sábado, 6 de dezembro de 2014

RESENHA CRÍTICA: "UM TIRO NO CORAÇÃO DA POESIA", DE PAULO SOARES


Abri o livro Um tiro no coração da poesia[1], de Paulo Soares, e deparei-me primeiramente com o poema Espetáculo. A sensação de inconformismo da voz lírica coadunou com a minha e, em busca de outros poemas que se aproximassem de mim ideologicamente, fui lendo, de modo caótico, o livro deste autor natural da cidade de Assaré – CE, radicado na cidade de Crato – CE. Diz assim o primeiro poema que eu li do livro:

ESPETÁCULO

Nesse
Circo de Ordem e Progresso,
Equilibristas
Desempregados
E palhaços no Congresso.

Paulo Soares, já no início de sua obra, no espaço que corresponderia aos agradecimentos, cria uma nota de repúdio em que atira contra o leitor suas primeiras indignações – já prenunciadas no poema acima mencionado – contra a realidade sociopolítica e sociocultural preponderantes no Brasil: “A mídia, a ignorância e o mau gosto atiram pra matar. [...] A seca, o câncer e os automóveis aguardam a presa relaxar. É muita sacanagem!” Suas palavras estão bem ao gosto da Sociedade dos Cordelistas Mauditos – importante movimento literário cuja produção estética discutia, dentre outros fatores, o tecnicismo e a uniformização da linguagem poética do cordel –, movimento que este integrou.  

Alguns poemas discorrem sobre a temática política de modo, em geral, irônico e não menos agressivo – como podemos perceber nos poemas: Os coitados, Socialismo sintético, Poema público, A seca e Poema tóxico. O capitalismo que, por meio da mídia e suas artimanhas, aprisiona o indivíduo surge recorrentemente nessa obra – percebemos isto nos poemas: TV de “Marcas”, Promoção, Poema reciclável e Miséria Multiação. Os avanços tecnológicos do século XXI – século cujas bases são alicerçadas nos escombros da devastada modernidade que herdamos inopinadamente – surgem também no discurso proferido por vozes líricas que detêm uma visão inconformada, insubmissa e fatigada da vida. Viver à mercê de construtos ideológicos que coisificam o ser, de tecnologias que não solucionam problemas básicos da vida humana e que afetam o modo como o indivíduo pensa sua existência fadada, por vezes, à impotência, à angústia e à solidão são os motes que, longe de serem assimilados com condescendência, dão a tônica para uma contundente denúncia social – isto é evidente nos poemas, por exemplo: As flores no escuro, Nome sujo, Ditado popular, Pessoa, Conta de energia poética, S.O.S e CPF.

O poema CPF, um dos que mais gosto, além dos pontos acima apontados, traz à tona o evidente obscurantismo das relações: que informações subjacentes à subjetividade do indivíduo devem ser consideradas em se tratando de uma maior aproximação com o outro? Ante uma burocracia que costuma desprezar nossos valores identitários, e esforça-se para nos transformar em meros números, quem somos afinal? Ou melhor: como podemos nos dar a conhecer ante o esvaziamento e a coisificação a que pragmaticamente estamos submetidos? Como podemos esperar, desta feita, que as relações se efetivem?

Do ponto de vista formal, a maior parte dos poemas apresentados nessa obra são constituídos por versos livres, com algumas exceções. Há uma recorrência de poemas que exploram o aspecto visual – como os poemas Só isso, A ideia, Ao vivo, Importância, O escuro e Impotência poética – e outros que recorrem à técnica da redução estrutural e conteudística – percebemos isto nos poemas: Poema para todos, Hi Fi e Orgasmo.

É perceptível, em diversos poemas, o teor metalinguístico que indica uma constante reflexão de caráter estético por parte do autor. Há, também, uma tentativa de discutir a ação do tempo sobre o cotidiano e suas amarras inevitáveis: pensar, refletir, sentir e poder viver, no irremediável, são preocupações constantes das vozes líricas criadas pelo autor.

O tiro evocado no título, que atinge em cheio a poesia, também atinge o leitor que se depara com textos escritos com uma linguagem prosaica, simples e repleta de trocadilhos – alguns muito inteligentes, como no contundente poema Cratólica, que faz uma crítica severa ao atual bispo da diocese de Crato: Dom Fernando Panico. O texto diz o seguinte:

CRATÓLICA

Panico
fez em público
o que o público
faz no penico.  

 Nas últimas páginas do livro, Paulo Soares, personificando a poesia, sugere uma entrevista que ela teria lhe concedido. As últimas palavras da “Poesia”, em resposta à pergunta do autor, que dizia respeito à barbárie que prepondera no cenário político brasileiro, são dotadas de pouco otimismo (SOARES, 2014, p. 87): “Não vejo saída. É isso. Posso mudar tal concepção, porém, no momento não vejo luz no final do túnel”. Com esta resposta da “Poesia”, mais uma vez certifico-me de que esse livro coaduna com muitas das minhas concepções atuais sobre política e outros assuntos indigestos.

Paulo Cesar Ferreira Soares, além de poeta, atua na área de Educação e tem participação constante no cenário poético do Cariri cearense. Ele é graduado em Letras, pela Universidade Regional do Cariri – URCA, e recebeu, em 2011, o prêmio Mais Cultura de Literatura de Cordel (Patativa do Assaré).




[1] SOARES, Paulo. Um tiro no coração da poesia. Pará de Minas, MG: VirtualBooks Editora, 2014. 

                                                                                                                    

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