quinta-feira, 21 de novembro de 2013

FICHAMENTO DE TRANSCRIÇÃO: COMO FAZER UM?


O fichamento é um método de armazenamento, controle e consulta de informações sobre livros ou documentos através da elaboração de fichas, com conteúdo que facilita o estudo e a aprendizagem. Utiliza-se da mesma técnica típica do resumo e da resenha para a elaboração de seu conteúdo. Os fichamentos podem ser: de transcrição ou citação, de resumo ou conteúdo e de comentário ou crítico. Como distinguir cada um deles?
FICHAMENTO DE TRANSCRIÇÃO OU DE CITAÇÃO
É aquele em que se passará o texto de um livro lido fidedignamente para a ficha. Com o uso de aspas no início e no final, para indicar a autoria, este tipo de fichamento destaca os trechos mais relevantes de uma obra. Cada trecho deve aparecer de modo sistematizado, resumido e com o número da página do trecho que foi transcrito para que as informações nele contidas sejam localizadas com facilidade.  
FICHAMENTO DE RESUMO OU CONTEÚDO
É aquele que traz a compilação das ideias de um autor, ou seja, dos assuntos principais abordados no livro ou documento. Utiliza as mesmas recomendações da elaboração de um resumo.
FICHAMENTO DE COMENTÁRIO OU CRÍTICO
É aquele que realiza uma avaliação completa do livro ou documento em todos os seus aspectos, principalmente nos assuntos principais levando em consideração a opinião de quem elabora a ficha. Lembra a estrutura de uma resenha.  

EXEMPLO DE UM FICHAMENTO DE TRANSCRIÇÃO 
OU CITAÇÃO

Fernão Pessoa Ramos é autor do artigo
 "Cinema e Realidade" fichado abaixo

RAMOS, Fernão Pessoa. Cinema e Realidade. In: XAVIER, Ismail (Org.). O cinema no século. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
    
