sábado, 9 de junho de 2018

ENTREVISTA: JOÃO PEDRO DO JUAZEIRO



ENTREVISTA

Neste mês, o artista João Pedro do Juazeiro comemora mais um aniversário. Ele me concedeu, gentilmente, uma entrevista que será publicada em seu livro de memórias, mas que eu compartilho, agora, sentindo-me honrado por ter tido contato com este grande artista popular considerado, por muitos, um dos maiores artistas da xilogravura que o Brasil teve o privilégio de conhecer. Elaborei 11 perguntas aludindo, com a quantidade de perguntas, ao dia 11/06, data de seu aniversário. Este artista nascido no mês das festas juninas, que estão presentes recorrentemente em seus escritos, traz no nome composto dois nomes dos santos que comemoramos: São João e São Pedro. João Pedro, que é do Juazeiro um grande representante, merece que o parabenizemos por seu trabalho e sua sensibilidade artística. Muito ainda temos a aprender com ele, portanto que sua vida seja longa e próspera, pois é de pessoas com sua grandeza de alma que o mundo precisa! Vamos conferir, na sequência, o que ele diz sobre seu trabalho, família e sobre a vida.

1 – Você é conhecido artisticamente como João Pedro do Juazeiro. Mas quem é, de fato, João Pedro do Juazeiro? O que você poderia dizer sobre si mesmo?

JP – João Pedro do Juazeiro ainda é indescritível, é um ser pensante com uma vasta pluralidade em arte e cultura sem “ilimitações”. Digamos que ainda não me encontrei, não fiz o bastante, tenho um universo a ser explorado, preciso ultrapassar meus próprios limites, os quais desconheço. E são essas “ilimitações” surpreendentes que podem me ajudar a compor uma descrição de mim. É como sempre digo: faço o que gosto sem saber o que faço, porque, quando a inspiração chega, tudo é possível.

2 – O historiador Renato Casimiro, no catálogo[1] de apresentação da exposição e oficina realizadas por você em 2006, pelo CCBNB, disse que: “Na história de João Pedro, primeiro veio o cordelista gravitando em torno da Lira Nordestina, já nos anos 90, familiarizando-se com os poetas e os xilógrafos de sua geração. A xilogravura, na verdade, veio depois, pois ele mesmo queria produzir as ilustrações de capas de seus versos, como dizia, para não pedir a ninguém”. A xilogravura é sua arte por excelência? O que a Lira Nordestina tem a ver com a entrada da xilogravura em sua vida?

