sexta-feira, 21 de novembro de 2014

RECORTES SOBRE O CINEMA NACIONAL




1 – O ator Fernando Ramos da Silva, que interpreta o personagem-título do filme Pixote - a lei do mais fraco, tempo depois do êxito do filme voltou à sua vida de sempre, vivendo num ambiente de total miséria. Chegou a tentar seguir a carreira de ator, ingressando na Rede Globo com a ajuda do escritor José Louzeiro, mas foi demitido por ser incapaz de decorar os textos, já que era semialfabetizado. Devido à influência dos irmãos, retornou à criminalidade, sendo assassinado por policiais em 1987.

2 – No começo da década de 1980, a paraibana Marcélia Cartaxo integrava um grupo que montara a peça Beiço de estrada, texto original de Eliezer Filho, e, estando em São Paulo, teve contato com a cineasta Suzana Amaral que estava na plateia. Marcélia foi escolhida para dar vida à personagem Macabea, do livro A hora da estrela, de Clarice Lispector. Por esse trabalho, Marcélia Cartaxo recebeu, dentre outros prêmios, o Urso de Prata no Festival de Berlim. Na semana em que viajou a Berlim, para receber a premiação, a atriz foi fisicamente agredida por um alemão xenófobo dentro de um ônibus. Ele justificou que achava que a atriz fosse uma judia.

3 – O filme de estrada, Central do Brasil, foi inspirado no clássico Alice nas Cidades, de Wim Wenders. Esse filme brasileiro foi um dos mais aclamados por críticos em todo o mundo e vencedor de inúmeros prêmios: dentre eles o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro. Por seu trabalho em Central do Brasil, a atriz Fernanda Montenegro tornou-se a primeira atriz latino americana a ser indicada ao Óscar de melhor atriz.  

4 – Inicialmente o título do filme O céu de Suely seria “Rifa-me". O título definitivo veio primeiro em sua tradução para o inglês, Suely in the Sky, inspirado pela música Lucy in the Sky with Diamonds. As filmagens começaram em agosto de 2005, com duração de sete semanas, e durante este período todo o elenco permaneceu em Iguatu.  As atrizes Hermila Guedes, Maria Menezes e Zezita Matos viveram na mesma casa, como forma de ampliar a interação entre elas.

5 – O filme Orfeu no Carnaval (1959), de Marcel Camus, foi vencedor do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, Óscar de melhor filme estrangeiro e a Palma de Ouro do Festival de Cannes.

 – Dira Paes é considerada a musa do cinema nacional - o título é merecido seja pelo talento da atriz, seja pela quantidade de filmes que ela tem no currículo (mais de trinta títulos). Uma das mais premiadas atrizes brasileiras, Dira iniciou sua carreira em 1985, na produção norte-americana Floresta de esmeraldas, de John Boorman. 

 – O dia do cinema brasileiro é comemorado em 05 de novembro, data que homenageia a primeira exibição cinematográfica que aconteceu em 1896, no Rio de Janeiro. Há, no entanto, um não consenso quanto ao dia em que este é comemorado, pois alguns dizem que o dia correto é 19 de junho - o que é confirmado pela ANCINE (Agência Nacional do Cinema). Esta data seria alusiva ao ano de 1898, por ocasião da primeira filmagem do Brasil realizada por Afonso Segreto, cineasta italiano. Há rumores de que a data comemorativa do cinema brasileiro poderá mudar.

LEITURA: "BALADA DE SANTA MARIA EGIPCÍACA", DE MANUEL BANDEIRA



BALADA DE SANTA MARIA EGIPCÍACA[1]

Santa Maria Egipcíaca seguia
Em peregrinação à terra do Senhor.

Caía o crepúsculo, e era como um triste sorriso de mártir...

Santa Maria Egipcíaca chegou
à beira de um grande rio.
Era tão longe a outra margem!
E estava junto à ribanceira,
Num barco,
Um homem de olhar duro.

Santa Maria Egipcíaca rogou:
– Leva-me à outra parte do rio.
Não tenho dinheiro. O Senhor te abençoe.

