domingo, 3 de março de 2013

(DES) APOLOGIAS PARA O DOMINGO À TARDE

Fotografia 01: "Subterfúgios dominicais..."
    
TENHO A IMPRESSÃO DE QUE O DOMINGO À TARDE É AMARELO DEMAIS PARA QUE EU O SUPORTE COM BONS OLHOS... ESCREVI UMA CRÔNICA SOBRE O ASSUNTO EM 2010 E UM SONETO EM 2011 QUE AGORA QUERO COMPARTILHAR... AS TRÊS FOTOGRAFIAS AQUI EXPOSTAS FORAM REALIZADAS POR MIM NUMA TARDE DOMINICAL POR OCASIÃO DE UMA VISITA SOLITÁRIA AO PONTO MAIS ALTO DA MINHA CIDADE...

 SONETO PARA UM DOMINGO À TARDE

O que torna o domingo à tarde triste?
Não saberia explicar muito bem
Talvez seja uma ausência que persiste
No que há de mais íntimo de alguém

Um tom amarelecido nos vem
Com uma espessa camada que insiste
Em adentrar os cômodos de quem
Sente tédio e, da vida, enfim desiste

Pular num abismo, descer ao nada,
Gritar em silêncio, ver-se perdido,
Eis a sensação d’um domingo à tarde...

Andar vazio como alma penada,
Sentado escrever, soneto, despido
Domingo pode ser um dia covarde!

(ÉMERSON CARDOSO)
30/04/11


Fotografia 02 - "O Domingo ri de nós..."



ANATOMIA DO DOMINGO À TARDE

(Para ler, essencialmente, ao som de “Domingo à tarde” na voz de Nelson Ned)
  
Para escrever sobre este assunto, eu precisava me sentar no vazio completo que só um domingo à tarde pode proporcionar. Há dias precisava escrever sobre isso, mas não se pode realizar um ato tão sublime sem sentir, na fibra dos ossos, o incômodo que só quem sente náusea e tédio poderia entender. Eis o meu assunto-nauseante-assunto: os ossos pútridos de um domingo à tarde.

Antes de escrever, liguei o rádio em programa que apresenta músicas de velha guarda. Escutei Núbia Lafayette, Agnaldo Timóteo, Altemar Dutra, Nelson Gonçalves, Isaurinha Garcia, Carlos Gonzaga, Adoniran Barbosa, dentre outros grandes nomes da música triste brasileira. Decidi ligar para a rádio. Liguei e pedi a música do cantor Nelson Ned: Domingo à tarde. Escutei o radialista dizer meu nome e oferecê-la a mim. Fiquei em silêncio. Escutei a música. Depois que a escutei, veio a necessidade de escrever. Não sei bem o que dizer, afinal o que se pode dizer quando se está em ânsias de morte?

Certo dia, em viagem a Recife, andávamos um amigo e eu em uma tarde de domingo. Era tão densa e amarelecida a tarde que podíamos tocá-la com os dedos. Sentíamos fome, estávamos inseguros, sentíamos mal-estar. Foi quando, em uma espécie de reconhecimento mútuo, comentamos sobre uma sensação de náusea. E eu, que vivo de trilhas sonoras trágicas para cada cena da vida, cantarolei: “O que é que você vai fazer domingo à tarde?” Eu senti um mal-estar típico de quem gosta de certa tristeza só para escrevê-la, depois, com o lirismo trágico e belo dos que sofrem.

Conversando com uma amiga que tem fascínio por música, ela confessou que detesta o domingo à tarde porque é um momento triste, angustiante e desesperador. Portanto, a música Domingo à tarde conseguia, segundo ela, uma perfeita reprodução do que de fato sente um ser humano nesse espaço de tempo tão sufocante. 

“O que é que você vai fazer domingo à tarde?” É assim que inicia a música. Uma interrogação prenuncia o tom de convencimento que será confirmado ao longo da letra. A voz lírica parece prenunciar que, por ser domingo à tarde, nada haverá para fazer, nem para si nem para o ser a quem devota seu amor. Assim poderão, juntos, realizar algo para fugir do tédio completo possível a esse momento dominical de profunda melancolia.


O discurso é pautado numa atitude desesperadora de angústia e desconforto que leva a voz lírica a utilizar-se de supostas chantagens emocionais para convencer o ser amado a fazer-lhe companhia num domingo à tarde. Isso fica evidente pela imagem que ele apresenta: “Quando vejo um casal namorando é que eu vejo a verdade / É tão triste passar um domingo sem ter um carinho”.

