que se passou esta trama:
uma punição mordaz,
enredo de melodrama,
fez o Padre aí do título
viver o triste capítulo
que logo mais se derrama.
Era o Padre do Rosário
da batina um prisioneiro.
Um jovem que foi ricaço
e esqueceu todo o dinheiro
para servir ao Senhor,
o grande Deus criador,
a quem amou por inteiro.
Padre se tornou um dia
por amor à vocação.
Viver Deus, com alegria,
fez pulsar seu coração.
Da família se afastou
e do mundo se ocultou:
apegou-se à solidão.
Sofreu toda dor possível
em seu seminário austero.
No estudo era incrível
dizia: “Estudar eu quero
para Padre me tornar,
vou a salvação pregar
com amor ao ministério!”
Em seguida à ordenação,
tornou-se logo o vigário
d’uma gente de oração
na igrejinha do Rosário.
Era muito inteligente,
um homem de pura mente,
mas também um solitário.
Tão sério e tão belo era,
de cabelo muito preto.
Tinha olhar de quem espera
o poder do Deus perfeito.
Toda a paróquia o adorava,
tanta gente o admirava:
ele era sem defeito.
Porém dentro da batina,
batina frígida e escura,
sentia a dor mais ferina:
“Na vida, quanta amargura!”
Em seu íntimo trazia,
que fraqueza e covardia,
por mulher, viva loucura!
Por nome José Maria,
mas chamado Padre Belo,
pela grande simpatia
e pelo rosto singelo,
segredos trazia na mente:
um fogo intenso, fervente,
que inundaria um castelo.
Com olhar de azul bem forte,
era de rosto alongado.
Elegante e de bom porte,
tinha sido desenhado.
Apesar da pouca idade,
mostrava maturidade
em seu jeito ensimesmado.
Ficava de dia na igreja,
mas à noite solitário.
Se dormia como quem beija
a cruz de pé no calvário,
em seus sonhos só luxúria
serpenteava-lhe com fúria:
como sofria o vigário!
Certa noite aconteceu
missa de sétimo dia:
um fazendeiro morreu,
homem ruim e que fazia
o mal a todo cristão,
um monstro sem coração
que de maldade vivia.
O Padre Belo rezou
desse fazendeiro a missa
e nos bancos avistou
a perfeição que enfeitiça.
Se viu confuso e sem norte,
parecia até que a morte
tinha por ele cobiça.
A mulher muito arrumada,
com grande busto a exibir,
mostrava-se preparada
para de amor explodir.
O Padre santo e castíssimo
pressentiu do inferno o abismo
e aspirou
nele cair.
Com cabelos cacheados
caídos nos ombros finos,
com olhos esverdeados
em seu rosto feminino:
“Que beleza de mulher!”
Disse o serviçal da fé
com desejo mais ferino.
Quando a missa terminou,
o Padre ficou sabendo:
a mulher que tanto olhou
muito estava lá sofrendo.
Era a tristonha Viúva
com olhar a verter chuva
feito nuvem derretendo.
Imaginou-se lamber
da Viúva todo o pranto
e, ao lado dela, fazer:
do mundo, lascivo canto;
do amor, um impuro ninho;
da paz, imoral caminho;
da vida, prazer e encanto...
Sentiu-se tão pecador,
sem serventia para a fé.
Como sentir tal ardor
por um corpo de mulher?
Ele, guardião do templo,
e do povo o grande exemplo,
viu a culpa o corroer.
O problema só piorou
e, de forma assustadora,
quando a Viúva falou:
“Seu Padre, sou pecadora!
Sempre traí meu marido...
Ele morreu tão sofrido,
sou serpente tentadora!”
Revirou a mente dele
a tal confissão ouvida.
Tinha chance, agora, ele
para fazer da sua vida
uma perdição completa,
uma loucura repleta,
tinha a alma revolvida.
“Dona Clara, eu também
sou mais que vil pecador.
Digo-lhe, agora, um amém
ao que hoje me contou.
Sinto o fogo em mim arder
desde que avistei você.
Estou vivendo um horror!”
A Viúva bem depressa
entrou no confessionário.
Deu um beijo sem conversa
e despiu logo o vigário.
A virgindade perdeu,
o Padre santo de Deus,
dando as costas ao sacrário.
E assim o Padre, qual louco,
perdeu-se nessa aventura.
A bela Viúva, em pouco,
aumentou sua cintura.
A cidade percebeu
e a conversa se estendeu
com muita descompostura.
Mas ninguém ia saber
quem era o pai do menino
se não fosse o povo ver
a Viúva e o tão divino
Padre Belo do Rosário,
dentro do confessionário,
com agarro clandestino.
Houve tão grande alarido,
o povo se apavorou.
A Viúva sem vestido,
que o bom Padre retirou,
quase morreu de vergonha
e, com cara mais bisonha,
uma porta procurou.
Ficou só o Padre nu,
sem batina e sem calção,
branco, quase cor azul,
se cobrindo só co’a mão.
Foi inútil se esconder,
porque o povo ousou dizer:
“Mas que Padre do corpão!”
Da cidade, bem depressa,
a Viúva se mandou.
O povo toda repulsa
pela Viúva expressou.
Era a serpente corrupta
que destruiu, mais abrupta,
do Padre a pureza e o ardor.
Pensaram em mil torturas,
na reunião levantada:
fogueira, pedrada, surra,
denúncia foi aventada.
Tão-somente o Sacristão,
com gritos e comoção,
fez-lhe defesa apressada:
“Minha cidade querida,
me escute, por seu favor:
não podemos tirar vida
do Padre Belo — que horror!
O melhor é repensar,
uma estratégia criar:
quem aqui nunca pecou?”
Depois de muita conversa,
a cidade decidiu
que, apesar da ação perversa,
na qual o Padre caiu,
morrer não era remédio
ele curaria o tédio
do povo qu’ele feriu...
Ele não iria morrer,
mas seria aprisionado.
Além de missa e afazer
que o deixavam fatigado,
Padre Belo suportou
punição que o devastou:
ao sexo foi condenado!
O Padre Belo entraria
no seu frio confessionário,
dia e noite, noite e dia,
sempre mais, pobre vigário.
Homens, mulheres e moças,
as multidões iguais moscas,
queriam provar do vigário.
O Sacristão defendeu
o Padre Belo contra o mundo,
mas foi quem mais acendeu
desejo intenso e profundo.
Cobiçava o Padre Belo,
com seu fogo e olhar singelo,
dentro dele bem no fundo.
O Padre Belo sofreu
uma triste punição.
Ele dava ao povo seu
de seu fogo um bom tostão.
Se o Padreco recusasse,
ele então se preparasse
e enfrentasse a multidão.
Assim se deu a história
do Padre do fogo quente
que perdeu sua fama e glória,
a vida santa e inocente,
e entregou-se à chantagem
sem poder fazer viagem
dando o corpo à toda gente.
Émerson Cardoso
(30.05.2008 / 01.11.2021)
CARDOSO, Émerson. A Punição do Padre Belo. Fortaleza: Tipografia Padre Cícero, 2022.
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