segunda-feira, 26 de junho de 2017

REFLEXÕES SOBRE MEMÓRIA: RELATOS DE EXPERIÊNCIA


A memória, já me advertira Lygia Fagundes Telles no conto Papoulas em feltro negro, um dos meus favoritos, superdimensiona demais as coisas. Nem sempre o que ela insiste em mostrar corresponde, de fato, à realidade.

Depois de dez anos, eu precisei entrar na casa de minha bisavó – eu já não era mais aquele cujo coturno fez ressoar passos de juventude redescoberta aos dezoito anos – e fiquei perplexo. Eu sempre me referia àquela casa como o casarão, meu Deus! Mas não, não era um casarão: era uma casa até bem pequena, de paredes simples e portas contíguas. Aquela casa era de tal modo imensa para mim, de tal modo representava grandezas físicas e emocionais que, ao reencontrá-la, já sem minha bisavó em seus recantos, fiquei em silêncio estranho.

Não era um reencontro decepcionado o que se dava, não era isto. Estava mais para uma constatação amedrontada: se fui capaz de me iludir por tanto tempo sobre aquele espaço, eu poderia estar me iludindo em relação a tantas outras cenas e cenários vividos com intensidade por minha memória que guarda demais...

Não, Deus, não estou me reclamando da minha memória – ela é tudo o que tenho, ela é tudo o que sou. Mas descobri assustado, não sem tristeza e solidão, que a memória é campo denso, capaz de forjar cômodos inexistentes, de redefinir caminhos com acenos em dias escuros. 
             
 *

Hoje, por acaso, encontrei uma canção que eu escutava em 1998, quando eu tinha catorze anos. Esta canção eu ouvia antes de ir para a escola, num canal de televisão, toda manhã. Depois de um tempo, a emissora não mais a exibiu e eu, impedido pela vida e seus reveses, nunca mais a encontrei, ou a escutei. Eu repetia sua melodia na memória sem saber nada sobre sua letra ou título – a letra é escrita em língua inglesa e a emissora não exibia seu título.

Quase vinte anos depois, eu a encontrei. A canção que minha memória resguardou por tanto tempo me veio, finalmente, em tarde fria de junho. Eu fazia pesquisa sobre o tema do amor, para uma palestra, e, na tentativa de ouvir canções agradáveis durante a organização do material a ser explanado, a encontrei – a internet tem seus pontos positivos. Eu a escutei à exaustão. Não sou mais o menino de catorze anos que a contemplava sem qualquer consciência de si mesmo e tão cheio de medos. Agora, tenho algum relance de vida, já sei me defender, ainda que pouco. Não sofro tanto, não vivo de sombras, não desejo que me venha o fim capaz de me salvar de mim mesmo.          


sexta-feira, 16 de junho de 2017

COMO FAZER UMA RESENHA CRÍTICA II (MODELO)


PARTES DE UMA
RESENHA
MODELO DE
RESENHA CRÍTICA

Título da resenha


Da tevê para as telas de cinema

Autor da resenha


Celso Sabadin

Apresentação da obra: informações básicas sobre o filme: título, produção, direção, gênero...


Assim como já havia acontecido com Os normais, agora é a vez de a Globo Filmes produzir A grande família – O filme, baseado no seriado de sucesso, visando principalmente levar para o cinema o público acostumado com a televisão.


Resumo: apenas fatos essenciais, sem apresentar o “final da história”. Os nomes dos atores que interpretam as personagens aparecem entre parênteses.


A comédia mostra como Lineu (Marco Nanini) e Nenê (Marieta Severo) se apaixonaram num baile. Muitos anos depois, já casados, Lineu descobre que deve prestar atenção ao seu estilo de vida por causa de um problema de saúde. No entanto, suas novas atitudes causam confusões gerais. Para piorar, Carlinhos (Paulo Betti), com quem Lineu disputava o amor de Nenê na juventude, está de volta.


A que tipo de público o filme vai agradar ou não. Observe que a opinião do autor transparece no uso de adjetivos, advérbios e outras expressões que expressam juízos de valor.



O humor rápido, rasteiro e bem interpretado por um elenco experiente faz do filme uma opção sem muitos riscos para as plateias que seguem o seriado na telinha. O mesmo não se pode dizer em relação ao público de gosto mais cinematográfico, que não verá na tela grande nada muito diferente do que já foi explorado pela TV.


Aspectos positivos e negativos, justificados com que foi observado no filme.


O grande mérito do filme é o elenco afinado e o timing correto. O grande problema é o roteiro, que carrega a pretensão de contar três vezes a mesma história, sob três pontos de vista diferentes, o que acaba prejudicando o ritmo cômico.


Conclusão do texto. Potencial de sucesso do filme.





Bem produzido e com a divertida breguice romântica de Roberto Carlos na trilha sonora, A grande família – O filme tem bom potencial de sucesso popular.