1 – "A imagem CINEMATOGRÁFICA e a mediação da câmera inauguram uma forma imagética que pode ser singularizada. Esta singularidade deve ser contraposta à visão gradualista de sua evolução, muito em voga hoje em dia. (p. 141)
1.1 – A especificidade da cinematografia surge em proximidade para com outras imagens-câmera, inclusive a videográfica, em relação às quais as semelhanças que as aproximam são bem mais densas do que os detalhes técnicos que as distanciam.
1.2 – Trata-se de imagens que têm por base a mediação de uma máquina com evidentes traços comuns (a câmera), constituindo-se em uma situação de mundo que denominamos tomada, a partir da marca, do índice, dessa circunstância em um suporte  e manipulação.
1.3 – No caso da imagem móvel o suporte movimenta-se ritmicamente no aparelho, com breves e sucessivas paradas.
1.4 – No âmago de sua natureza localizamos o binômio tempo por movimento, binômio que Deleuze em seus livros dedica-se a estirpar através da interposição de uma forte camada estilística (o cinema moderno).
1.5 – Já no século XIX existem diversas máquinas que reproduzem o movimento, inicialmente utilizando-se de aparelhos múltiplos de fotografia como nas conhecidas experiências de Edward Muybridge ou através de um só aparelho como no “fuzil fotográfico” de Étienne Marey.
1.6 – Estas tentativas são seguidas, já em 1882, do registro dos movimentos em suportes fixos, através de procedimentos que, incluindo no objeto  fotografado, permitem a sobreposição de várias tomadas na  mesma  chapa   sem  que o registro seja o traço borrado  do movimento, característico de sua impressão fotográfica.  Para tal, são utilizados objetos claros em contraste com o obrigatório fundo negro, onde diversas posições do movimento do objeto fotografado podem ser sobrepostas sem velar o negativo. (p. 142)
1.7 – Trata-se da câmera cronofotográfica que Marey e seu auxiliar Georges Demeny desenvolvem na recém-inaugurada Estação Fisiológica, em Paris, onde trabalham com experiências científicas diversas, registrando movimento.
1.8 – A partir de 1888, com a introdução do suporte móvel no registro e, principalmente, a partir de 1890 com o suporte celulóide (sic) e a câmera cronofotográfica à película, já existe um nível de definição bastante satisfatório na apreensão fotográfica de movimentos diversos [...] seguido da projeção do mesmo movimento, em 1891, com o projetor cronofotográfico. As filmagens realizadas por Georges Demeny, no início dos anos 1890, são efetivamente impressionantes pela nitidez na reprodução do movimento.
1.9 – Thomas Edison apresenta uma primeira versão do quinetoscópio (visor individual de imagens móveis), que só seria explorado comercialmente em 1894 com a construção de um estúdio, o Black Maria, para captação de imagens. A câmera do quinetoscópio, chamada de quinetógrafo, era pouco ágil e muito grande, necessitando de condições especiais para seu aproveitamento pleno, geralmente, ambientes fechados.  (p. 142)
2 – A singularidade da imagem cinematográfica, tomando-se por base o ano de 1895 e a máquina Lumière, não localiza-se (sic), portanto, na questão da reprodução do movimento fotográfico  mas na conjunção de uma série de fatores estéticos e econômicos que delineiam, de maneira espantosamente precisa, os futuros contornos imagéticos da reprodução e da exploração da representação do movimento em sua duração.  (p. 142)
2.1 – A historiografia tradicional localiza na projeção ampliada da imagem a principal deficiência do quinetoscópio  que teria sido vencida pelo cinematógrafo Lumière.
2.2 – Mais do que a projeção da imagem em sessão paga (que os irmãos Max e Emile Skladonowsky, entre outros pioneiros menos documentados, já haviam realizado na Alemanha em 1º de novembro de 1895), talvez possamos localizar o salto qualitativo da imagem móvel cinematográfica em outro degrau.
2.3 – Ao operacionalizar projetor e câmera em um mesmo pequeno e portátil aparelho os irmãos Lumière não só compuseram a fruição que seria a do espectador cinematográfico durante décadas [...], mas permitiram igualmente que a máquina-câmera tivesse condições para ocupar o lugar que seria o seu dali em diante: solta e imiscuída no mundo, extraindo do espetáculo a interação com o que lhe é exterior, sua primeira fonte de atração.
2.4 – Mais do que inventores de algo indefinido chamado cinema, Louis Lumière e seus operadores talvez tenham sido os primeiros cineastas, os primeiros fotógrafos do movimento, explorando com incrível agilidade as potencialidades estéticas da imagem-câmera produtora de imagem móvel e inaugurando um padrão imagético: movimento em profundidade de campo, primeiros planos, entrada e saída de campo e, mais do que tudo, um enquadramento refinado. (p. 143)
2.5 – Estes procedimentos fazem com que A Chegada do Trem na Estação de Ciotat seja pioneiro, não do cinema como nova imagem (o que efetivamente não foi, tendo sido produzido, provavelmente, já em 1896), mas pioneiro de uma estilística da imagem que já explora com agilidade as principais potencialidades estéticas proporcionadas pelo movimento com relação ao quadro em que se insere. Nas imagens Lumière encontramos finalmente as condições técnicas para a expressão do fascínio do movimento do mundo, já com o peso pleno de sua abertura para a indeterminação do transcorrer. O que surge na tela para os espantados espectadores é aquilo que nunca se viu antes, naquela forma: rolos de fumaça, grandes massas em movimento, velocidade, carros, transeuntes, ruas habitadas, faces e expressões familiares, paisagens remotas e insólitas, e mais do que tudo, movimento, o gosto pelo espanto provocado pelas formas inauditas do movimento.
2.6 – O que irá atrair o espectador não será apenas a imagem fotográfica deste mundo dotado de movimento mas os efeitos sensacionais deste movimento manipulado. Em outras palavras, a principal atração, neste primeiro momento, parece ser as potencialidades da câmera na reprodução e na variação do movimento daquilo que lhe foi exterior.
3 – É nesse quadro que podemos delinear a singularidade da imagem cinematográfica no campo imagético, em continuidade com outras imagens-câmera: dentro da abertura (que é a abertura da lente expondo o suporte) para as formas da vida e sua duração, conforme são experimentadas pelo sujeito, a partir de seu corpo, em interação com a exterioridade a que chamamos mundo. Abertura esta que se dá a partir de uma imagem que possui fortes traços analógicos, com evidentes similaridades, no contorno de suas formas, para com imagens especulares. Esta imagem, que imprecisamente denominamos cinematográfica, deve ser entendida como determinada em suas particularidades estruturais pela máquina através da qual é produzida (a câmera), em interação com a máquina que a veicula (o projetor ou aparelho exibido), evidentemente a partir do estilo criativo dos sujeitos que manipulam esta matéria-prima. (p. 144)
3.1 – Cinema é um denominação imprecisa pois restringe-se à forma fílmica (imagens, com estatuto ficcional ou não, exploradas através de uma disposição narrativa com um padrão predeterminado de duração), não tematizando as potencialidades da imagem-câmera que devemos pensar a imagem-câmera fílmica, pois muito de suas potencialidades advêm estruturalmente do material mesmo que a constitui. Em outras palavras, advêm da maneira através da qual a mediação da câmera conforma seus traços.
3.2 – Uma característica própria a esta imagem é, neste sentido, a constituição em bloco dos traços da imagem (o espaço do instante configurado em todos os seus elementos conjuntamente, em cada simultaneidade), a partir de uma situação de mundo, anterior ou simultânea à exibição, situação esta que denominamos tomada.
4 – Esses elementos são decorrência da natureza mais íntima da máquina que compõe a imagem-câmera e farão com que o cinema sinta em relação às artes modernas a conformação pictórica dominante no século XX, um nítido complexo de inferioridade. (p. 144)
4.1 – Complexo sobre o qual debatem-se (sic) a quase totalidade dos teóricos do cinema mudo ao tentarem afirmar o cinema como arte “pura” (e não como imitação da natureza), atacando, simultaneamente, a questão da especificidade (cinema não é teatro, não é literatura, etc.) e da semelhança surpreendente entre o automatismo na conformação da imagem-câmera e as formas reflexas, conforme emergem no mundo.
4.2 – A teoria do cinema francesa e americana dos anos 60 / 70 contém um misto de condenação “ontológica” de deficiências ideológicas da representação inerentes à natureza da imagem-câmera móvel, junto à esperança (e uma tábua normativa) de que procedimentos estilísticos possam contornar esta natureza da conformação câmera, em si mesma condenável. (p. 145)
4.3 – Entre os elementos expostos à forte condenação ideológica estão: a afirmação de uma noção de sujeito centrado e pontual que vem se conformar a partir de um ponto de vista privilegiado; a transparência do discurso, que esta imagem permite, acentuando a reificação da dimensão referencial da tomada; a negação da ênfase na reflexividade e na espessura do trabalho da representação que surge como inerente ao “dispositivo” cinematográfico; o fechamento quase-objetivo do universo representado que aparece constituído para além da incidência subjetiva em sua conformação, etc.
4.4 – Esse choque da consciência moderna com os traços [...] da forma câmera é antigo, podendo ser remontado aos vitupérios de Baudelaire, em meados do século XIX, contra a imagem fotográfica, sua forma perspectiva e a potencialidade de trazer o traço analógico do mundo como marca.
4.5 – [...] Esta conformação imagética, perspectiva e analógica, ironicamente destoa, em sua natureza mais íntima, do quadro ideológico que irá dominar a segunda metade do século XX e que se constitui a partir de um questionamento radical do sujeito todo-poderoso, seja como foco cognitivo exponenciando sua racionalidade, seja como ponto de vista a partir do qual a representação do mundo poderá se efetivar.
4.6 – A inserção da reflexão sobre a imagem cinematográfica no pensamento dominante de sua época (inserção que ocorre plenamente a partir dos anos 60-70, em particular dentro do chamado pós-estruturalismo francês, desembocando nas abrangentes análises deleuzianas dos anos 80), faz com que, muitas vezes, traços estruturais dessa imagem não possam ser tematizados com a abrangência e a relevância que lhe são devidos. (p. 145)
5 – O que Barthes busca [...] é foto que [...] seja não somente uma imagem qualquer mas “uma imagem justa”, a verdadeira, imagem que constitua e suscite não apenas a identidade da mãe mas sua verdade. Em suas palavras, “a ciência impossível do ser único”. Ser único, singularidade, que, para Barthes, somente a fotografia pode compor através da identidade e onde, pela dimensão do punctum, experiência pessoal do referente, vem delimitar a dimensão da verdade. (p. 146)
5.1 – É nessa conjunção entre experiência pessoal própria da figura da mãe e sua inserção naquilo que é particular à imagem fotográfica, que Barthes define o noema da fotografia como isso foi ou ainda é o que chama de intratável. (p. 147)