O homem duro fitou-a sem dó.

Caía o crepúsculo, e era como um triste sorriso de mártir...

– Não tenho dinheiro. O Senhor te abençoe.
Leva-me à outra parte.

O homem duro escarneceu: – Não tens dinheiro,
Mulher, mas tens teu corpo. Dá-me teu corpo, e vou levar-te.

E fez um gesto. E a santa sorriu,
Na graça divina, ao gesto que ele fez.

Santa Maria Egipcíaca despiu
O manto, e entregou ao barqueiro
A santidade de sua nudez.



[1] BANDEIRA, Manuel. Estela da vida inteira – poesias reunidas. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973.

UMA BREVE EXPLANAÇÃO SOBRE "WESTERN"


CARDOSO, Cícero Émerson do Nascimento. Uma breve explanação sobre Western. Revista Sétima de Cinema, n. 19, p. 10 - 13, out. de 2014. 

Segundo Vugman (2006)[1], o Western é “considerado o gênero cinematográfico norte-americano por excelência”. De fato, o cinema norte-americano produziu para o mundo obras grandiosas deste gênero que alcançou mais do que o mero status de produto mercadológico, tornou-se um mito.
“O grande roubo do trem” (1903), de Edwin Porter, é considerado o pioneiro do Western e já apresenta algumas características que seriam determinantes para o gênero. Diretores como David W. Griffith, Thomas H. Ince, William S. Hart, John Ford, James Cruze, Tom Mix, dentre outros, deram suas contribuições para a construção de obras cinematográficas que foram, com a “evolução” do gênero, aperfeiçoadas tanto na qualidade técnica, quanto nas constantes inovações de estilos e temas empreendidas por estes.
Um dos temas recorrentes nas obras de Griffith e Ince – a oposição simbólica do bem contra o mal representada sempre pela ligação do herói com o sagrado e dos vilões com o profano – tornou-se uma das principais características do Western. Seguem-se a estas características: a reinvenção do Velho Oeste fundindo diferentes épocas e regiões dos Estados Unidos em um mesmo espaço peculiar e submetido a uma mítica atemporalidade, o realismo dos cenários, as movimentadas cenas em que o herói – sempre com seu estimado cavalo – envolve-se em perseguições ou enfrentamentos que exigem dele coragem e agilidade, a figura da mulher pura e singela capaz de redimir o herói de uma vida de violência, o saloon como palco profícuo para os vilões, as paisagens desérticas e áridas que reforçavam a austeridade da vida das personagens, a recorrente indumentária – roupa com acessórios produzidos em couro, esporas nos sapatos, chapéu e lenço no pescoço – que caracterizava o herói, dentre outras.
Para além desta discussão inicial de cunho mais teórico, considero pertinente dizer que o primeiro filme de Western que eu assisti foi “O homem que matou o facínora” (1962), de John Ford. Este filme me causou forte impacto pela qualidade do enredo, abordagem de certos temas e caracterização das personagens.
Um dos muitos filmes em que John Ford fez parceria com John Wayne, “O homem que matou o facínora” é uma adaptação de um conto escrito por Dorothy M. Johnson e discorre sobre um senador que volta à cidade de Shinbone, para o funeral de um velho amigo. O senador conversa com um jornalista explicando-se sobre o porquê de estar naquele funeral e, a partir disso, a história, como um fluxo, começa a ser relatada.
O senador trata-se de Ransom Stoddard (James Stewart) – advogado idealista – e o morto trata-se de Tom Doniphon (John Wayne) – um pistoleiro. Embora amigos, na juventude eles envolveram-se num conflito amoroso porque ambos se apaixonaram pela mesma mulher: Hallie (Vera Miles).
Enquanto o triângulo amoroso se estabelecia, a cidade sofria as ameaças do facínora Liberty Valance (Lee Marvin), vilão que só temia Doniphon e que espancara e roubara Stoddart, a quem reencontrou e provocou com veemência.
Quando Stoddard se vê de todo acossado por Liberty Valance, este decide desafiar o vilão e propõe um duelo, embora não tivesse habilidade no manejo de armas. Durante o duelo, Stoddard, que seria presa fácil para o facínora, consegue sair vencedor. Acontece que ele ganhou a fama, porém quem de fato havia assassinado Liberty Valance fora Doniphon.
Um filme de fluxos de consciência de uma personagem inserida num enredo que se desenvolve entre flashbacks, “O homem que matou o facínora” tende a exprimir com ironia e inteligência aspectos políticos e sociais que surgem no irremediável. Stoddard revive, no retorno à terra de sua juventude, lembranças por vezes amargas, embora saudosistas e repletas de um sentimento de excessiva gratidão. 
Uma das personagens que mais me chamam atenção, e que protagoniza uma das imagens mais comoventes de companheirismo e amizade no cinema, é a personagem Pompey (Woody Strode). Pompey, que durante toda a trama mostra-se um amigo fiel de Doniphon, está ao lado do caixão, sem necessariamente estar aprisionado pelos grilhões da mera subserviência, porque a ocasião já não o incitava a isto, velando o amigo. Por algum motivo que ainda não sei explicar, sempre que vejo menções a este filme, me vem à memória exatamente esta personagem que, do meu ponto de vista, é uma das mais bem delineadas desta obra.
Enfim, tanto se poderia dizer a respeito deste filme dirigido por um dos maiores nomes do Western, mas voltando a tratar do gênero Western, o que parece pertinente dizer, para finalizar esta breve explanação, é que este não parece ter arrefecido, pois, como se pode constatar, inúmeras produções atuais recorrem aos elementos que ele apresentou ao mundo e vários dos seus filmes, como “O homem que matou o facínora”, por exemplo, são mais que atuais e merecem ser vistos e revistos por serem de uma qualidade técnica irrefutável e por apresentarem personagens marcantes que compõem o imaginário que o Western construiu.  
Afinal de contas, parafraseando a fala de uma das personagens de “O homem que matou o facínora”: isto é o Western, senhores e senhoras, um mito, e que deve ser publicado.  