JP – Sim, a xilogravura é minha arte por excelência, é tudo em minha vida – vida que foi e é dedicada a ela! Não sei fazer nada que não seja xilogravura, que não seja dela ou com a reprodução dela.
A Lira Nordestina passei a frequentar no início da década de 1980, acho que em 1982, quando publiquei meu primeiro cordel: “O Desejo De Um Matuto”. Ela estava instalada numa escola que ficava no ferro de engomar, assim chamávamos o encontro das duas ruas São Luiz com Santa Luzia. Depois, ela foi para um colégio na Av. Castelo Branco, em frente à Praça do Mateus, no bairro Romeirão, onde editei o meu segundo cordel: “Lamentos d´um Menor Abandonado”.
Quando ela foi para a estação ferroviária, no bairro Franciscanos, editei vários cordéis lá e minha relação com os tipógrafos da Lira já era familiar. Na estação, se instalaram: a Lira Nordestina, o Conselho Tutelar e a AMAR (Associação dos Artistas e Amigos da Arte).
Houve algo muito importante para mim no ano de 1998. Foi uma tarde desconfortável e humilhante. O que aconteceu tem a ver com uma grande amiga a quem agradeço pelo incentivo, porque, quando eu vendia meu trabalho como cordelista, nas escolas de Juazeiro do Norte, pelo preço de Cr$ 1,00 (um cruzeiro), esta amiga disse-me, francamente, que eu vivia esmolando nos colégios e que arte era o que ela fazia. Para ela, a arte mesmo era a xilogravura que ela vendia por valores altíssimos e com direito a exposições em galerias, jornais escritos, televisivos e radiofônicos. Lembro que eram suas primeiras matrizes, ela estava iniciando na arte de gravar. Quanto mais ela confabulava, mais eu sucumbia chão adentro. Ela disse coisas humilhantes e degradantes para mim. Ouvir um ser humano falar tantas palavras diminutivas sobre si e seu trabalho não foi fácil. Ao findar todo “incentivo” humilhante, de súbito, nos cinco passos que dei da AMAR para a Lira, decidi fazer xilogravura. Foi uma decisão de última hora.
Chegando na Lira, falei para o pessoal que lá trabalhava. Quero madeira, afirmando: “Eu vou fazer xilogravura”. Eles riram de mim, pois imaginaram ser brincadeira. Respondi-lhes: “Não, eu falo sério! Vou fazer xilogravura”. Eles disseram: “Você não sabe”. E eu respondi: “Se vocês fazem, também farei!” Até hoje fico pensando em minha atitude decidida e minhas afirmações... Não eram afirmações do João Pedro consciente, mas de um João decididamente capacitado a fazer algo que o consciente não sabia o que era.
Eles me forneceram três pequeninos tacos de madeira, passei a noite riscando, sem dormir e, na manhã seguinte, às 06h, eu estava na estação aguardando Airton (o Gordinho) abrir a gráfica para imprimir minhas primeiras gravuras. Desse dia em diante, não parei e nunca mais dormi uma noite por completo gravando noite adentro.
A Lira Nordestina foi acolhedora, incentivadora, patrocinadora e a estrada que me levou ao mundo!

3 – No início de seu trabalho, você produziu um álbum em que xilograva personalidades como: Frei Damião, Antônio Conselheiro, Padre Cícero, Rachel de Queiroz, dentre outros. Este álbum é uma obra-prima! Uma das gravuras, inclusive, foi premiada. Este álbum é o seu preferido? E o que este prêmio representou para seu trabalho?