6 – Em artigo do início de sua carreira no qual aborda a imagem cinematográfica, Merleau-Ponty define com bastante precisão a inserção singular da câmera no mundo e suas consequências para a composição imagética: “uma boa parte da filosofia fenomenológica ou existencial consiste na admiração dessa inerência do eu ao mundo  e ao próximo, em nos descrever esse paradoxo e essa desordem, em nos fazer ver o elo entre o indivíduo e o universo, entre o indivíduo e seus semelhantes [...]. Pois o cinema está particularmente apto a tornar manifesta a união do espírito com o corpo, do espírito com o mundo, e a expressão de um dentro do outro.” (p. 147)
6.1 – Essa característica do que Merleau-Ponty chama “cinema”, de aderir ao transcorrer da duração em que o sujeito está imerso, leva a que a identificação sujeito-câmera (identificação aproximativa certamente, e que se concretiza no campo da fruição do espectador) se aproxime das condições de percepção que são próprios da sensação de vida. E é essa proximidade da imagem-câmera em movimento com as condições de percepção do sujeito em sua inerência ao mundo e sua abertura a outrem que irá permitir ao espectador fundar sua fruição em torno da noção de presença da câmera no campo da tomada.
6.2 – É esta mesma inerência ao transcorrer e à sensação do sujeito desse transcorrer como duração que irá fazer com que a imagem-câmera em movimento, em sua tradição cinematográfica, seja pensada, dentro do corte fenomenológico, como “imagem do presente”, ou, em outro corte teórico (Deleuze), como “imagem qualquer”.
7 – Albert Laffay [...] define o cinema como a arte do presente, na medida desta aderência da câmera ao transcorrer, em sua abertura para a causalidade e o indeterminado, próprios à forma do acontecer na franja da consecução temporal. Noção de presente na qual está necessariamente embutida a dimensão da presença, aí fundadora daquilo que pode ser definido como simultaneidade do ser à duração, a sobredeterminando. (p. 148)
7.1 – No entanto, Laffay irá opor ao cinema como presente, como mundo, como aderência ao transcorrer, o que ele chama de grande mostrador. Conceito caro a uma das mais fortes correntes contemporâneas da análise cinematográfica, a narratologia, o grande mostrador, é, segundo as palavras de Laffay, o “mestre de cerimônias” que vira as páginas da narrativa cinematográfica, a instância narrativa que assume a mostração das imagens através da câmera. Um dos maiores obstáculos ao trabalho de Laffay é a sobreposição conceitual entre a forma particular cinema narrativo e a imagem-câmera pensada em sua generalidade.
7.2 – Para fugir da amarração conceitual do termo cinema e dar à reflexão de ambos uma dimensão mais ampla, podemos trabalhar essa interessante ideia do cinema como arte do presente, frisando-a como característica própria à imagem-câmera móvel, entendida em sua aderência ao transcorrer, para, em seguida, analisar em que medida a tradição fílmica irá trabalhar e manipular estilisticamente as imagens a partir dessas potencialidades.
7.3 – A definição do cinema como arte do presente contém para Laffay uma dicotomia que faz com que a ideia a ele atribuída, do cinema como “eterno presente” possa ser vista como simplista. É na contradição entre “presente” e indeterminação, acaso (da imagem) e “arte” / relato (do cinema) que irá se constituir o que conceitualiza como os “dois polos do cinema”. (p. 149)
8 – Pier Paolo Pasolini distingue de um modo mais definido imagem em movimento e cinema, o que o leva a evitar algumas das confusões que Laffay vê-se enredado ao tematizar as potencialidades da imagem-câmera ao transcorrer, à duração. (p. 149)
8.1 – Para Pasolini, o conceito de cinema adquire uma consciência particular ao ser oposto à noção de morte, que é identificada ao filme propriamente dito. Especialmente atraído pela dimensão cinema da imagem, pela tomada em sua adesão plena ao transcorrer, Pasolini possui belos trechos escritos onde analisa o cinema de vanguarda americano dos anos 60, e a tendência de alguns diretores em trabalhar com planos longuíssimos.
8.2 – Contra o cinema eleva-se então o filme, que “mata” através do corte, da montagem, dissipando a presença que se abre para o indeterminado sempre renovado e presente, do mesmo modo que para o sucessivo uniforme. O filme é a morte e o sentido, corte do plano-sequência infinito que dá significância à abertura inconclusa. Esta, enquanto permanece aberta, como cinema, é indeterminada e insignificante.
8.3 – Fazer cinema (e não filme), diz o diretor em uma definição particularmente inspirada, “é escrever sobre papel que queima.” A morte no fechamento da abertura do cinema ilumina retrospectivamente o plano-sequência, agora finito, fazendo com que “a linguagem da ação” possa fechar-se sobre si mesma compondo significância.
8.4 – Morrer, então, para o autor, “é absolutamente necessário, pois, enquanto estivermos vivos nos falta sentido”, a morte “compõe uma montagem fulgurante de nossa vida [...] e é graças a ela que nossa vida pode servir para nos exprimir”. Na relação entre cinema e filme, para Pasolini, está contida a abertura infinita da imagem-câmera para o presente e o sentimento trágico da finitude da vida, ao qual, como consolação, corresponde o corte de significado. Entre sentido e vida o cinema é, no limite, uma experiência impossível. É na contraposição desta impossibilidade que Pasolini intui tragicamente a dimensão do “seu” plano-sequência, e a maneira brusca e cristalizadora pela qual o findou. (p. 150)
9 – A potencialidade da imagem-câmera em aderir ao transcorrer pode ser compreendida em toda sua dimensão ao adicionarmos, à forma particular de inserção da câmera no mundo, a aparência com traços especulares de sua forma. É ela que faz com que sejam transferidas intuitivamente para a imagem-câmera potencialidades de designação referencial próprias à imagem reflexiva. Há todo um pensamento que tematiza o cinema sob o impacto dessa proximidade. (p. 150)
9.1 – [...] Para alguns dos chamados “impressionistas franceses” essa disposição particular dos traços da imagem-câmera, aliada à sua inserção no transcorrer, faz com que o mundo surja transfigurado, exponenciando uma intensidade. Para designar esta intensidade, Jean Epstein dizia que o cinema é como um vulcão. Imagem por excelência adequada para designar o vibrar da natureza que surge transfigurada na imagem, caracterizando a novidade que apresenta para a sensibilidade estética da época.
9.2 – Louis Delluc cunha o termo fotogenia para designar o efeito da intensidade: deslumbre, frisson, espanto. [...] Animismo e fotogenia são elementos centrais dessa nova representação do mundo. (p. 150)
10 – Anos mais tarde, Edgar Morin, em “Le Cinéma ou L’Homme Imaginaire”, irá descrever com outra ênfase essas potencialidades. Nos anos 50, toda uma tradição crítica forma-se pensando essa questão da grande alma do mundo na transfiguração da imagem- câmera. (p. 151)
11 – A manipulação das formas com aparência especular, que havia detonado o já mencionado animismo na vanguarda dos anos 20, surge então aqui dentro de uma temática que tem o cristianismo no horizonte e que lida com a produção de Alfred Hitchcock, Roberto Rossellini, Robert Bresson e Carl Dreyer. É assim que Rohmer pode afirmar que “talvez por ser, entre as artes da imitação, o mais rudimentar, o mais próximo da reprodução mecânica, o cinema pode apreender mais detidamente a essência metafísica do homem e do mundo.” (p. 53)
12 – Essas potencialidades singulares da imagem-câmera adquirem relevo particular quando, à intensidade animista, vêm se sobrepor a dimensão do extraordinário. (p. 153)
13 – Tematizando esta particular intensidade da imagem-câmera dois autores da geração “anos 60” do Cahiers du cinéma, Pascal Bonitzer e Serge Daney, publicam, em março de 1972, artigo intitulado “L’Écrau du Fantasme”. [...] O artigo problematiza [...] a dimensão traumática aberta pelo trago imagético que a presença da câmera na circunstância da tomada determina.  (p. 155)
13.1 – Abordando um tema ao qual retornará outras vezes Bonitzer define de maneira crítica o que chama de paradigma da fera, “uma das metáforas mais radicais do real”. Presente no núcleo da sensibilidade baziniana, este paradigma determina uma estética que é antes de tudo uma ética da imagem em face da circunstância da tomada. Pode ser definida no paradoxo que impõe um limite à conformação da imagem-câmera traumática: “foi a câmera que ‘devorou’ a fera, mas poderia ter sido o contrário, a fera poderia ter devorado o câmera e o diretor”. Neste intervalo, ou na ameaça de sua concretização, situa-se a fruição do espectador. Seu fantasma, continua Bonitzer, “é ser o diretor; é ele que flui o Aufhebung [preservar ou elevar / movimento de transformação que acontece no fluxo temporal: grifo meu] desta luta mortal.”
13.2 – Metáfora da presença na circunstância da tomada e de seu traço na imagem, traz em si efeito amplo. De um lado traz o frisson: por exemplo, a comicidade da unidade espacial, a “marca” da fera, Chaplin e o leão na jaula. De outro, o dilema que traz seu limite, a imagem impossível: o selvagem cortador de cabeças que deixa de ser selvagem se não corta a cabeça do operador da câmera.
13.3 – Entre os dois delineia-se a posição do espectador (as fronteiras do campo onde pode manter sua posição espectorial) e uma ética da imagem. (p. 155)
14 – Em um texto já bem posterior, publicado nos anos 80, Bonitzer volta a utilizar um termo [...] cunhado por André Bazin para trabalhar com este paradoxo: o complexo de Nero. (p. 155)
14.1Definidor da fruição estética da imagem traumática, da imagem que dilata a máximo o “grau do real”, “excedendo toda figuração”, o complexo de Nero remete-nos à voracidade do espectador face a uma imagem onde “não basta mais caçar o leão, se ele não come os caçadores”, ou, em última instância, se não come a câmera. (p. 156)
15 – A intensidade baziniana da imagem, e o relacionamento privilegiado que o crítico mantém com este tipo imagético, só podem ser compreendidos se analisarmos o paradigma da unidade espacial a partir do que Bazin chama complexo de múmia. Recorte temporal do espaço unitário, figura da subjetividade espectoral que circunda e sobredetermina a ontologia da imagem baziniana, o complexo de múmia e a obsessão em preservar compõem o quadro em que a intensidade emerge e á fruída pelo espectador. (p. 158)
15.1 – É a partir desta potencialidade da imagem-câmera [...] que podemos ver emergir a intensidade e a transfiguração do real própria a esta forma imagética. É o saber do espectador (o saber da tomada) e sua obsessão – e não a imagem analógica – que diz ser este traço tremido índice de perigo, signo quase abstrato. 
16 – [...] Não se trata [...] de uma norma, mas de uma melancolia do espectador Bazin, face ao conflito insolúvel entre a intensidade preservada (singularidade no tempo exponenciada pela unicidade absoluta do morrer), e a “contradição” da infinita e banal reprodutibilidade da técnica, que adequa-se (sic) à capacidade da máquina-câmera em aderir ao transcorrer uniforme, como imagem-qualquer. Qualquer determinado então duplamente pela natureza infinita da reprodução própria à máquina, que parece poder coincidir, em sua natureza de formadora mecânica de imagens, com a banalidade os instantes quaisquer que se sucedem na uniformidade cotidiana. (p. 159)

