terça-feira, 11 de outubro de 2016

CONTO: JANELAS ENTREABERTAS ATERRORIZAM NUVENS (ou: Jamais entendi aspirações notívagas)


Já no primeiro segundo houve o que parece estranhamento. Cor mostarda da calça, vermelho purpúreo da camisa. Alma que pairava ao lado da porta sem exigir para si presenças. O que teria sido determinante: a tristeza do olhar, ou o silêncio gravado em seu sério semblante? Talvez o gesticular discreto, ou a maneira de olhar para espaço indecifrável... Não sei ao certo.

E houve, dessa forma, um surpreso olhar, depois outro olhar de reconhecimento e, no terceiro, vê-lo tornou-se a descoberta  quem poderia supor urgência e caos? Distante alma a deslizar no mundo, ele não percebeu que se tornara o centro de observação tão ilógica quanto profunda – imagens insubmissas percorreram cômodos conflituosos.

A necessidade de descobrir espaços para aproximação, o desejo de estabelecer diálogos amistosos e, de repente, a voz silente que retumbava em si abriu portas e deixou passar da amizade o fluxo. Amizade, ó céus, amizade  porque migalha alegra a quem na escassez pranteia.

Nascedouro de imagem fixa a passear insolente, seu olhar tristonho sorriu em fragmentos e sua voz ecoou em mim como a relutar entre resguardar-se ou ser possibilidade. Eu no abismo – e cair, inicialmente, parecia não causar temores.

Janelas incertas eram os meus ressequidos olhos. Cada gesto seu deixava minhas mãos vazias – e sedentas. Nadar em piscina de escorpiões tornou-se algo atrativo. Dormir e acordar eram atos entristecidos: previsão de mal-estar desde o início até o fim.

E a vida arrastou-se entre fundos olhos e impossibilitados pés. Convites amplos e estritos foram enviados por aves que retornavam desamparadas. Inseguranças e comedimentos me instigaram a recorrer a mecanismos de racionalização.

A solidão estendeu lençol de espinho e pontiagudas pedras. Recebi convite para, com meus pés descalços, atravessá-lo. Não havia sentido, por isto a fuga. Não havia certeza, por isto a melancolia. Não havia possibilidades, por isto o distanciamento. Tudo incerto, em verdade. Tudo imprecisão. 

Noite que paira em seus olhos, obscureça minhas mãos em frêmito. Boca que reverbera silêncios, resvala em minha existência almejante. Por mais que o mundo não nos suporte, ser gratificante a quem olho com sofreguidão, eu não perderei do abismo a loucura de vê-lo espelhado em meu olhar tristonho. Murmura o vento, sussurra a vida. E nossas mãos poderiam, ó céus, reunirem-se para sempre na cumplicidade de um sentimento inquebrantável e simples.
           

30/10/2016

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