terça-feira, 5 de março de 2013

ANÁLISE DO POEMA "CAMPANÁRIO DE SÃO JOSÉ"


 Campanário de São José

Quem
Não
Tem
Seu

Bem
Que 
Não 
Vem?

Ou 
Vem
 Mas 

Em
Vão?
Quem?
 (Cassiano Ricardo)

1- Cassiano Ricardo foi um autor cuja produção poética  se caracterizou pela busca intermitente por novas formas de expressão. Sua obra apresenta desde as tendências nacionalistas próprias dos modernistas da chamada Geração de 1922 até incursões pelo Movimento da Poesia Concreta. Dentre suas principais características, podemos destacar, de acordo com as inúmeras mudanças que sua obra vivencia: nacionalismo, intimismo, observação do cotidiano, apelo visual e tipografismo.

2- Podemos iniciar nossa discussão sobre o texto acima exposto com a seguinte observação: esse texto se insere numa perceptível incursão do autor Cassiano Ricardo na chamada Poesia Concreta. No título encontramos o vocábulo "Campanário" (conjunto de sinos) que tem, na locução adjetiva "de São José", o seu complemento, e aparece na extremidade do que seria uma torre formada por vocábulos monossilábicos. Sugere-se que o campanário se encontra na parte de cima da torre de uma igreja, como na "praxis" é tão perceptível.

3- O autor, ainda no título, faz alusão ao santo do hagiológio católico São José que, segundo a religiosidade popular, assim como Santo Antônio, é um santo casamenteiro. A diferença entre Santo Antônio e São José, do ponto de vista popular, é que o primeiro dá a uma mulher, muito desesperada por casamento, qualquer homem e, o segundo, um marido perfeito - embora demore um pouco mais. Como José corresponde a uma das pessoas da Sagrada Família, homem capaz de compreender a gravidez de Maria como plano salvífico de Deus, é sempre associado à ideia de perfeição do homem, à perfeição conjugal. Notemos que os sinos da torre indicam São José como o patriarca do campanário que o autor nos apresenta.

4- Os vocábulos utilizados pelo autor apresentam recorrentemente sons nasais / m /, / n / e / ão / indicativos da melancolia e da angústia de um eu lírico (sugerimos nesta breve leitura que o eu lírico pode ser feminino tendo em vista algumas pistas presentes no texto) que, ao se indagar sobre a busca por um amor, mas um amor perfeito e instigante, termina por se fundir ao som desses sinos langorosos e insistentes por saber o quanto o amor é difícil de ser encontrado na figura de um amante perfeito. Sons causados por consoantes bilabiais / b / e fricativas / s / e / v / ampliam a sugestão de que há sinos estridentes a balançar na atmosfera lânguida que o poema coloca em destaque. 

5- Os versos monossilábicos poderiam indicar, ainda, a solidão do eu lírico. O texto lembra-nos a recorrente relação tradicionalmente estabelecida entre a mulher e o desejo de realizar o matrimônio. Embora as mudanças comportamentais da mulher sejam mais que perceptíveis, esse poema discorre sobre a visão social coercitiva e, vista por alguns como retrógrada, a que se submetia a mulher fadada a ver no casamento o único meio de se sentir plena e feliz. Devemos atentar, do ponto de vista da estrutura, para o fato de que esse poema é formado por catorze versos com dois quartetos e dois tercetos - como seria a estrutura típica de um soneto. O autor parece, com isso, querer indicar as possibilidades de inovação de que a poesia moderna dispõe. Ele escreve um soneto com catorze versos, mas cada verso é monossilábico, ou seja, o autor descaracteriza um poema de forma fixa e recria um modo inovador para a sua expressão poética.

 6- Surgem três interrogações ao longo do texto. Interrogações, obviamente, indica-nos um momento de questionamento no discurso emitido pelo eu lírico e, consequentemente, atribui ao texto um viés filosófico indicativo de uma evidente insatisfação do sujeito frente à "praxis" entediante e proporcionadora de náusea: na falta de acontecimentos mais grandiosos, o sujeito crê que pode suprir suas necessidades com outrem - cria-se, portanto, o "mito" em torno da busca intermitente de se obter a "felicidade" no outro e pelo outro.

7- O numeral três costuma surgir em contextos específicos - sobretudo vinculado à espiritualidade, ao misticismo, ao esoterismo - como indicativo da busca pela perfeição. Como ilustrações tomemos as seguintes imagens: o mistério plástico-arquitetônico das três pirâmides Quéops, Quéfren, Miquerinos; a Sagrada Família constituída por Jesus, José e Maria; os três Reis Magos que partiram do Oriente para presentear o filho de Deus nascido entre os homens; a Trindade Santa composta por Pai, Filho e Espírito Santo; as três Marias chorosas aos pés da cruz de Cristo que foi morto tendo ao seu lado direito e esquerdo ladrões que, com ele, completavam uma tríade mortuária. O numeral três também surge na indicação do autor de que o poema, ao ser lido, deve ser lido por três vezes.

8- Os versos "Quem / Não / Tem / Seu / Bem / Que / Não / Vem?" parecem questionar: quem é que, sendo humano e predisposto à vivência de relações afetivas e/ou sexuais, não busca, no outro, seu complemento? Os versos: "Ou / Vem / Mas / Em / Vão?" poderiam subentender: às vezes é possível encontrar pessoas predispostas a vivenciar um relacionamento, mas nem sempre a pessoa que é alvo dessa predisposição está preparada, ou disposta, ou interessada. O último verso retoma o questionamento apresentado no início: "Quem?" A busca pelo amor, indicado pelo pronome interrogativo, assim como o badalar eventual do sino na torre da igreja de São José, parece que irá prosseguir.

9- Se quiséssemos analisar por um viés mais psicanalítico, poderíamos dizer que o eu lírico, ao escutar os sinos tocarem, fosse capaz de sentir as pulsões sexuais, tão inerentes à condição subjetiva de um sujeito, que faz com que os sons se concretizem na imagem de uma torre e que, por sua vez, tendo os sinos em sua extremidade, fosse metaforizada na imagem "profana" do objeto fálico masculino causador, estando ausente para angústia do eu lírico, de uma sensação de incompletude, de sofrimento, de preterimento e solidão. Buscar o homem perfeito, sob intermédio de São José, é também um modo de expurgar as pulsões sexuais de que o eu lírico dispõe. Pois é...

Mas paremos por aqui!

Bem que eu poderia dizer muito mais, mas eu disse que era uma interpretação breve. Esse poema é o primeiro que eu costumo analisar com meus alunos. Copio-o no quatro, faço perguntas aos alunos sobre o que eles entendem, sobre o formato do texto, se entenderam o título... Quando eu analiso todo o poema os alunos costumam dizer que é interessante o quanto de informação o texto pode trazer. Quero lembrar, diga-se de passagem, que essa pequena leitura é uma das muitas que podemos fazer sobre o texto em pauta. A obra de arte é sempre polissêmica, ou seja, traz inúmeras possibilidades de interpretação. Um abraço a todos!!!!


TEXTO: ÉMERSON CARDOSO
05/03/13







3 comentários:

  1. Muito bom essa análise,se possível faça uma de alguma obra de Adélia Prado,me apaixonei por ela!

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  2. GisteG muito da sua análise. Estava procurando um poema curto e me lembrei do campanário. Usá-lo-ei num jogral com minhas alunas.

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