16.1 – Estamos novamente face à natureza particular da imagem-câmera na representação do extraordinário, e os dilemas estilísticos que a envolvem. É aqui que Daney proíbe os maneirismos, os travellings e as fusões, que Bazin sente a necessidade de um limite no mostrar e opta pela elipse disfarçando seu olho guloso, que Pasolini estabelece a morte como elemento limítrofe do cinema, que Bonitzer é ácido para com a voracidade do tipo Nero tentando delimitar um campo espectoral, que Barthes é o poeta melancólico da intensidade e de seu efeito. É importante frisar que o efeito traumático não se reduz à imagem violenta mas configura-se, de maneira mais ampla, na gama de transfigurações abertas pela presença da câmera na circunstância da tomada. É dentro deste campo que se expressa a reação do espanto epsteiniano face às novas formas do mundo transfigurado, a melancolia face a preservação do traço e a tensão espectorial aberta pela intensidade traumática que estoura a espessura da significação. Elementos que delineiam o leque restrito, mas ainda pouco estudado, das potencialidades da conformação imagética que tem seus traços – e na circunstância de sua composição – a marca da mediação dessa máquina de imagens que denominamos câmera". (p. 60)


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

ARCADISMO NO BRASIL (PARTE III)

"Um verão pastoral", de François Boucher

MOMENTO SOCIOCULTURAL:

  • O CENTRO SOCIOECONÔMICO DA COLÔNIA DESLOCA-SE DO NORDESTE PARA O CENTRO-SUL, DEVIDO À DESCOBERTA DE OURO E DIAMANTES EM MINAS GERAIS;
  • OCORRE UM SURTO DE URBANIZAÇÃO EM MINAS E RIO DE JANEIRO (QUE SE TORNA A NOVA CAPITAL DA COLÔNIA) E AUMENTA O NÚMERO DE INTELECTUAIS;
  • INFLUENCIADA PELAS IDEIAS ILUMINISTAS E PELA REVOLUÇÃO FRANCESA, OCORRE A INCONFIDÊNCIA MINEIRA, REBELIÃO QUE INTENTAVA A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL. 