JP – No final de 1998, tinha que viajar para vendas de artefatos de alumínio que era meu trabalho na época. Eu viajava pelo interior nordestino e, antes de viajar, fui até a Lira para arranjar madeira. Eles negaram alegando não ter mais, pois estavam certos de que eu estava acabando com toda umburana por estar todos os dias gravando. Por este motivo, eles me apelidaram de “Pica-Pau”. Catei uns pedaços de umburana que estavam no chão da gráfica e encontrei, no pé da calçada, um pedaço de madeira medindo 30x10 cm, que tinha muitas falhas. Peguei assim mesmo. Fui para casa e, no outro dia, viajei a trabalho, levando na mala os pedaços de madeira. Paramos na cidade de Brejão – PE, onde ficamos arranchados numa casa. Todos os dias saíamos para trabalhar nos sítios e cidades vizinhas. Um certo dia, amanheceu chovendo muito, o nevoeiro fechava as estradas. Não havia possibilidade de trabalhar nesse dia, resolvemos ficar no local de rancharia. Foi quando peguei os tacos de madeira e fui lixar. Pensei em dividir o taco maior em três partes e desisti. Já estando pronta para desenhar, eu resolvi fazer um Frei Damião.
Quando cheguei em Juazeiro e mostrei a xilogravura aos amigos todos ficaram abismados sobre como poderia um iniciante fazer uma gravura tão magnífica. Ali, todos unidos, surgiram opiniões: “Por que não faz um álbum? Os heróis do Nordeste, os santos nordestinos e etc.” Zé Lourenço disse: “Vamos esperar Gilmar chegar. Quando o Professor Gilmar chegou, que lhe mostrei, ele ficou maravilhado e disse logo: “Vamos fazer o álbum Mitos do Nordeste”! Ele me passou uma relação de temas e dei início à concepção da coleção – era final de ano. No mês de março de 1999, a gravura do Beato Zé Lourenço foi destaque no Jornal Diário do Nordeste. Depois, enviei o Frei Damião e Padim Ciço para o Prêmio do IBEU-CE, em Fortaleza, ocasião em que ganhei o primeiro lugar com a xilogravura de Frei Damião e destaque para a do Padim Ciço. O evento ocorreu no Salão Norman Rockwel do Desenho e da Gravura, em maio de 1999.
O prêmio me alegrou pelo título e pela parte em dinheiro, que supriria a família. Quando fui receber, fui também para minha primeira exposição individual no IPHAN-CE (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico), em Fortaleza. Também realizei um workshop no centro de Comunicação Social da UFC (Universidade Federal do Ceará). Foi tudo tão de repente que não me dei conta, comportava-me meio alheio a tudo, como se fosse normal. Acho que isso aconteceu por minha simplicidade, por não me vangloriar, nem me autovalorizar com o que acontece na vida. Tudo é dado por Deus e devemos agradecer e nos comportarmos sem nos diferenciarmos dos outros.
Quanto ao prêmio, isto despertou ciumeiras e até reivindicações dos colegas inconformados com o prêmio de primeiro lugar ter sido dado a um iniciante, enquanto havia gravadores com mais de vinte anos no exercício. Houve um gravador, inclusive, que telefonou de Juazeiro para Fortaleza reclamando ao diretor do IBEU-CE, dizendo que eu não era capacitado e merecedor do prêmio. O diretor afirmou: “Quem é você para subjugar a qualidade do trabalho do artista premiado, da curadoria formada por especialistas doutorados, renomados e famosos, e curadores conhecidos no Brasil inteiro?”
Mediante esses fatos e as perseguições, opressões e preconceitos que sofri, me dei conta do peso desse prêmio, que abriu as portas do mundo para mim. O conselho de uma grande amiga, chamada Zizi, fortaleceu-me muito. Lembro bem quando ela disse: “João, este ano de 1999 é seu! Você é o premiado, você é grande e você é forte! Pra estar enfrentando todos sozinho, e superando-os, é porque você é forte e é um vencedor em todos os sentidos!”
O álbum, sim, é um dos meus preferidos. Primeiro, pela sua criação dentro de um padrão que, na época, não se trabalhava em Juazeiro do Norte. O trabalho tinha um designer inovador que eu nem mesmo sei como trabalhei. Usei técnicas aplicadas as quais foram experimentos que deram certo e foram inovadores. Ele foi o carro chefe do meu início como gravador, principalmente por representar grandes homens, santos, heróis, escritores do Nordeste, da nossa História e nossos grandes.

4 – No texto citado acima, Renato Casimiro diz, ainda, a seu respeito, que: “Pode-se notar que este seu fazer artístico tem alguns elementos muito inovadores. O primeiro que merece menção é a sua versatilidade em expressar a sua criatividade em diversos materiais, passando da madeira como a imburana, a preferida dos xilógrafos, do papel artesanal, e a cerâmica”.

JP – Sim, a inovação é necessária. Com a preservação da tradição, a xilogravura é uma arte milenar, não somente no seu surgimento no antigo Egito, mas por estar há milênios adiante do imaginário criativo, revolucionário inventivo da raça humana, todas as inovações e descobertas necessitam da xilogravura, se adaptam a ela. A exemplo, temos as novas tecnologias virtuais e digitais que são possíveis de criar qualquer tipo de gravura. Mas, para se ter uma xilogravura com originalidade, só mesmo o impresso da madeira scaneado para o uso de sua imagem. Assim, em primeiro lugar, podemos ver as frestas da madeira no impresso; em segundo lugar, se ampliarmos a imagem de uma xilo, encontramos onde passou a ferramenta cortante defeitos da fibrosidade da madeira quebrada. Tais defeitos são efeitos naturais da madeira interagindo com cortes e arranhaduras.
As inovações em meu trabalho são diárias, porque estou sempre em análise constante com relação à prática da xilogravura, que está ligada à escolha da madeira, do desenho, dos cortes, dos riscos, das escavações, impressões e aplicações. O uso diversificado de materiais como: papel, couro, tecido, porcelana, cerâmica, azulejo, teflon e o que surgir – estou sempre experimentando. Eu experimento cores, técnicas das mais diversificadas e outros elementos sobre os quais não posso falar agora, só após a publicação de um livro contendo esses mistérios da xilogravura.
Assim, há uma diversidade de matéria-prima – o vegetal – e, neste caso, tenho que trabalhar todos os tipos de madeira, por ser instrutor não só no Nordeste, mas até em outros países. Tenho que repassar técnicas de concepção da matriz de acordo com o tipo de vegetal usado, por existirem madeiras maleáveis e outras mais resistentes, umas fibrosas e outras menos fibrosas. Essas diferenças implicam na concepção da matriz, no entintamento e na pressão a ser usada no momento do impresso. Isso também é necessário para o momento de repassar aos alunos quais tipos de madeira são possíveis de se trabalhar no seu ambiente, ou região, mostrando que é possível trabalhar com o que for mais acessível.