[1] VUGMAN, Fernando Simão. Western. In: MASCARELLLO, Fernando. História do cinema mundial. 7. ed. Campinas, SP: Papirus, 2006. (Coleção Campo Imagético).

domingo, 16 de novembro de 2014

ENTREVISTA COM O POETA MANOEL DE BARROS - REVISTA CULT


O poeta Manoel de Barros faleceu, para comoção nacional, no dia 13 de novembro de 2014. Ele disse que queria ser lembrado como um “ser abençoado pela inocência” e como um poeta que “tentou mudar a feição da poesia”... A Literatura Brasileira, lamentavelmente, perdeu um grande poeta, mas ele permanecerá por meio de sua poesia que, sim, aponta para novas feições para o fazer poético e traduz um olhar singelo e, não menos inocente, sobre o mundo e suas belezas. 

Em 2010, na seção de entrevista da Revista Cult, o jornalista e mestrando em Teoria Literária da USP Wilker Sousa entrevistou, por e-mail, o poeta Manoel de Barros. Transcrevo, a seguir, na íntegra, esta entrevista.

SOUSA, Wilker. Voar fora da asa. CULT – Revista Brasileira de Cultura, n. 146, p. 22 – 24, mai. 2010.
  
CULT – A exemplo de Memórias Inventadas III (2007), Menino do Mato (2010) remonta ao tema da infância. Após muitas décadas dedicadas à poesia, suas obras mais recentes simbolizam o fechamento de um ciclo que retorna ao primitivo?

Manoel de Barros – Acho que não retorno ao primitivismo. Por antes acho que continuo primitivo, vez que meu caminho seria para encostar na semente da palavra, ou seja: o início do canto. Porque o ser humano começa a se expressar pelo canto.

CULT – Uma das marcas centrais de sua poesia é a tentativa de alcançar aquilo que está antes da palavra, ou seja, a sensibilidade primeira que desencadeia a poesia. Poderíamos então afirmar que a formação do poeta Manoel de Barros se deu fundamentalmente na infância?