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS:

  • O ARCADISMO OPÕE-SE AO BARROCO, PROCURA ELIMINAR DA ARTE OS EXCESSOS PRATICADOS PELA LITERATURA BARROCA. ESSE OBJETIVO PRODUZIU UMA ARTE SIMPLES, SEM EXAGEROS FORMAIS, QUE PRETENDIA RETRATAR A NATUREZA DE MODO DIRETO. OUTRA MARCA DO ARCADISMO É O BUCOLISMO (EXALTAÇÃO DA VIDA NO CAMPO, IDEALIZADA COMO TRANQUILA E FELIZ).
  • USOU DA MITOLOGIA CLÁSSICA E DOS PRINCÍPIOS RENASCENTISTAS: RACIONALISMO, EQUILÍBRIO, CLAREZA. 

AUTORES E OBRAS:

  • CLÁUDIO MANUEL DA COSTA: PARTICIPANTE DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA, PRODUZIU "OBRAS POÉTICAS" (1768) E O ÉPICO "VILA RICA" (1839);
  • TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA: OUTRO POETA QUE PARTICIPOU DA INCONFIDÊNCIA, REALIZOU OBRAS MUITO INFLUENTES, COM DESTAQUE PARA "MARÍLIA DE DIRCEU" (1792);
  • BASÍLIO DA GAMA: ESCREVEU "O URAGUAI" (1769), POEMA ÉPICO QUE CRITICA OS JESUÍTAS E ENALTECE O MARQUÊS DE POMBAL;
  • FREI JOSÉ DE SANTA RITA DURÃO: ESCREVEU O "CARAMURU" (1781), POEMA ÉPICO QUE SEGUIU A ESTRUTURA DE CAMÕES E QUE CONTA A HISTÓRIA DE DIOGO ÁLVARES DE CORREIA, PIONEIRO NA COLONIZAÇÃO DA BAHIA.

Cláudio Manuel da Costa

Tomás Antônio Gonzaga


Basílio da Gama


Santa Rita Durão


RESUMO DA OBRA "O URAGUAI", DE BASÍLIO DA GAMA

"A morte de Lindoia" (1882), de José Maria de Medeiros

O poema de Basílio da Gama trata da expedição do governador do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade - herói do poema -, que destruiu as missões jesuíticas espanholas do rio Uruguai, rebeladas contra o Tratado de Madri. Esse tratado estabelecia a troca do território espanhol dos Sete Povos das Missões pela colônia portuguesa do Sacramento. O acontecimento central do poema é a Batalha do Caaibaté, em 1756, em que morreram 1500 dos 1700 índios que dela participaram. 
          O poema exalta o herói português, mas permite a seus inimigos vencidos, os indígenas, a crítica ao processo de colonização. Os vilões da história são os padres jesuítas, personificados de forma caricatural na figura do terrível Padre Balda (alguns autores acusam Basílio de oportunismo: o poema, dedicado ao irmão do Marquês de Pombal, teria sido escrito para afastar as suspeitas de jesuitismo que pesavam sobre o poeta). 
          Os trechos mais belos e mais interessantes referem-se aos índios. Alguns deles, como na narração da morte de Cacambo, assassinado por Balda, e a do desespero e suicídio de Lindoia, dão um tom lírico ao poema e podem ser classificados como prenúncios românticos em pleno Arcadismo. 
          Basílio da Gama introduziu uma série de inovações ao modo camoniano, que se impunha à imitação neoclássica. Enquanto no modelo camoniano são percebidos dez cantos, estrofes de oito rimas e um esquema de rimas ABABABCC, em "O Uraguai" Basílio da Gama realiza apenas cinco cantos sem divisão estrófica e versos decassílabos brancos. 
          A estrutura do poema atende aos seguintes elementos:

1 - Introdução
  • Abertura (Canto I, versos 1 a 5);
  • Invocação e Proposição (Canto I, versos 6 a 9): Invocando a musa, a voz épica propõe-se a honrar o herói, que subjugou os índios do Uruguai e vingou a afronta dos jesuítas às determinações do rei de Portugal;
  • Dedicatória (Canto I, versos 21, ao Canto V, verso 139): O poema é dedicado a Mendonça Furtado, ministro da Marinha e Ultramar, irmão do Marquês de Pombal.

2 - Narração (Canto I, verso 21, ao Canto V, verso 139).

3 - Peroração (Canto V, versos 140 a 150).




                                                                                                                                                                           

sábado, 16 de novembro de 2013

A PROPÓSITO DO ANIVERSÁRIO DA ESCRITORA RACHEL DE QUEIROZ (17/11/1910 - 04/11/2003)


Outro dia alguém me fez a pergunta que eu menos gosto de escutar em se tratando de Literatura: qual é seu escritor preferido? Eu simplesmente não sei quem é, porque cada escritor consegue, por meio de uma obra ou outra, permanecer afetivamente em minha memória. Determinar quem é o maior ou o melhor escritor, para mim, não me parece tarefa agradável, fácil e necessária. 

Não é preciso viver no mundo e hierarquizar tudo, como tantos fazem. Querem compartimentar, eleger, determinar, ordenar até os gostares literários de que nos valemos para suportar esta existência insustentável. Dizer que prefiro um escritor é preterir um outro, e isto não é gesto de quem se tornou melhor através das tantas leituras realizadas.

Houve uma época em que, se alguém me perguntasse quem era o meu escritor favorito, eu, tão ingênuo quanto incapaz de discernimentos, respondia que não era um escritor o meu favorito, mas uma escritora. A escritora era Rachel de Queiroz. 

Não deixei de amá-la com amor devoto, apenas consegui, com o tempo, libertar-me dos rótulos que eu mesmo criara para mim - ou para ela?

Sabe como foi que Rachel de Queiroz, a escritora cearense que o Brasil reconhece como uma das maiores da nossa Literatura, me foi apresentada? Foi através de um livro de Literatura Brasileira direcionado ao Ensino Médio, de José de Nicola.

Comprei, ainda no Ensino Fundamental, de um colega o citado livro e, ao abrir nas páginas concernentes ao Modernismo, vi a fotografia de uma senhora de riso largo cujo nome era igual ao da minha bisavó materna, a quem eu admirava e respeitava com sofreguidão. Depois, li um fragmento de uma obra intitulada "O Quinze" que, segundo o autor, havia sido escrito por aquela senhora ainda quando esta era uma moça com seus vinte anos. Fiquei fascinando porque, no resumo, a protagonista vivia um dilema: casar, ter filhos e cuidar do marido, conforme outorga a sociedade pautada em conservadorismos, ou emancipar-se, estudar e viver sozinha por estar certa de que nem sempre é possível encontrar em outrem aquilo que poderia aquiescer a alma? Além do tal dilema, havia uma realidade mais grave a irromper daquela obra: uma família paupérrima, sofrida e sem solução, ante as agruras da seca, precisaria, em retirada, buscar novas possibilidades de vida longe da sua terra.

