domingo, 16 de novembro de 2014

ENTREVISTA COM O POETA MANOEL DE BARROS - REVISTA CULT


O poeta Manoel de Barros faleceu, para comoção nacional, no dia 13 de novembro de 2014. Ele disse que queria ser lembrado como um “ser abençoado pela inocência” e como um poeta que “tentou mudar a feição da poesia”... A Literatura Brasileira, lamentavelmente, perdeu um grande poeta, mas ele permanecerá por meio de sua poesia que, sim, aponta para novas feições para o fazer poético e traduz um olhar singelo e, não menos inocente, sobre o mundo e suas belezas. 

Em 2010, na seção de entrevista da Revista Cult, o jornalista e mestrando em Teoria Literária da USP Wilker Sousa entrevistou, por e-mail, o poeta Manoel de Barros. Transcrevo, a seguir, na íntegra, esta entrevista.

SOUSA, Wilker. Voar fora da asa. CULT – Revista Brasileira de Cultura, n. 146, p. 22 – 24, mai. 2010.
  
CULT – A exemplo de Memórias Inventadas III (2007), Menino do Mato (2010) remonta ao tema da infância. Após muitas décadas dedicadas à poesia, suas obras mais recentes simbolizam o fechamento de um ciclo que retorna ao primitivo?

Manoel de Barros – Acho que não retorno ao primitivismo. Por antes acho que continuo primitivo, vez que meu caminho seria para encostar na semente da palavra, ou seja: o início do canto. Porque o ser humano começa a se expressar pelo canto.

CULT – Uma das marcas centrais de sua poesia é a tentativa de alcançar aquilo que está antes da palavra, ou seja, a sensibilidade primeira que desencadeia a poesia. Poderíamos então afirmar que a formação do poeta Manoel de Barros se deu fundamentalmente na infância?

Manoel – Eu fui abençoado por uma infância no mato. Não tínhamos vizinhos, não havia outras casas, outros meninos. Só nós – eu e dois irmãos. E o chão de formiga e de lagartixas. A mãe não tinha tempo de nos levar ao colo. O pai campeava. E a gente brincava de inventar brinquedos. Fui na luta para a poesia depois.

CULT – O trabalho com a linguagem em seus poemas revela a possibilidade que ela possui de alargar os horizontes do “primitivo” ou, ao contrário, é reflexo da impossibilidade de alcançar a essência poética?

Manoel – Eu sempre quis o criançamento da palavra. Eu sempre desejei o despropósito das palavras. A palavra que produzisse a melodia letral. Que sempre me parecesse a essência poética do absurdo.

CULT – Sua obra escapa a rótulos, como “poesia do Pantanal”, “poesia de folclore e costumes”, entre outros. Como definir a poesia de Manoel de Barros?

Manoel – Sabemos nós que poesia mexe com palavras e não com paisagens. Por isso não sou poeta pantaneiro, nem ecológico. Meu trabalho é verbal. Eu tenho o desejo, portanto, de mudar a feição da natureza, pelo encantamento verbal.

CULT – Ao longo de sua obra, o senhor criou diversas metáforas para designar a poesia. Qual sua favorita?

Manoel – Acho que a favorita e que algumas pessoas citam é: poesia é voar fora da asa.

CULT – O fato de não ter acumulado uma fortuna crítica o incomoda? Na sua opinião, a que se deve certa reserva da crítica com relação à sua obra?

Manoel – Já tenho respondido sobre isso. Conversei uma vez com o bibliófilo José Mindlin, que era meu grande amigo, sobre essa rejeição da crítica pela minha poesia. Mindlin me afirmara que minha poesia, por não ter rima nem métrica, seria uma evolução ou revolução na poesia. Pois que não usando métrica nem rima, uso a melodia letral ou a harmonia silábica.

CULT – Como o poeta Manoel de Barros gostaria de ser lembrado?

Manoel – Gostaria de ser lembrado como um ser abençoado pela inocência. E que tentou mudar a feição da poesia.



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