 5 – Em matéria produzida para a Cariri Revista[2], Gilmar de Carvalho, um dos maiores pesquisadores e incentivadores da cultura popular, afirma: “João Pedro se fez com muita determinação, trabalho e com a superação das deficiências do próprio desenho, o ajuste do corte e o acabamento refinado das xilogravuras”. Neste sentido, Gilmar de Carvalho aponta para os caminhos que você seguiu na evolução de sua produção artística. Você poderia tecer um comentário sobre isto?

JP – Talvez o Professor Gilmar defina bem melhor que eu, ele conhece a mim e meu trabalho mais que eu próprio. É como falei no início: tudo é muito indefinido. A cada dia descubro possibilidades inimagináveis. Estou sempre fazendo releituras de meu próprio trabalho, buscando superar a minha própria capacidade. O muito que faço é pouco para o que posso. Estou sempre me reciclando, isso porque a insatisfação, o vazio, a “ilimitação” do infinito imaginário criativo vive comigo.

5 – A propósito, Gilmar de Carvalho afirma, na mesma matéria, o seguinte: “João Pedro é do mundo. Um artista da grandeza dele ultrapassa tempos e espaços, supera limites, vai além das convenções demarcatórias de municípios, estados, países ou continentes. O mundo é pequeno para a ambição e o desvario de João Pedro”. De fato, você transita pelo cordel, xilogravura, outras modalidades poemáticas e, agora, tem escrito memórias. O que cada uma dessas linguagens representa para você?

a)      Cordel
JP – O Cordel foi onde iniciei. Quando tinha meus dezoito anos, a literatura de cordel foi meu gibi, vivi toda minha vida com ele. Desde criança, por onde passasse na ruas de Juazeiro sempre encontrava os folheteiros vendedores com os cordéis numa mala, ou espalhados numa lona, no chão, enquanto eles liam em alta voz para chamar atenção dos transeuntes. Vizinho à minha casa, morava seu José dos Santos, um senhor de idade que, pelas manhãs, estava na rua vendendo cordéis, romances, novenas, orações e etc., e à tarde, após o almoço, ele sentava numa sombra em frente à sua casa lendo cordéis para a criançada. Era um paraíso lendário de contos e encantos cheios de reis, rainhas, princesas, bandidos, heróis, cangaceiros, como: Lampião, Antônio Silvino, Jararaca, Corisco, Sabonete e outros mais. Também apareciam santos nordestinos, como Padim Ciço e Frei Damião – este que, na época, já caminhava pelo Nordeste com seus sermões. O cordel me faz usar meu imaginário criativo cheio de encantos e me aproxima do estilo dos poetas antigos que têm como marca a vivência do que é popular, como os contos, as tradições, os valores regionais e etc.

b)     Xilogravura
JP – A xilogravura é minha vida, meu prazer, minha realização de sonhos, minha maior conquista, minha filha! As xilogravuras são vidas adormecidas na madeira que eu desperto, trazendo o tempo e o espaço com suas linguagens e forças próprias. Sem a xilogravura não saberei mais viver. Com ela, tudo é possível, porque ela é a vida.