Aquele enredo, sem que eu possa dar explicação ampla, me comoveu profundamente. Um ano após buscar incessantemente aquele livro, uma grande amiga o encontrou para mim e emprestou-me. Eu o apertei nas mãos como se dissesse a mim mesmo que eu seria sempre recompensado por dispor de persistência. Ser persistente foi, devo destacar, uma necessidade maior ao longo de minha vida às vezes áspera como alguns cenários em que Rachel de Queiroz atirou suas personagens.

Eu poderia ter lido "O Quinze" numa tarde, mas protelei o término... Durante duas tardes eu, com os olhos petrificados, li a primeira obra literária que, profundamente, me apresentou a pungência, a solidão, a impotência, a fragilidade, o desespero do ser humano. Nunca mais eu vi o que se convencionou chamar Literatura da mesma forma. 

Por isto Rachel de Queiroz tornou-se a minha escritora preferida. Vieram outras leituras valorosas e epifânicas e envolventes com ares bem superiores em relação à obra "O Quinze", mas justiça seja feita: foi Rachel de Queiroz quem primeiro me tirou da caverna obscura do ser e apresentou-me resquícios de luz - a luz que ela me apresentou, em verdade, era de um sol vermelho e causticante que queima rancorosamente a pele dos homens em épocas de estiagem. 

E até hoje as personagens tão humanas quanto frágeis dessa obra me percorrem. Não sou mais o abobalhado que segurou aos prantos um livro emprestado por uma amiga memorável, mas basta abrir as páginas do romance "O Quinze" novamente e as emoções ressurgem - claro que elas foram acrescidas de um olhar mais crítico, porém nunca serei capaz de ler esta obra sem derramar sobre ela as minhas fragilidades mais sentidas.

Eu li todas as obras romanescas e as peças de teatro de Rachel de Queiroz. Realizei trabalhos acadêmicos sobre algumas delas. Fui pouco racional ao superestimar algumas características pertinentes à autora, também a coloquei num pedestal que ela mesma não aceitaria ser colocada. Decorei trechos de alguns livros, colecionei artigos que discorriam sobre ela e sua obra, guardei fotografias de livros e revistas e divulguei muito seu nome. Conheci suas virtudes literárias e pessoais. Conheci, também, suas falhas e transgressões. Percebendo-a humana, a compreendi e a aceitei melhor, sobretudo aprendi com ela que nem só de encômios deve viver um autor.

No mais, a propósito de sua obra, Maria Moura - e disto eu não abro mão - é a personagem por excelência de Rachel de Queiroz. Maria Moura me ensinou uma frase que tem sido repetida internamente com rigor: "Nesta vida, quem não briga pelo que quer se acaba". Eu a invoco quando quero confrontar aquilo de que tenho medo - como eu poderia imitar tamanha força! 

Quando Rachel de Queiroz faleceu, alguns dias antes do seu aniversário, em 2003, eu prestava Serviço Militar. Ainda fardado, fui entrando na casa de minha bisavó - cujo nome também era Rachel - e a encontrei sentada à frente da televisão fazendo trança de chapéu de carnaúba. Ao lado dela, minha tia foi logo divulgando a notícia funesta... Rachel de Queiroz havia falecido - foi divulgado em todos os jornais de emissoras abertas do país e em vários jornais do exterior. O Ceará de luto, também o Rio de Janeiro. A Língua Portuguesa de luto. E eu, que desejava um dia encontrá-la, tirei-o-cavalo-da-chuva e tentei me controlar. Lembro-me do barulho do meu coturno ecoando no corredor da casa da minha bisavó - saí às pressas para escrever, naquela manhã, um texto elegíaco sobre a autora que me tirou, para sempre, da escuridão intelectual.   

Sempre que é necessário, recorro ao que Rachel de Queiroz, no livro "O Quinze", me disse um dia: "A gente precisa criar seu ambiente, para evitar o excessivo desamparo... Suas ideias, suas reformas, seu apostolado... Embora nunca os realize... nem sequer o tente... mas ao menos os projete, e mentalmente os edifique."

Texto de: Émerson Cardoso
15/11/13

OBRAS DA AUTORA:




















quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A GRANDEZA DA MÚSICA


O QUE É MÚSICA?
Qualquer definição de música passa pela noção de tempo. A música só existe em “movimento pelo tempo”, e sua matéria-prima são os sons. Um som só existe em relação ao silêncio. Daí chegamos à definição de que música é uma organização de sons e silêncios no tempo. Para criar uma sequência de sons, precisamos dos silêncios, e assim nasce o ritmo.

SONS E MELODIA
O som tem alturas diferentes: graves, como, por exemplo, uma buzina de navio; médios, como uma pessoa falando; e agudos, como o canto de um passarinho. Com as diferentes alturas do som criamos a melodia. Com melodia e ritmo temos a base de uma música.

CARACTERÍSTICA DO SOM
Duração: quanto tempo dura um som, se é longo ou curto, de demora para acabar ou acontece muito rápido;
Intensidade: o mesmo que volume, indica se o som é “alto” ou “baixo”.
Altura: grave/agudo, o som “grosso” e o “fino”, as frequências, o espectro auditivo.
Timbre: “a cor” ou a “personalidade” do som, o que nos faz distinguir os diferentes instrumentos e vozes.


COMPONENTES DA MÚSICA
Ritmo: é a pulsação e também o tempo em que as coisas acontecem numa música.
Harmonia: é o acompanhamento da melodia por algum instrumento ou outras melodias paralelas que venham a completar ou se contrapor à melodia principal.
Melodia: é qualquer sequência de notas musicais organizada. Temos em geral numa música uma melodia principal e outras secundárias.

PRÁTICAS EDUCACIONAIS

1.      Musicalização
2.      Percepção auditiva
3.      Teoria musical
4.      História da música
5.      Prática vocal
6.      Prática instrumental
7.      Composição e Regência


MÚSICA ERUDITA
A música tradicionalmente dita como "culta" e, no geral, mais elaborada. É erroneamente conhecida como "música clássica", pois a música clássica real é a música produzida levando em conta os padrões do período musical conhecido como Classicismo. Alguns consideram que seja uma forma de música superior a todas as outras e que seja a real arte musical. Porém, deve ser lembrado que mesmo os compositores eruditos várias vezes utilizaram melodias folclóricas como um elemento importante de suas músicas (como Villa-Lobos). Os gêneros eruditos são divididos sobretudo de acordo com os períodos em que foram compostos, ou pelas características predominantes.


