quinta-feira, 7 de agosto de 2014

CRÔNICA: MINHAS LEMBRANÇAS SOBRE A MORTE DE LUIZ GONZAGA


Acontece que, embora o país em que eu nasci tenha tanto a lamentar em termos de produções musicais nestes últimos tempos, houve, há e haverá Luiz Gonzaga.
            Quando Luiz Gonzaga faleceu, em agosto de 1989, eu tinha entre cinco e seis anos e passava, com minha mãe e minha irmã, uma temporada na casa de um tio materno que se localizava no sopé da Chapada do Araripe – num sítio próximo ao Distrito de Santa Fé localizado entre Crato – CE e Exu – PE. O corpo do rei do baião iria de avião para Juazeiro do Norte – CE (minha cidade natal) e seguiria num cortejo para a cidade de Exu – PE, cidade em que este seria sepultado (nesta cidade Luiz Gonzaga nascera em 13 de dezembro de 1912).
            Recordo-me que, embora sem energia elétrica, na casa do meu tio havia um rádio que, sob efeito de pilhas, cantava e dava notícias – provavelmente foi assim que o povo do sítio ficou sabendo que o cortejo fúnebre, que trasladava o corpo de Luiz Gonzaga pela estrada que chamávamos de Guaribas, tão perto deles passaria – a uns três quilômetros, ou mais. Uma comitiva formou-se para presenciar o cortejo.
            Uma das mais antigas lembranças que guardo em mim, a respeito da figura grandiosa de Luiz Gonzaga, está vinculada a esse meu tio, que vivia de cantarolar músicas de Luiz Gonzaga, ensinando à minha irmã, que na época tinha de três a quatro anos, e uma terrível dificuldade de falar, a canção “Xote Ecológico”. A lembrança em mim é tão nítida que assusta. Na cena, vejo minha irmã, de curtos cabelos, cantarolando com dificuldade a canção, e todo mundo rindo da forma engraçada com que ela cantava, sob regência de meu tio.
            Não sei por que não fui ver o cortejo, mas lembro-me de que foi uma festa a ida para ver o cantador que tanto fez pelo Nordeste brasileiro em seu passeio último. Os que foram devem ter se emocionado muito ao ver a comitiva nefasta cortar a serra com o féretro do nosso representante maior.
            Luiz Gonzaga também era muito cantarolado por minha bisavó materna. Esta, que era artesã de palha de carnaúba, fazia trança de chapéu escutando rádio – a Rádio Progresso de Juazeiro, para ser mais preciso. Quantas vezes, durante toda a minha infância, a ouvi cantar uma ou outra toada que Luiz Gonzaga imortalizou. Esta minha bisavó, que era negra, tinha o rosto que muito lembrava o rosto do próprio Mestre Lua...
            Quando morei, já adolescente, com minha avó paterna, escutávamos todo domingo o programa Canta Gonzagão – ela, que sempre fora vaidosa e faceira, cantava e dançava olhando-se no espelho da sala de jantar. É difícil trazer certas cenas à tona sem morrer da pior morte!
            Nunca pude escutar a toada “A triste partida”, poema de Patativa do Assaré musicado brilhantemente por Luiz Gonzaga, sem debulhar-me em comoções. Não sei exatamente explicar, mas jamais li ou escutei esta obra sem fixar meus olhos num tempo e num espaço que sequer vivi, mas que me dói como se lá eu estivesse.
            Trabalhei por três anos numa empresa em que todo mês eu precisava viajar para uma cidade nordestina diferente – eu ministrava cursos em áreas vinculadas à comunicação e relações humanas. Eu dormia desenganadamente, certa vez, vindo da cidade de Bodocó – PE. De repente, acordei com a voz pungente de Luiz Gonzaga a gemer no refrão de “A triste partida” – fiquei perplexo, porque acordei exatamente na hora em que eu passava, já em Exu, pela casa (hoje museu) de Luiz Gonzaga. Escutei a canção em frisson incomum. E não pude me conter ao escutar o trecho: “De pena e saudade / Papai sei que morro / Meu pobre cachorro / Quem dá de comer? / Já outro pergunta / Mãezinha, e meu gato / Com fome e sem trato / Mimi vai morrer / E a linda pequena / Tremendo de medo / Mamãe meus brinquedos / Meu pé de fulô / Meu pé de roseira / Coitado ele seca / E a minha boneca / Também lá ficou”...
            Recentemente, foi realizado um filme em comemoração ao centenário de nascimento de Luiz Gonzaga – também foi apresentado em emissora aberta de televisão. Nem de longe a produção conseguiu captar a essência desse nosso cantor maior, mas ao menos serviu para que ênfase fosse dada ao aniversariante ilustre: Luiz Gonzaga nascera há cem anos e nós não poderíamos esquecer-nos de tão valorativo acontecimento.

              Se um dia o país em que vivo tiver que renegar seus grandes artistas, eu lamentaria muito porque sei que muitos artistas vivos e mortos não mereceriam tal condição, mas eu talvez, dependendo da circunstância, o perdoasse. Mas um há que eu não admitiria ser, em hipótese alguma, renegado: Luiz Gonzaga. Dele esta nação não pode abrir mão jamais! 

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