Manoel – Eu fui abençoado por uma infância no mato. Não tínhamos vizinhos, não havia outras casas, outros meninos. Só nós – eu e dois irmãos. E o chão de formiga e de lagartixas. A mãe não tinha tempo de nos levar ao colo. O pai campeava. E a gente brincava de inventar brinquedos. Fui na luta para a poesia depois.

CULT – O trabalho com a linguagem em seus poemas revela a possibilidade que ela possui de alargar os horizontes do “primitivo” ou, ao contrário, é reflexo da impossibilidade de alcançar a essência poética?

Manoel – Eu sempre quis o criançamento da palavra. Eu sempre desejei o despropósito das palavras. A palavra que produzisse a melodia letral. Que sempre me parecesse a essência poética do absurdo.

CULT – Sua obra escapa a rótulos, como “poesia do Pantanal”, “poesia de folclore e costumes”, entre outros. Como definir a poesia de Manoel de Barros?

Manoel – Sabemos nós que poesia mexe com palavras e não com paisagens. Por isso não sou poeta pantaneiro, nem ecológico. Meu trabalho é verbal. Eu tenho o desejo, portanto, de mudar a feição da natureza, pelo encantamento verbal.

CULT – Ao longo de sua obra, o senhor criou diversas metáforas para designar a poesia. Qual sua favorita?

Manoel – Acho que a favorita e que algumas pessoas citam é: poesia é voar fora da asa.

CULT – O fato de não ter acumulado uma fortuna crítica o incomoda? Na sua opinião, a que se deve certa reserva da crítica com relação à sua obra?

Manoel – Já tenho respondido sobre isso. Conversei uma vez com o bibliófilo José Mindlin, que era meu grande amigo, sobre essa rejeição da crítica pela minha poesia. Mindlin me afirmara que minha poesia, por não ter rima nem métrica, seria uma evolução ou revolução na poesia. Pois que não usando métrica nem rima, uso a melodia letral ou a harmonia silábica.

CULT – Como o poeta Manoel de Barros gostaria de ser lembrado?

Manoel – Gostaria de ser lembrado como um ser abençoado pela inocência. E que tentou mudar a feição da poesia.



quinta-feira, 6 de novembro de 2014

LEITURA: "CANÇÃO DA TARDE NO CAMPO", DE CECÍLIA MEIRELES



Caminho do campo verde
estrada depois de estrada.
Cerca de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.

Eu ando sozinha
no meio do vale.
Mas a tarde é minha.

Meus pés vão pisando a terra
Que é a imagem da minha vida:
tão vazia, mas tão bela,
tão certa, mas tão perdida!

Eu ando sozinha
por cima de pedras.
Mas a tarde é minha.

Os meus passos no caminho
são como os passos da lua;
vou chegando, vais fugindo,
minha alma é a sombra da tua.

Eu ando sozinha
por dentro de bosques.
Mas a fonte é minha.

De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto,
Subo monte, desço monte
meu peito é puro deserto.

Eu ando sozinha
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

LEITURA: "CRIAR", DE AGOSTINHO NETO

11 de novembro: dia da independência de Angola



Criar criar
criar no espírito criar no músculo criar no nervo
criar no homem criar na massa
criar
criar com os olhos secos

Criar criar
sobre a profanação da floresta
sobre a fortaleza impudica do chicote
criar sobre o perfume dos troncos serrados
criar
criar com os olhos secos

Criar criar
gargalhadas sobre o escárnio da palmatória
coragem nas pontas das botas do roceiro
força no esfrangalhado das portas violentadas
firmeza no vermelho sangue da insegurança
criar
criar com os olhos secos

Criar criar
estrelas sobre o choro das crianças
paz sobre o choro das crianças
paz sobre o suor a lágrima do contato
paz sobre o ódio
criar
criar a paz com olhos secos.

Criar criar
criar liberdade nas estradas escravas
algemas de amor nos caminhos paganizados
do amor
sons festivos sobre o balanceio dos corpos
em forcas simuladas

criar
criar amor com os olhos secos