MÚSICA POPULAR
Música associada a movimentos culturais populares. Conseguiu se consolidar apenas após a urbanização e industrialização da tornou-se o tipo musical icônico do século XX. Se apresenta atualmente como a música do cotidiano, tocada em shows e festas, usada para dança e sociabilização. Segue tendências e modismos e, muitas vezes, é associada a valores puramente comerciais. Ao longo do tempo, incorporou diversas tendências vanguardistas e incluiu estilos de grande sofisticação. É um tipo musical frequentemente associado a elementos extra-musicais, como textos (letra de canção), padrões de comportamento e ideologias. É subdividida em incontáveis gêneros distintos, de acordo com a instrumentação, características musicais predominantes e o comportamento do grupo que a pratica ou ouve.


MÚSICA FOLCLÓRICA
Música folclórica ou nacionalista, está associada a fortes elementos culturais de um grupo social. Tem caráter predominantemente rural ou pré-urbano. Normalmente é associada a festas folclóricas ou rituais específicos de uma comunidade. Pode ser funcional (como canções de plantio e colheita, ou a música das rendeiras e lavadeiras). Normalmente é transmitida por imitação e costuma durar décadas ou séculos. Incluem-se neste gênero as cantigas de roda e de ninar. 


MÚSICA RELIGIOSA
Utilizada em liturgias (como missas e funerais) pode ser usada também para ocasiões de adoração e momentos de oração. Cada religião possui formas específicas de música. Como exemplo, temos: a música sacra católica, a música gospel das igrejas evangélicas, a música judaica, os tambores do candomblé e de outros cultos africanos e o canto do muezim, no Islamismo. 



PROFISSÕES
      Músico
      Intérprete
      Cantor
      Instrumentista
      Compositor
      Arranjador
      Maestro
      Produtor musical
      Professor
      Musicólogo
      Luthier

O QUE É MUSICOLOGIA?
Musicologia é o estudo científico ou mesmo a ciência da música. Considera-se musicologia a atividade do musicólogo enquanto ofício do pesquisador em música, diferenciando-se das outras duas grandes áreas da música: a invenção (ofício do compositor) e a interpretação/performance (ofício do instrumentista, cantor ou regente).
É possível que o primeiro a desenvolver atividades que hoje podemos entender como musicológicas tenha sido Aristóxono de Tarento (século IV a. C.). Segundo Aristóxono, em seus Elementos da Harmonia, a música é ao mesmo tempo arte e ciência. A musicologia estuda as amplas perspectivas históricas, antropológicas e estético-poéticas da música, abrangendo tanto questões técnico-operativas como filosóficas da música.
Também fazem parte da tarefa musicológica a notação em suas relações evidentes com a percepção musical, a organologia ou estudo dos instrumentos musicais e a fisiologia aplicada à técnica dos instrumentos e seu desenvolvimento, métodos didáticos, acústica e, por fim, toda possibilidade de teoria musical e suas várias disciplinas, tais como harmonia, contraponto, linguagem e estruturação, incluindo-se as referências internas dos parâmetros musicais (altura, duração, intensidade e timbre).
O musicólogo também analisa as questões musicais tendo-se em vista as referências externas à música. Assim, para se entender os complexos desdobramentos da atividade musical é necessário também abordar suas incontornáveis implicações sociais e ideológicas.

LENDO UM POUCO SOBRE MÚSICA...
KEITH, Swanwick. Ensinando música musicalmente. Trad. de Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São Paulo: Moderna, 2003. 
Às vezes a música tem o poder de nos alçar do ordinário, de elevar nossas experiências além do dia a dia e do lugar comum. Para muitas pessoas, a música desperta o que tem sido chamado, frequentemente, de experiências “estéticas”. Mas que espécie de experiências são essas? E como podem músicos e professores ajudar público e alunos por meio da possibilidade de tal “perfeição”? [...] A menos que tenhamos uma clara visão da natureza potencial e do significado da música, é pouco provável que nossa performance e ensino sigam muito mais adiante. (2003, p. 19)
     A estética tende a ser definida por uma multiplicidade de maneiras, e é muito frequente uma confusão insatisfatória de conceitos distintos, incluindo o estético, o artístico e o afetivo. Por exemplo, Bennett Reimer vê o estético, o artístico e o intrínseco como permutáveis (Reimer 1989, p. 13), enquanto Peter Abbs vê a experiência estética como aqueles encontros que são altamente memoráveis ou irresistivelmente afetivos. Se levarmos em conta a visão de que existe uma espécie particular de experiência chamada de estética, então estaremos, provavelmente, colocando todas as artes juntas nessa categoria geral. É assim para Peter Abbs, que defende a ideia de “uma comunidade genérica” das artes. A comunidade estética possui três características que a distinguem de outras áreas da atividade humana, segundo Abbs (1994, p. 92):

1.      Todas as artes “criam formas expressivas de vida”.
2.     Todos os seus significados “dependem sobretudo de suas construções formais e não podem ser extraídos ou traduzidos sem uma perda significativa.”
3.      Requerem “não uma resposta crítica, mas uma resposta estética – uma resposta por meio dos sentimentos, dos sentidos e da imaginação". (2003, p. 19)

GRANDES COMPOSITORES 



BACH
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750) – Compositor alemão nascido em Eisenach, numa família de músicos, Bach dedicou-se a vida toda a atividades musicais – como compositor, professor e instrumentista – e é considerado um dos mais virtuoses do órgão que se conhece e um mestre na arte do contraponto. Músico de inspiração religiosa e de estilo principalmente barroco, Bach escreveu músicas, oratórios, cantatas e paixões, música para órgão e cravo – seus instrumentos favoritos – e música orquestral. (105)

BEETHOVEN
Ludwig van Beethoven (1779 – 1827) – Compositor alemão – talvez o maior compositor de todos os tempos – cuja obra representa uma espécie de transição entre os moldes clássicos do século XVIII e o romantismo do século XIX. Sua obra pode ser subdividida em três fases. Na primeira, desenvolveu várias músicas semelhantes às de seus antecessores. Na terceira, já completamente surdo, cria uma música interiorizada, abstrata, quase mística. (p. 113)

