quinta-feira, 24 de outubro de 2019

HORA DO SONETO (TRÊS POEMAS DE GREGÓRIO DE MATOS)


A Jesus Cristo crucificado,
estando o poeta para morrer

Meu Deus, que estais pendente de um madeiro,
Em cuja lei protesto de viver,
Em cuja santa lei hei de morrer
Amoroso, constante, firme e inteiro:

Neste transe, por ser o derradeiro,
Pois vejo a minha vida anoitecer,
É, meu Jesus, a hora de se ver
A brandura de um pai, manso cordeiro.

Mui grande é o vosso amor, e o meu delito:
Porém, pode ter fim todo o pecar;
Mas não o vosso amor, que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar
Que por mais que pequei, neste conflito,
Espero em vosso amor de me salvar.



À instabilidade das cousas do mundo

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto, da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza;
Na formosura, não se dê constância:
E na alegria, sinta-se tristeza.

Comece o mundo enfim pela ignorância,
Pois tem qualquer dos bens por natureza,
A firmeza somente na inconstância.



Descreve que era Realmente Naquele Tempo a
Cidade da Bahia

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem frequente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha,
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazendo pelos pés aos homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam, muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.


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