HANNAH ARENDT: IDEIAS QUE
CHOCARAM O MUNDO. Direção de Margarethe von
Trotta. Produção: Heimatfim Gmbh. Elenco: Barbara Sukowa, Axel Milberg, Janet
McTeer. Alemanha / França: 2012. Filme (109 min). Drama.
No
filme O Leitor (2009), de Stephen Daldry – que
rendeu a Kate Winslet, vivendo a personagem Hanna Schmitz, os mais importantes
prêmios cinematográficos de 2009 –, uma personagem feminina é julgada e condenada
por seus crimes contra a comunidade judaica. O enredo conduz o expectador a
acompanhar o drama dessa personagem e compreender que, de certa forma, ela
estava condicionada a cumprir ordens sem, necessariamente, pensar sobre seus
atos, muito menos questioná-los. Este filme é baseado na obra de mesmo título
do escritor alemão Bernhard Schlink, publicada em 1995.
Em Hannah Arendt: ideias que chocaram
o mundo (2013), de Margarethe
von Trotta, vem à tona, desta feita baseada na história de Hannah Arendt
(1906 – 1974), vivida pela atriz Barbara Sukowa, as ideias instigantes dessa
pensadora que, com a finalidade de escrever uma reportagem para o The New Yorker sobre o julgamento de Adolf Eichmann,
em Israel, produziu uma das obras mais polêmicas do século XX: Eichmann em Jerusalém: um relato
sobre a banalidade do mal (1963).
Para
o mundo (e o filme de Trotta retrata isto enfaticamente), foi considerado
paradoxal o fato de que uma judia, que sofreu de perto a experiência
proporcionada pelos ideais nazistas, tenha considerado, em detrimento da
opinião pública, que Adolf Eichmann não era tão monstro como todos o
consideravam, por ocasião de seu julgamento.
Ao
considerar que nem todos os que praticaram os crimes de guerra eram monstros, e
que alguns judeus participaram da matança dos seus iguais, Hannah Arendt foi
“bombardeada” por críticas até de pessoas mais próximas. Alguns a consideraram
fria, inflexível e arrogante.
Em
carta endereçada a Gershom Scholem, Hannah Arendt afirma (TEIXEIRA, 2013, p.
102)[1]:
“O pensamento tenta atingir a profundidade, tocar nas raízes, e, no momento em
que se ocupa do mal, se frustra porque não encontra nada”.
Uma
das principais discussões de Hannah Arendt, que surge de modo recorrente ao
longo de sua obra, diz respeito à sua concepção sobre “o mal” – desta feita, o
mal que vai ao seu extremo por meio do totalitarismo que teria nos campos de
concentração nazista, disseminados por Adolf Hitler, sua manifestação por
excelência. O mal, conforme nos apresenta Hannah Arendt, já perpassara o
absurdo em decorrência dos conflitos envolvendo, por exemplo, a Alemanha e seus
ideais nazistas. Pensar os atos dos envolvidos nos campos de concentração numa
perspectiva do mal, portanto, suscitaria repensar a própria ideia de mal. Desse
modo, ao assumir, submetidos a imposições burocráticas, a condição de
executores de judeus nos campos de extermínio, estes estariam cumprindo ordens
que estariam além de suas capacidades de pensar sobre a ação que executavam.
Com
isso, Hannah Arendt concebe a ideia de “banalização do mal” que consistiria na
ideia de que o indivíduo não concebe mais pensamentos por si mesmo, antes este
estaria vinculado a uma lógica que o forçaria a submeter-se e o tornaria
incapaz de conceber um pensamento que problematizasse aquilo a que,
burocraticamente, estaria forçado a fazer.
Em Eichmann em
Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal, Hannah Arendt discorre com
mais precisão sobre o que ela denomina “banalização do mal”. Sua tese é a de
que Eichmann, frente ao absurdo proveniente do nazismo, seria “a
personificação” dessa banalidade. Ele, nesta perspectiva, não passaria de um
funcionário público impelido a cumprir, inopinadamente, seu dever.
Em
suma, a racionalidade e o cientificismo, para Hannah Arendt, se constituem como
condição sine qua non para que cerca de seis milhões de
judeus fossem mortos. A tecnologia empregada para fins de extermínio mostrou-se
uma ação tão cínica quanto eficiente, tão malevolente quanto burocratizada e,
em decorrência disso, vários funcionários públicos, obrigados a cumprir o que
era determinado pelo cargo que exerciam, tornaram-se produto do nazismo. A
estes era dada uma ordem e eles eram, segundo Hannah Arendt, obrigados a
cumpri-la por serem impossibilitados de pensar sobre seus atos.
Além
das atuações vigorosas, essa obra cinematográfica acerta quanto à discussão de
temas complexos que dá à obra a tensão necessária para que o expectador se
aproxime das ideias dessa personalidade feminina complexa. O filme retoma fatos
importantes da vida de Hannah Arendt por meio de flashbacks, apresenta diálogos
criativos e bem delineados. São merecedores de elogio, também, a direção e a
edição do filme. Trata-se de um filme que merece ser visto e que, além de
instigar o expectador a conhecer as ideias dessa filósofa-professora-repórter,
também suscita uma reflexão sobre a capacidade que o indivíduo deveria trazer
em si de pensar.
Hannah
Arendt nasceu em 14 de outubro de 1906, na Alemanha, e faleceu em 04 de
dezembro de 1974, nos Estados Unidos. Dentre suas principais obras podemos
destacar: As origens do
totalitarismo (1951), A condição humana (1958), Sobre a revolução (1963) e Eichmann em Jerusalém (1963). E a diretora alemã Margarethe
von Trotta, além de dirigir Hannah
Arendt: ideias que chocaram o mundo, dirigiu também: Os anos de chumbo (1981), Rosa de Luxemburgo (1986), Felix (1987) e A promessa (1995).
Cícero Émerson do Nascimento Cardoso
[1]
TEIXEIRA, Jerônimo. A
radicalidade da inteligência. In: Revista
Veja, São Paulo, jul. de 2013, p. 100
– 102.
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