TCHAIKOVSKY
Piotr Ilitch Tchaikovsky (1840 – 1893) – Compositor russo de música romântica. Seu trabalho assimilou elementos da música ocidental e aspectos da tradição folclórica russa. Sua obra revela o caráter emotivo, temperamental e periodicamente depressivo, chegando por vezes a um sentimentalismo melancólico. Admirada por alguns, desprezada por outros, pode-se dizer que sua obra é desigual, pois a ela falta uma linha mestra definida. Escreveu sinfonias, concertos, música instrumental e música de dança – a mais conhecida é o balé “O Quebra-nozes”. (p. 112)

STRAVINSKY
Igor Feodorovitch Stravinsky (1882 – 1971) – Compositor russo, posteriormente naturalizado norte-americano, que revolucionou as concepções musicais do Ocidente. A obra desse pianista, regente e compositor se caracteriza pela disposição não emocional, arromântica, pela valorização do ritmo como elemento vital, pela objetividade, pelo emprego de dissonâncias e pela ampliação das concepções tonais. Escreveu óperas, concertos, sinfonias, músicas para balé e música instrumental. (p. 111)
PROKOFIEV
Sergei Sergeivitch Prokofiev (1891 – 1953) – Compositor russo muito versátil e pianista brilhante, cuja obra é marcada pela originalidade e pela fantasia. Sua música, considerada de vanguarda, caracteriza-se por um lirismo tipicamente russo, pelo humor satírico e pelo dinamismo exaltado. Existem controvérsias quanto ao mérito de suas últimas composições, escritas segundo os ditames da Rússia soviética. Compôs música dramática, orquestral, de câmara, vocal e para piano. (p. 100)
MOZART
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791) foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico que mostrou uma habilidade musical prodigiosa desde sua infância. Já competente nos instrumentos de teclado e violino, começou a compor aos cinco anos de idade. Foi autor de mais de seiscentas obras, muitas delas referenciais na música sinfônica, concertante, operística coral e pianística.
CHOPIN
Frédéric Chopin (1810 – 1848) foi um compositor polaco radicado na França. Toda sua obra inclui o piano como instrumento central. Sua música é tecnicamente exigente, mas seu estilo, no geral, enfatiza mais a dança e a profundidade expressiva do que o virtuosismo técnico. Ele inovou com novas formas musicais, como a balada, e introduziu significantes inovações nas formas existentes, como a piano sonata, a valsa, o noturno, o estudo, o improviso e o prelúdio. Alguns citam suas obras como "os principais pilares" do Romantismo na música erudita do século XIX.
VIVALDI
Antonio Lucio Vivaldi (1678 – 1741) foi um grande compositor e músico italiano do estilo Barroco tardio. Era um sacerdote católico e compôs 770 obras, entre as quais 477 concertos e 46 óperas. É sobretudo conhecido popularmente como autor da série de concertos para violino e orquestra Le quattro stagioni ("As Quatro Estações").
JEANDOT, Nicole. Explorando o universo da música. São Paulo: Scipione, 1997.

GRANDES MÚSICOS BRASILEIROS 

     

José Maurício Nunes Garcia (1767 – 1830)
     

Francisca Edwiges Neves Gonzaga (Chiquinha Gonzaga – 1847 – 1935)
     

Carlos Gomes (1836 – 1896)


Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959)

     Alfredo da Rocha Vianna Filho (Pixinguinha – 1898 – 1974)
Luiz Gonzaga do Nascimento (Luiz Gonzaga – 1912 – 1989)
     


Dorival Caymmi (1914 – 19??)
     

Caetano Veloso (1942)
     

Gilberto Gil (1942)

HOMENAGEM A VINICIUS DE MORAES




Vinícius de Moraes, nascido Marcus Vinicius de Moraes (1913 – 1980) foi um diplomata, dramaturgo, jornalista, poeta, compositor brasileiro. Poeta essencialmente lírico, notabilizou-se pela produção de sonetos. Conhecido como um boêmio inveterado, era também conhecido por ser um grande conquistador. O poetinha casou-se por nove vezes ao longo de sua vida. No campo musical, Vinicius de Moraes teve como principais parceiros Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra.


BOSSA NOVA

Durante a década de 50, o Brasil vivia a euforia do crescimento econômico gerado após a Segunda Guerra Mundial. Com base na onda de otimismo dos “Anos Dourados”, um grupo de jovens músicos e compositores da classe média alta do Rio de Janeiro começou a buscar algo realmente novo, e que fosse capaz de fugir do estilo operístico que dominava a música brasileira. Estes artistas acreditavam que o Brasil poderia influenciar o mundo com sua cultura, por isso o novo movimento visava a internacionalização da música brasileira.

Para a maioria dos críticos, a Bossa Nova se iniciou oficialmente em 1958, com um compacto simples do violonista baiano João Gilberto. Um ano depois, o músico lançou seu primeiro LP, “Chega de saudade”, que marcou definitivamente a presença do estilo musical no cenário brasileiro. Grande parte das músicas do LP era proveniente da parceria entre Tom Jobim e Vinícius de Moraes. A dupla compôs “Garota de Ipanema”, que é, sem dúvida, uma das mais importantes canções da história da música brasileira. Para se ter uma ideia, a mesma foi considerada em 2005, pela Biblioteca do Congresso norte-americano, como uma das 50 grandes obras musicais da humanidade.

A Bossa Nova foi consagrada internacionalmente no ano de 1962, em um histórico concerto no Carnegie Hall de Nova Iorque, no qual participaram Tom Jobim, João Gilberto, Oscar Castro Neves, Agostinho dos Santos, Luiz Bonfá, Carlos Lyra, entre outros artistas.

A Bossa Nova tem como características principais o desenvolvimento do canto-falado, ao invés da valorização da “grande voz”, e a marcante influência do jazz norte-americano. Esta influência, inclusive, foi criticada posteriormente por alguns artistas. Em meados da década de 1960, um grupo formado por Marcos Valle, Dori Caymmi, Edu Lobo e Francis Hime procurou reaproximar a Bossa Nova ao samba, ao baião e ao xote nordestino.

Com as mudanças políticas causadas pelo Golpe Militar de 1964, as canções começaram a trazer temas sociais. Desta forma, a música se transformou em um claro instrumento de contestação política da classe média carioca, um símbolo de resistência à repressão instaurada pela ditadura. Era o início da MPB, a moderna música popular brasileira. De fato, o movimento que originou a Bossa Nova se findou em 1966, entretanto, seu fim cronológico não significou a extinção estética do estilo musical, o qual serviu de referência para inúmeras gerações de artistas.