mas forte
Lidou até com a morte,
De sua mãe, sempre de pé

Os filhos para cuidar
Fugir da fome severa
Muito ter que trabalhar
Virou mulher tão austera
Nunca foi fácil sua vida
Mas sempre enfrentou sua lida
Ser feliz era quimera?

 Mas um dia sorriu faceira
Quando um nobre cavalheiro
Avistou-a tão trigueira
De braços fortes, ligeiros,
Erguendo um balde de água  
Com força de quem traz mágoas
No corpo, olhos, cabelos

Nas “Timbaúbas” morava
O cavalheiro bonito
De olhar que mais azulava
Tocava o azul do infinito
Por Maria Raquel brilhou
Ele então a conquistou
O amor não era só mito!

Maria Raquel foi parteira,
Foi artesã, mãe, avó
Foi mulher trabalhadeira 
Chegou a ser bisavó
 Dia de São Pedro fazia
Renovação co’alegria
Era uma festa só!

Maria Raquel devolveu   
Com oitenta e tantos anos
A vida que Deus lhe deu
E foi morar n’outro plano
Quem sabe foi fazer chapéu
Para os santos lá do céu
Com seus dedos tão humanos!


Cícero Émerson do Nascimento Cardoso
29.11.11

Um comentário:

  1. Sempre me emociono com esse texto. Obrigada por escrever sobre nossa mãezinha e me fazer lembrar o que a memória não deixa!

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