c)      Poemas
JP – Poemas são partes de mim, minha essência, fui e sou muito romântico! Tenho essa parte dentro de mim, embora o mundo hoje já não aceite mais o romântico, o carinhoso, o amoroso, o fervor ardente do amor. Poemas, poesias, sonetos e etc. estão sempre surgindo, principalmente, à noite. Noite que adoro! A lua e a mulher, pela sua beleza, candura, formosura e delicadeza. A mulher me encanta e me inspira, o lado angelical, sensível e encantador da mulher me faz poeta.

d)     Memórias
JP – Memória é um mundo que tenho dentro de mim, o qual é cândido, puro, inocente, belo, divino, educado, obediente, caridoso, sem preconceito, cheio de paz, obediência, respeito, integridade, confiança, liberdade, paz, felicidade, experiência e amor. São modos de vida que queria hoje para meus filhos e netos, viver com confiança no ser humano, viver no mundo sem medo, com segurança obediente sem necessidade de tantas leis quais só reativaram as infrações. As memórias são formas novas de literatura que eu escrevo, mas também escrevo manuais didáticos, teóricos e técnicos sobre xilogravura. E mais: crônicas e cartas, em que discuto religião e, às vezes, até tento ser filósofo. Tenho uma grande diversidade de textos. São textos que surgem durante a noite, quando estou trabalhando, entalhando, desenhando ou imprimindo gravuras. De repente, na calada da noite, surgem os textos. Paro o que estou fazendo e começo a escrever palavras que vão surgindo na minha mente, inexplicavelmente, formando palavras e textos, que eu mesmo me surpreendo pela capacidade de escrever algo que eu não pensava em elaborar, e que surgiram sem pensamento ou formalização. Esse é mais um dos motivos pelo qual digo que não posso me definir, porque não conheço a mim mesmo, faço o que gosto sem saber o que faço e, a maioria do que faço, surge por acaso, de imediato na minha mente e tenho que fazer instantaneamente. Do contrário, poderia esquecer se não aproveitar o momento fértil da inspiração. Surgem muitas palavras em mim, que emanam de uma fonte transbordante transpessoal ou astral.

6 – Um dos seus textos que mais me chamou atenção foi o texto “Célia”, que está contido em seu livro autobiográfico. Neste texto, você conta como conheceu sua esposa e como aconteceu seu casamento. Ele me fez rever a cidade de Juazeiro do Norte do final dos anos 1980 e do início de 1990. Quando você descreve as festas juninas, é inevitável que a gente não volte no tempo e relembre as cenas daquele tempo com nostalgia. Você poderia comentar sobre este texto? Célia é sua esposa num casamento que lhe rendeu três filhos e alguns netos. Você recomenda o casamento? O que sua família representa em sua vida?

JP – Sim, recomendo o casamento! Deus fez o homem e a mulher para dar continuidade à sua criação. A união do homem e da mulher para a construção da família é fundamental para os desígnios de Deus. Por exemplo, temos a união de José e Maria para o nascimento do filho de Deus. O criador não necessitava, mais assim o fez para mostrar ao mundo que até mesmo o todo poderoso, para enviar seu filho ao mundo, escolheu um homem e uma mulher. Maria é a única mãe que é filha do filho, mãe do verbo encarnado. São Paulo, em sua epístola, diz: “Se é de viver ardendo na chama do amor, é melhor que se case”. A família é sagrada nos céus e na terra.
O texto “Célia”, se pudesse, teria escrito com tinta de sangue do coração. Ela é tudo para mim, toda minha realização está com ela. É como diz o ditado: “Por traz de um grande homem, tem sempre uma grande mulher”. Não sou grande, mas tudo que conquistei agradeço a Deus e a ela. Ela é mais forte do que eu, nela vi a verdadeira força de um ser humano, a força de todas as mulheres está nela, a bravura, a doçura, a candura, a beleza, a perfeição, a sinceridade, a verdade, a sabedoria, a caridade, a maternidade e o amor puro. O que escrevi no texto sobre ela é pouco, ela é uma deusa!

