domingo, 12 de julho de 2015

CARTA / APELO AO PREFEITO DA CIDADE DE JUAZEIRO DO NORTE – CE (ou a revolta dos que não têm mais sangue para compartilhar com muriçocas)





Inicio esta carta com uma pergunta filosófica: quando está em Juazeiro do Norte, o senhor tem conseguido dormir em paz? Refiro-me não à sua administração que, como temos visto, anda – como eu posso dizer? – muito bem... Quer dizer... Não é uma coisa que se diga: ai que administração, mas...

Deixe-me que eu explique a que eu me refiro... Eu perguntava se o senhor, caro prefeito, dorme em paz sem ouvir um certo barulhinho no ouvido, ou certa picada na pele que tem, na possibilidade de um tapa, por vezes aplicado contra si mesmo, a única arma de que se dispõe para uma franca proteção?

Desculpe minha ignorância: é claro que o senhor dorme em paz, porque deve ter central de ar em casa, ou ventilador potente, ou dinheiro muito para comprar Raquete mata-mosquitos, Baygon, Raid mata-mosquitos e repelente o tanto que quiser...  

Quem não dorme em paz é a população de Juazeiro, sobretudo a população mais carente, que não pode comprar central de ar, ventilador potente ou Baygon, e outros produtos de proteção, com frequência! Aliás, até quem dispõe destes recursos não tem dormido em paz, porque as vampiras aladas não se dão por vencidas...

Bolsas de sangue, que poderiam ser doadas para o HEMOCE – instituição realizadora de trabalho louvável e sério –, têm sido carregadas pelo ar no ventre disforme desses esvoaçantes monstros noturnos a que a população denomina, com ódio veemente, “muriçoca”.

Será um problema advindo da falta de saneamento básico da cidade? Será porque o carro, apelidado popularmente como carro do fumaceiro, não tem passado há milênios? Ou será mais um elemento convocado para a perceptível tentativa de destruição da cidade? Sinceramente, não sei...

Minha cidade tem sofrido muito com isso e eu, que também me vejo no clã dos que não têm mais sangue a doar para quem toma de mim com violência, peço, amistosamente, algum auxílio.

Não sei o que tem causado a proliferação dessa praga – refiro-me às “muriçocas”, claro! – que tem destruído a cidade. Elas vivem nas sombras e comprazem-se em roubar nosso sangue como quem não tolera ver em nossas mãos o que nos pertence – lembra muito a postura de alguns políticos brasileiros...

Diante disso, eu preciso externar, em nome dos moradores da cidade em que nasci, a necessidade de que algo seja feito. Não é possível suportar essa situação como se nada estivesse a ocorrer  o sangue representa vida! Que clichê! Pergunto, ainda, ao senhor: não temos mais o direito de deixar a vida circular dentro de nós, com seu direito constitucional de ir e vir, pelas veias e artérias do nosso corpo cansado de trabalhar para fazer algo pela cidade? Já que dormir não nos é mais um direito, que ao menos nosso sangue seja preservado!

Considero a presença desses seres devastadores um problema de saúde pública e, como tal, exige-se, das autoridades competentes, alguma providência. Caso seja inviável, para o senhor, realizar saneamento básico em toda a cidade, com a urgência que o caso exige   que pretensão a minha! , sugiro, ao menos, que entre em contato com o secretário de saúde do município, com demais funcionários da área, ou com quem quer que seja, e veja se não seria possível ressuscitar o carro do fumaceiro – talvez não resolva, mas pelo menos assim ninguém dirá que o senhor não tentou reverter o quadro sanguinolento em que nos encontramos...

Ou, se possível, dê-nos uma bolsa-muriçoca, ou seja, um kit entregue diariamente no Centro Social Urbano  CSU  que contenha: Baygon, Raid mata-mosquitos, Raquete, repelente e óculos escuros para escondermos as olheiras resultantes de noites mal dormidas. Com isto, quem sabe, nós recuperemos nossa alegria de viver!

No mais, caríssimo, que seu sangue seja resguardado! Que seu ouvido jamais seja fustigado com zunidos devastadores! Que pela manhã seu rosto não seja marcado por bolinhas vermelhas que denunciam 15 litros de sangue a menos – roubados de si, corruptamente, numa única noite por essas bestas ferozes do armagedon, que nascem e renascem nos esgotos expostos da nossa cidade tão desassistida!

Creio que o senhor tomará alguma providência... Tenho esperança de que virão melhores dias para esta terra benemérita que não está a morrer à míngua, pois nela desfilam bons políticos – como o senhor, que, além de discursar muito bem, e ser um grande articulador da língua portuguesa, é dotado de visão crítica, sóbria, honesta e sensível aos valores que ela comporta, pelo que temos percebido!

Atenciosamente,

Émerson Cardoso
15/08/15

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