segunda-feira, 6 de abril de 2020

NOTAS SOBRE "ENQUANTO AGONIZO", DE WILLIAM FAULKNER (OU A ARTE DE ESCREVER COM PERFEIÇÃO)


Addie e Anse têm cinco filhos: Cash, Darl, Jewel, Dewel Dell e Vardaman. A matriarca da família morre. Cash, seu primogênito, prepara-lhe o caixão  ela ainda o vê prepará-lo através da janela. Jewel, seu terceiro filho, menciona (FAULKNER, 2017, p. 17) a este respeito: "É por isso que ele está la fora, embaixo da janela, martelando e serrando aquele maldito caixão. Onde ela pode vê-lo. Onde todo o ar que ela aspira está impregnado das marteladas e serradas onde ela pode vê-lo dizendo Veja. Veja que beleza o que estou fazendo para a senhora". 

Quando Cash nasceu, Addie fez Anse prometer que, por ocasião da morte dela, ele a sepultaria em Jefferson, sua cidade natal. Após a esposa morrer, Anse decide cumprir sua promessa - isto se torna sua meta existencial por excelência.  

Anse coloca o caixão, onde repousa Addie, sobre a carroça na qual também coloca seus quatro filhos. Jewel, o quinto filho, não sobe com os demais na carroça, acompanha os fúnebres viajantes montado em seu cavalo (que ele comprou com imenso sacrifício). Está criada a caravana cuja meta é sepultar em cidade distante do local em que moram a matriarca da família. 

O resumo que apresento acima não alcança, nem de longe, a perfeição conteudístico-formal desse romance. Trata-se de uma das experiências de leitura das mais fascinantes que já vivenciei. Esse romance foi publicado por William Faulkner, escritor norte-americano, em 1930, com o título As I Lay Dying (Enquanto agonizo, na tradução de Wladir Dupont). A obra explora o fluxo de consciência de suas personagens (muito bem delineadas psicologicamente) através de uma técnica narrativa instigante: o nome das personagens indica o foco narrativo que é adotado para explanação das impressões que cada uma delas tem sobre os acontecimentos que se desenrolam durante o trajeto que a família realiza para sepultar a matriarca. Personagens protagonistas e personagens secundárias ganham voz na narrativa, o que amplia a percepção do leitor sobre a trama complexa que o autor desenvolve nessa aclamada obra do século XX. 

Não vou pormenorizar muito o que ocorre em seu enredo, pois entrar demais nas personagens e suas misérias humanas, aqui, trará à tona seus segredos e isso poderá tirar do leitor o prazer de descobri-los por meio da leitura. Esse romance, sem querer cair em exageros encomiásticos, é um dos mais estruturalmente criativos e bem realizados dentre as narrativas que já li. Pretendo analisá-lo através de algum trabalho acadêmico futuramente, isto talvez me proporcione maior compreensão de sua construção estética, mas devo dizer que minha intenção, com estas notas, é incitar quem as lê a procurar com urgência esse livro. Nele, você poderá encontrar temas como: relações familiares com suas incomunicabilidades e segredos, a condição da mulher diante do construto patriarcal que tenta subjugá-la em vários aspectos, a morte e suas representações simbólicas, o amor e o ódio em coexistência nas diversas relações que se estabelecem na existência humana, a persistência no cumprimento de uma promessa, a cegueira a que alguém pode ser conduzido quando toma decisões que podem afetar os envolvidos nessa decisão, a dualidade humana, a lealdade e a deslealdade, a loucura e o que de fato pode ser entendido como loucura etc. 

Para concluir, devo dizer que Enquanto agonizo é leitura indispensável para quem busca entender, em profundidade, a capacidade artística de um escritor comprometido com a originalidade de uma obra artística; também para quem busca narrativas que podem trazer uma compreensão mais acentuada da condição humana no que ela tem de mais complexo e fascinante. 

REFERÊNCIA

FAULKNER, William. Enquanto agonizo. Tradução de Wladir Dupont. Porto Alegre: L&PM, 2017. 

Émerson Cardoso
06/04/2020


2 comentários:

  1. Tenho muita curiosidade de ler este romance, mas nunca consegui encontrá-lo nas livrarias que frequento.
    Agora, gostaria de lê-lo ainda mais, para debatê-lo com você.
    Xero.
    Saudade.

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    1. Sara, é um livro muito instigante e desafiador! Vale muito a pena ter contato com ele. Abraço!

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