COMO FAZER UMA RESENHA CRÍTICA I (CONCEITO)



Gênero textual publicado em jornais, revistas e sites, tem como principal objetivo apresentar a opinião do crítico sobre um filme. Algumas resenhas oferecem análise mais aprofundada. Outras apenas uma rápida análise sobre a obra.
Você deve ter notado que, embora a resenha apresente a opinião do crítico, o texto é escrito em terceira pessoa. A linguagem varia entre o formal e o semiformal.
     Para escrever uma resenha, é preciso assistir ao filme com atenção e registrar alguns dados sobre ele. Segue um roteiro para orientar sua observação e fazer registros.
·        
      Ficha técnica: título do filme, gênero, diretor, produtor, ano, país, atores etc.;
·         Trama / enredo;
·         Personagens principais: características;
·         Interpretação dos atores;
·         Cenários;
·         Figurino;
·         Trilha sonora;
·         Fotografia (observar como as cores e a iluminação são usadas no filme);
·         Outros itens que você considerar importantes, dependendo do filme escolhido.
         
          É interessante ler outras resenhas. Antes de escrever sua resenha, faça um plano de texto, no qual você vai decidir que informações serão apresentadas em cada parágrafo. Ao terminar, faça a revisão do texto. Confira se estão presentes as seguintes partes textuais:

·         Apresentação do filme;
·         Resumo;
·         Aspectos positivos e negativos;
·         Conclusão (fechamento).

REFERÊNCIA:

ALMEIDA, Neide Aparecida [et al.] . Linguagens e culturas: Linguagem e códigos: ensino médio. São Paulo: Global, 2013. p. 237 – 238.








segunda-feira, 5 de junho de 2017

CORA CORALINA


MUTAÇÕES

Muita rua da cidade
mudou de nome.
Ritintin - mudou de nome.
Chafariz - mudou de nome.
Rua Nova - mudou de nome.
Detraz da Abadia também.
Beco virou travessa.
Outras, nem nome têm.
Rua do Fogo se apagou,
nas vielas não se toca.
Beco da Morte é pecado.
Do Cotovelo é suspeito.
Rua Joaquim Rodrigues
virou 13 de maio,
passou pra Joaquim de Bastos.
Não sei onde vai parar
tanta mudança de nome.
Mudar nome de rua é fácil.
Mudar jeito de rua, não.
Dar calçamento e limpeza
é coisa muito impossível.
Só não mudou nome em Goiás
o Beco da Vila Rica.
Por ser muito pobre e sujo
contrário lhe assenta o nome.
Se há de ser beco do sujo pobre
seja mesmo da Vila Rica
com toda sua pobreza.

PEDRAS

Os morros cantam para meus sentidos
a música dos vegetais
que se movem ao vento.
As pedras imóveis me enviam
uma bênção ancestral.
Debaixo de minha janela
se estende a pedra-mãe.
Que mãos calejadas
e imensas mãos sofridas de escravos
a teriam posto ali,
para sempre?
Pedras sagradas da minha cidade,
nossa íntima comunicação.
Lavada pelas chuvas,
queimada pelo sol,
bela laje velhíssima e morena.
Eu a desejaria sobre meu túmulo
e no silêncio da morte,
você, uma pedra viva, e eu,
teríamos uma fala
do começo das eras.


MINHA CIDADE

Goiás, minha cidade...
Eu sou aquela amorosa
de tuas ruas estreitas,
curtas,
indecisas,
entrando,
saindo
uma das outras.
Eu sou aquela menina feia da ponte da Lapa.
Eu sou Aninha.
Eu sou aquela mulher
que ficou velha,
esquecida,
nos teus larguinhos e nos teus becos tristes,
contando estórias,
fazendo adivinhação.
Cantando teu passado.
Cantando teu futuro.
Eu vivo nas tuas igrejas
e sobrados
e telhados
e paredes.
Eu sou aquele teu velho muro
verde de avencas
onde se debruça
um antigo jasmineiro,
cheiroso
na ruinha pobre e suja.
Eu sou estas casas
encostadas
cochichando umas com as outras,
Eu sou a ramada
dessas árvores,
sem nome e sem valia,
sem flores e sem frutos,
de que gostam
a gente cansada e os pássaros vadios.
Eu sou o caule
dessas trepadeiras sem classe,
nascidas na frincha das pedras
Bravias.
Renitentes.
Indomáveis.
Cortadas.
Maltratadas.
Pisadas.
E renascendo.
Eu sou a dureza desses morros,
revestidos,
enflorados,
lascados a machado,
lanhados, lacerados.
Queimados pelo fogo.
Pastados.
Calcinados
e renascidos.
Minha vida,
meus sentidos,
minha estética,
todas as vibrações
de minha sensibilidade de mulher,
têm, aqui, suas raízes.
Eu sou a menina feia
da ponte da Lapa.

Eu sou Aninha.