sábado, 29 de janeiro de 2022

FOLHETO DE CORDEL: "A PUNIÇÃO DO PADRE BELO"


 
Sei que muito tempo faz

que se passou esta trama:

uma punição mordaz,

enredo de melodrama,

fez o Padre aí do título

viver o triste capítulo

que logo mais se derrama.

 

Era o Padre do Rosário

da batina um prisioneiro.

Um jovem que foi ricaço

e esqueceu todo o dinheiro

para servir ao Senhor,

o grande Deus criador,

a quem amou por inteiro.

 

Padre se tornou um dia

por amor à vocação.

Viver Deus, com alegria,

fez pulsar seu coração.

Da família se afastou

e do mundo se ocultou:

apegou-se à solidão.

 

Sofreu toda dor possível

em seu seminário austero.

No estudo era incrível

dizia: “Estudar eu quero

para Padre me tornar,

vou a salvação pregar

com amor ao ministério!”

 

Em seguida à ordenação,

tornou-se logo o vigário

d’uma gente de oração

na igrejinha do Rosário.

Era muito inteligente,

um homem de pura mente,

mas também um solitário.

 

Tão sério e tão belo era,

de cabelo muito preto.

Tinha olhar de quem espera

o poder do Deus perfeito.

Toda a paróquia o adorava,

tanta gente o admirava:

ele era sem defeito.

 

Porém dentro da batina,

batina frígida e escura,

sentia a dor mais ferina:

“Na vida, quanta amargura!”

Em seu íntimo trazia,

que fraqueza e covardia,

por mulher, viva loucura!

 

Por nome José Maria,

mas chamado Padre Belo,

pela grande simpatia

e pelo rosto singelo,

segredos trazia na mente:

um fogo intenso, fervente,

que inundaria um castelo.

 

Com olhar de azul bem forte,

era de rosto alongado.

Elegante e de bom porte,

tinha sido desenhado.

Apesar da pouca idade,

mostrava maturidade

em seu jeito ensimesmado.

 

Ficava de dia na igreja,

mas à noite solitário.

Se dormia como quem beija

a cruz de pé no calvário,

em seus sonhos só luxúria

serpenteava-lhe com fúria:

como sofria o vigário!

 

Certa noite aconteceu

missa de sétimo dia:

um fazendeiro morreu,

homem ruim e que fazia

o mal a todo cristão,

um monstro sem coração

que de maldade vivia.

 

O Padre Belo rezou

desse fazendeiro a missa

e nos bancos avistou

a perfeição que enfeitiça.

Se viu confuso e sem norte,

parecia até que a morte

tinha por ele cobiça.

 

A mulher muito arrumada,

com grande busto a exibir,

mostrava-se preparada

para de amor explodir.

O Padre santo e castíssimo

pressentiu do inferno o abismo

 e aspirou nele cair.

 

Com cabelos cacheados

caídos nos ombros finos,

com olhos esverdeados

em seu rosto feminino:

“Que beleza de mulher!”

Disse o serviçal da fé

com desejo mais ferino.

 

Quando a missa terminou,

o Padre ficou sabendo:

a mulher que tanto olhou

muito estava lá sofrendo.

Era a tristonha Viúva

com olhar a verter chuva

feito nuvem derretendo.

 

Imaginou-se lamber

da Viúva todo o pranto

e, ao lado dela, fazer:

do mundo, lascivo canto;

do amor, um impuro ninho;

da paz, imoral caminho;

da vida, prazer e encanto...

 

Sentiu-se tão pecador,

sem serventia para a fé.

Como sentir tal ardor

por um corpo de mulher?

Ele, guardião do templo,

e do povo o grande exemplo,

viu a culpa o corroer.

 

O problema só piorou

e, de forma assustadora,

quando a Viúva falou:

“Seu Padre, sou pecadora!

Sempre traí meu marido...

Ele morreu tão sofrido,

sou serpente tentadora!”

 

Revirou a mente dele

a tal confissão ouvida.

Tinha chance, agora, ele

para fazer da sua vida

uma perdição completa,

uma loucura repleta,

tinha a alma revolvida.

 

“Dona Clara, eu também

sou mais que vil pecador.

Digo-lhe, agora, um amém

ao que hoje me contou.

Sinto o fogo em mim arder

desde que avistei você.

Estou vivendo um horror!”

 

A Viúva bem depressa

entrou no confessionário.

Deu um beijo sem conversa

e despiu logo o vigário.

A virgindade perdeu,

o Padre santo de Deus,

dando as costas ao sacrário.  

 

E assim o Padre, qual louco,

perdeu-se nessa aventura.

A bela Viúva, em pouco,

aumentou sua cintura.

A cidade percebeu

e a conversa se estendeu

com muita descompostura.

 

Mas ninguém ia saber

quem era o pai do menino

se não fosse o povo ver

a Viúva e o tão divino

Padre Belo do Rosário,

dentro do confessionário,

com agarro clandestino.

 

Houve tão grande alarido,

o povo se apavorou.

A Viúva sem vestido,

que o bom Padre retirou,

quase morreu de vergonha

e, com cara mais bisonha,

uma porta procurou.

 

Ficou só o Padre nu,

sem batina e sem calção,

branco, quase cor azul,

se cobrindo só co’a mão.

Foi inútil se esconder,

porque o povo ousou dizer:

“Mas que Padre do corpão!”

 

Da cidade, bem depressa,

a Viúva se mandou.

O povo toda repulsa

pela Viúva expressou.

Era a serpente corrupta

que destruiu, mais abrupta,

do Padre a pureza e o ardor.

 

Pensaram em mil torturas,

na reunião levantada:

fogueira, pedrada, surra,

denúncia foi aventada.

Tão-somente o Sacristão,

com gritos e comoção,

fez-lhe defesa apressada:

 

“Minha cidade querida,

me escute, por seu favor:

não podemos tirar vida

do Padre Belo — que horror!

O melhor é repensar,

uma estratégia criar:

quem aqui nunca pecou?”

 

Depois de muita conversa,

a cidade decidiu

que, apesar da ação perversa,

na qual o Padre caiu,

morrer não era remédio

ele curaria o tédio

do povo qu’ele feriu...

 

Ele não iria morrer,

mas seria aprisionado.

Além de missa e afazer

que o deixavam fatigado,

Padre Belo suportou

punição que o devastou:

ao sexo foi condenado!

 

O Padre Belo entraria

no seu frio confessionário,

dia e noite, noite e dia,

sempre mais, pobre vigário.

Homens, mulheres e moças,

as multidões iguais moscas,

queriam provar do vigário.

 

O Sacristão defendeu

o Padre Belo contra o mundo,

mas foi quem mais acendeu  

desejo intenso e profundo.

Cobiçava o Padre Belo,

com seu fogo e olhar singelo,

dentro dele bem no fundo.

 

O Padre Belo sofreu

uma triste punição.

Ele dava ao povo seu

de seu fogo um bom tostão.

Se o Padreco recusasse,

ele então se preparasse

e enfrentasse a multidão.

 

Assim se deu a história

do Padre do fogo quente

que perdeu sua fama e glória,

a vida santa e inocente,  

e entregou-se à chantagem

sem poder fazer viagem

dando o corpo à toda gente. 

 

Émerson Cardoso

(30.05.2008 / 01.11.2021)


CARDOSO, Émerson. A Punição do Padre Belo. Fortaleza: Tipografia Padre Cícero, 2022.

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