7 – Mais uma vez recorrendo à matéria de Gilmar de Carvalho, já mencionada, ele comenta: “João Pedro dorme pouco, fuma feito uma caipora, toma café de garrafa e trabalha feito um condenado”. Este ritmo o fez adoecer e passar por problemas de saúde. Como foi esta experiência e como isto repercutiu em sua produção artística?

JP – A noite é uma deusa fértil inspiradora e bondosa. Na noite, eu posso tudo, posso ser artista, escritor, poeta, filósofo, orador fervoroso, conversar com Deus, captar os sonhos dos que dormem para realizar meus trabalhos e, quando eles acordarem, encontrarem o que desejavam achar. E, de certo modo, realizarem o que desejam e realizarem o meu sonho de realizar o sonho deles e me realizar através deles!
A doença foi, por amor, no coração. Com ela, eu pude encontrar com Deus que me sustenta até hoje. Sou o homem mais feliz e sortudo! Tenho quatro pontes mamárias e safenas, seis cateterismos, uma angioplastia com três stentes, uma arteriografia com um stent, uma trombose, vários começos de infartos. Vivo sustentado por medicamentos e, na falta deles, eu morreria. Só mesmo Deus para um ser vivente continuar vivo com tudo que já passei. Morri umas cinco vezes e retornei à vida. Graças a Deus, sou o homem mais feliz da vida! Só tenho a agradecer à Santíssima Trindade todos os dias e horas de vida que tenho! Obrigado, Deus, Jesus Cristo, Divino Espírito Santo! Meu Padim Çiço e a Virgem Maria!

8 – Você aborda muitos temas em suas xilogravuras. Qual deles você mais gosta?

JP – A iconografia nordestina, toda história infinda do meu sertão.

9 – Para concluir, vou entrar numa área bem subjetiva. Neste sentido, queria perguntar a você o seguinte: você é feliz? Tem algum sonho que ainda não realizou?

JP – Sim, sou feliz, porque um matuto chegar aonde cheguei! Tenho uma família exemplar, já consegui, com meu trabalho, vários prêmios, menção honrosa, realizei exposições em vários países e conheci outros. Escrevi, ainda, dezenas de cordéis e escrevi vários livros. Considerado um dos melhores professores da arte de gravar, em 2004, no jornal, fui descrito como o maior artista do Brasil. Quando fui para Portugal, fui como artista, professor e pesquisador, tanto no convite quanto na publicação no Jornal Diário do Nordeste.  O que um matuto pode querer mais? Dou graças a Deus!
            O sonho não realizado é o de não poder mudar o mundo. Enquanto isso, vou mudando a mim e buscando fazer o máximo, que é pouco para o muito que tenho a fazer. Este é meu sonho a realizar.

10 Você considera importante que as pessoas professem uma crença religiosa?

JP – Sim, as religiões foram criadas para suprir a fraqueza das pessoas. As crenças são como pedaços de uma carta, e essa carta é Deus. Mas o homem precisa crer, pois crendo ele acreditará nele mesmo e, acreditando nele, acreditará em Deus e o encontrará dentro de si.
 “As religiões não são os meios de encontrar-se com Deus. A fé em Deus é a forma de encontrar-se com Ele dentro de nós, onde Ele sempre esteve”.

11 – E, por último, devo perguntar: como você definiria a vida?

JP – A vida é o que você planta! Temos que plantar árvore que dê bons frutos para a posteridade, para lembrarem que você plantou algo benéfico, para saciar a fome: material, mental e espiritual.

Émerson Cardoso 
09/06/018









[1] CASIMIRO, Renato. João Pedro. In: Xilogravura: a arte de gravar (Catálogo das Exposições Itinerantes e Oficina de Xilogravura realizadas pelo CCBNB em Araripe, Mossoró e Juazeiro do Norte). Fortaleza – CE: 2006.
[2] CARVALHO, Gilmar. João Pedro do Juazeiro e do mundo. In: Cariri Revista, n. 07, Juazeiro do Norte, p. 49 – 52, out. 2012.  

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