A voz lírica busca vivenciar o que de melhor um relacionamento afetivo pode doar: a fuga da solidão e a destruição da carência afetiva. Mas vou parar por aqui, pois não quero escrever artigo ou ensaio sobre música, quero é dizer o quanto, ao escutar essa música, sinto – principalmente quando a escutei hoje – uma absoluta náusea.
A náusea é, segundo alguns dicionários consultados, a sensação de enjoo, de mal-estar abdominal que pode ser seguido de vômito. A náusea a que me refiro não está vinculada a processos fisiológicos, está mais para uma reação da alma, é como um desespero, um tédio, um total desconforto, uma vertigem.

E por falar em vertigem cito Milan Kundera, em seu A Insustentável Leveza do Ser, que diz: “Aquele que deseja [...] “elevar-se” deve esperar um dia pela vertigem. O que é vertigem? O medo de cair? [...] A vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio embaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual logo nos defendemos aterrorizados.” Considero a náusea como essa espécie de vertigem que Kundera nos apresentou. Imagino-me no mais alto dos prédios – e tenho aerofobia! –, olho para baixo e sinto o vento queimar meu rosto. Olho para o chão e sinto desejo de pular e, ao mesmo tempo, sinto um medo absoluto que corrói minha alma com frios abdominais. O medo é a defesa criada em minha alma para que ela se defenda de mim mesmo. E vem a náusea, a que eu chamo de: desejo de cair seguido de um terrífico medo.

No romance de Sartre, A Náusea, é tão forte a sensação de tédio das personagens que, para ler, precisamos nos isentar de envolvimentos fortes com elas – se não fizermos isso podemos nos contaminar com a mesma náusea que estas evidenciam em suas crateras existenciais cheias de pústulas. E pergunto: como nos isentaremos de personagens tão absurdamente humanas que, nem de longe, conseguem reproduzir a náusea que a nossa vida real pode traduzir num domingo à tarde?

Quanto a conceituar o domingo à tarde, digo que ele é a ausência de amigos. É também a ação voluntária de enfiar uma fina agulha num tumor que apareceu num local insuportavelmente exposto do nosso corpo. Domingo à tarde é visitar pacientes que foram mutilados num hospital oncológico. É receber a notícia de que um parente muito amado morreu.

O domingo à tarde é a sensação de tédio em decorrência de não haver ninguém. É uma febre que inutiliza o corpo: frio na pele, vermelhidão nos olhos. É um medo que nos inutiliza. É o silêncio de um idoso que está num asilo de idosos e que não tem consciência da sua tão íntima miséria.

O domingo à tarde é a mãe inevitavelmente enterrar um filho. É a perda de um membro do corpo num acidente. É ficar cego para sempre. É gritar desesperadamente diante de uma fobia e não ter quem nos proteja de nós mesmos. É receber um diagnóstico de fase terminal. É a sensação de ser desprezado por alguém a quem devotamos um imenso amor. É ser humilhado em público. É sentir fome e não ter alimento algum.

O domingo à tarde é perder tudo o que se escreveu durante anos em um segundo. É ficar inválido. É não poder respirar. É perder tudo o que se tem numa enchente ou num incêndio. É saber da morte de quem amamos sem poder estar perto para a última despedida. É permanecer para sempre em silêncio. É sentir uma dor lancinante à noite sem ter por quem gritar. É ir embora sem saber aonde ir. É ver um texto de minha autoria ser publicado com o nome de um alguém sem caráter. É permanecer, para sempre, só...

Domingo é um dia tão triste para quem vive sozinho...”

Encerro este escrituário dominical vespertino porque não o posso tolerar mais. Saiba que dor existencial tem limites – ou, pelo menos, deveria ter. Encerro, também, porque não posso mais tolerar essa sensação de tédio, náusea e angústia por muito tempo. Vou sair. Preciso sair antes que eu morra. Vou parar de escrever, se não vou morrer. Peço desculpas se causei um imenso mal-estar em você. Mas se eu não fizesse isso, a minha dor seria mais ampla. Preciso compartilhar a náusea, assim minha fuga será possível. E, em se tratando de minha visão sobre o domingo à tarde, como diria a música aqui ressaltada: “Se você também vive tão só, sei que vai entender”...

(Domingo à tarde de 29 de agosto, de 2010, 13h 42min)

TEXTO: ÉMERSON CARDOSO

Fotografia 03 - "O Domingo é despedida..."


4 comentários:

  1. Sou sua fã.
    Toda palavra, quando por você escrita ou falada, tem mais vibração, mais sentido e mais sentimento.
    Abração.

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    1. OBRIGADO, HALETEIA, VOCÊ É MUITO GENTIL!!!!! UM FORTE ABRAÇO!!!!

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  2. Que belo texto!
    Expressa muito bem como é um domingo pela tarde,me senti ...
    "Domingo pode ser um dia covarde!".

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